terça-feira, 28 de maio de 2024

O SUPEREGO SE PARECE COM DEUS PAI

 


Não se trata de fé, ou de crenças religiosas, mas de como minha cabeça de criança, formado que fui por família católica fervorosa, entendeu esse personagem meio esquecido e pouco falado: Deus Pai.

Ele tudo via. Sua representação mais conhecida era a de um enorme olho dentro de um triângulo. Não adiantava tentar esconder nada dele, nem mesmo nossos mais íntimos pensamentos. 

Ele não só via, mas julgava com severidade, através de seus dez mandamentos impossíveis de serem cumpridos ao pé da letra (por exemplo:“amar a Deus sobre todas as coisas”? Mais que a meu pai e mãe? Eu deveria sentir culpa a cada onda de amor por eles, sem nenhuma correspondente ao Criador?). 

Se houvesse transgressão por “PENSAMENTOS, palavras, obras e omissão, o destino era um só: a eternidade no fogo do inferno! Ele mesmo havia expulso Adão e Eva do paraíso. Não só os dois, mas todos os seus descendentes, nós, os “degredados filhos de Eva”. Não havia dosimetria de pena comparável em toda a história humana.

Pois quando fui entendendo da mente humana, vi uma semelhança enorme entre o Deus Pai e o Superego: 

1. Ambos estão “acima de mim” (Superego significa exatamente isso, em latim).

2. Ambos “tudo veem”, até nossos mais íntimos pensamentos.

3. Ambos tudo julgam com a pena que nos causa a maior angústia: o desamparo, o degredo, a expulsão do paraíso, essa que é o verdadeiro inferno na Terra.

4. Ambos causam culpa, “minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa” em caso de transgressão das tais leis.

Não admira que fosse tão fácil e compreensível, para o menino que fui, acreditar na existência desse Deus Pai: ele morava em minha cabeça… como meu Superego.


terça-feira, 21 de maio de 2024

APRESENTANDO O BETO AI

 


O Beto é um funcionário - com imagem construída pelo Bing - do meu aplicativo de psicanálise (Dr.Daudt AI), que vai ser um servidor do usuário.

Se o usuário só quiser fazer consultas teórico/práticas mais rápidas, pode usar diretamente o Dr.Daudt.

Se quiser alguém para conversar sobre suas questões, alguém que use o conhecimento do aplicativo em forma de conversa, pode escolher falar com o Beto.

Ele vai estar a seu serviço, pesquisando no texto do aplicativo e respondendo/perguntando mais, com toda a desimportância de um parceiro, de um amigo virtual, sem nenhuma importância de um psicanalista.

Ah, ele se chama Beto porque é apelido de Aberto AI (“Open AI”).

[Experimente! www.drdaudtai.com ]





VÍCIOS: O PODER DO GATILHO

 


O cliente está há mais de vinte anos sem beber. Ele não tem bebida em casa, deixou de frequentar os antigos cúmplices de botequim, vive uma vida tranquila e produtiva, mas…

…comprou uns lenços umedecidos com álcool que são um sucesso para limpar seus óculos. Como ele é obsessivo, empreende esse ritual com certa frequência. E deu pra cheirar o lenço assim que termina a limpeza: uma longa e profunda prise.

Foi o bastante para começar a pensar de novo em bebida. A olhar as garrafas de whisky nas prateleiras do supermercado. A namorar a ideia de que, talvez, “um pouquinho não fizesse mal”.

Entendeu o que estava acontecendo: quando há vício em substâncias, o gatilho permanece. Nem é preciso muito “duro” para que a ideia do “Dreher” apareça. Basta o cheiro…




segunda-feira, 13 de maio de 2024

DOMÍNIO-SUBMISSÃO, O VÍCIO DO MIMADO

 


Vício de domínio-submissão é uma compulsão danosa de ter outros sob seu poder, ou de se entregar submisso a esse poder, ou as duas coisas aplicadas a pessoas diferentes.

O vício de domínio-submissão é derivado da relação que temos com nosso Superego desde o início.

Como o Superego é formado absorvendo leis e valores impostos na base da chantagem (“ou aceita, ou eu te desamparo”), mantemos com ele essa relação de submissão ou de rebeldia, de vingança contra suas imposições, como é o caso dos obsessivos contraculturais, como se fosse uma tentativa de dominá-lo, em vez de submeter a ele, mas que continua prisioneiro dele, só que pelo avesso.

Uma modalidade de vício de domínio-submissão especialmente perversa é a induzida pela falta de autoridade de pais que mimam os filhos: eles se põem submissos aos filhos por “medo de que os filhos não venham a amá-los”, ou por medo de “serem opressores”, ou por confundir mimo com “o amor que devem ter pelos filhos”.

Nesse caso, os pais fazem de seus filhos pequenos tiranos, viciados desde a infância no domínio-submissão inverso: os pais submissos aos filhos. A doença do mimo é o vício de domínio-submissão inverso.

Novamente, as relações de domínio-submissão podem não ser viciosas se não causarem dano. A própria relação que tivemos com nossos pais e amparadores da infância não deixa de ser de domínio-submissão, dada a discrepância de poderes que ela continha.

Mas a submissão por confiança (como a que temos com um cirurgião que nos opera, p.ex.) é diferente da submissão por medo de desamparo, e é essa diferença que vai começar a estabelecer a fronteira entre saúde e vício.

O problema dessa fronteira entre domínio-submissão por confiança e a por medo é que essa, a por medo, é nossa relação com o Superego desde o início.

Se nossos pais usaram mais da autoridade do saber (a autoridade baseada no convencimento e no respeito a inteligência da criança), eles transmitiram valores para a pessoa da criança, para seu Ego.

Se a autoridade usada foi a de imposição por medo do desamparo, esses valores foram para o Superego, e vão formar base para possíveis doenças neuróticas e viciosas pela vida afora, com três vícios mais típicos daí derivados: o vício de domínio-submissão, o vício sadomasoquista básico e o vício sadomasoquista fodão-merda.


“DEPOIS, DEPOIS…” : O VÍCIO DA PROCRASTINAÇÃO

 


Não há cenários melhor para examinar o uso de drama pelo Superego, de como o Superego é capaz de transformar a menor coisa num “duro”, num sacrifício a ser combatido com o “dane-se” do vício, fazendo dessa menor coisa um drama: “ah, que horror, que drama, tenho que lavar a louça!” 

O que torna irresistível aquela palavrinha que equivale ao “dane-se”: “Depois, depois eu faço…”

Todos os vícios são fruto de uma guerra entre a construção e o imediatismo; todos os vícios obedecem a uma linha de montagem.

O mundo externo pede preparo, aprendizado e construção para que se lide bem com ele, a coisa é necessária, mas não é imediata nem pronta.

Se a construção for monopolizada pelo Superego, por cobrança, por imposição, por chantagem moral e por drama (“faça isso, senão ninguém vai gostar de você!”), haverá uma pressão enorme para tocar um “dane-se” para o Superego, em favor de um prazer imediatista, que virá de várias formas: dos vícios de substâncias e dos de comportamento (sexuais ou não).



terça-feira, 30 de abril de 2024

PSICANÁLISE QUE NINGUÉM ENTENDE - O AMIGO PERGUNTA

 



De Leandro Alves de Siqueira: “Vi que existe entre os psicanalistas uma espécie de gozo no falar difícil e no não entendimento. Mas não é um contrassenso?”

Francisco Daudt: Leandro, as nossas ações são complexas, multideterminadas, mas existe esse componente, um certo complexo de inferioridade na psicanálise: diante da dificuldade de se entender a psiquê humana, e frustrada por sua impotência, a pessoa pode se sentir atraída a se dedicar mais ao confeito do que ao bolo; mais às firulas do que à substância; mais à espuma que ao chope; mais ao rito do que ao significado; mais à forma que ao conteúdo; mais à erudição que à sabedoria.

Tenho muita compaixão pelo aspirante a psicanalista que ambicionava entender os segredos da mente, mas quando chegou ao curso de psicologia (ou à formação analítica) se deparou com uma enxurrada de conhecimentos esotéricos, que o deixavam perplexo.

Imagino-o sempre a se perguntar, “mas então é isso? Eu não estou entendendo nada, então… o errado devo ser eu, eu devo ser meio burro”. E a partir daí, começou um processo de se adaptar, de aderir, de aprender a falar difícil, de ter o gozo de passar a perplexidade adiante, de não ser mais a vítima dela, mas seu causador.

Eu mesmo escapei por pura sorte dessa arapuca: eu era médico clínico havia cinco anos quando resolvi ser psicanalista. Não precisei cursar psicologia, portanto. Estive prestes a fazer uma formação com analista kleiniano, mas o destino me pôs diante de um freudiano formado na Argentina pelo Angel Garma (que tinha se formado com o Theodor Reik, formado por sua vez pelo próprio Freud). Foi desse jeito que me tornei um “freudiano de quarta geração”, em linha direta com o velho professor austríaco.

Assim, minha base teórica principal foi Freud, e ele fala língua de gente: eu entendia tudo. Ainda por cima, coordenei por dez anos grupos de estudo de Freud, e não tem melhor jeito de aprender que ensinar.

É daí que vem minha mania de ser claro.



quinta-feira, 25 de abril de 2024

"A COISA MAIS DURA QUE OUVI EM TODA MINHA VIDA" - O AMIGO PERGUNTA

 


“Ela tinha sido enganada pelo cara depois que ele a engravidou: ele disse que se ela abortasse, ele se casaria com ela, que ele só não queria mais filhos. Pois bem, ela abortou e ele lhe deu um pé na bunda.

Eu era seu amigo e fiquei devastado, solidário a ela. Dei-lhe todo o apoio, carinho e consolo que pude, eu gostava dela. Eu sei é que ela finalmente olhou para mim, pareceu gostar de mim, e acabamos por nos casar. Ela engravidou logo. Eu sempre quis ser pai, não podia estar mais feliz, e pensei que a gravidez de nossa filha também fosse lhe curar as antigas dores.

Mas algo estranho ocorreu: desde a gravidez e mesmo depois que nossa filha nasceu, meses se passaram sem que ela me permitisse qualquer aproximação sexual. Eu tentava conversar a respeito, mas nada.

Finalmente ela veio falar comigo: 'Fiquei pensando no porquê do meu afastamento, e concluí que foi o seguinte: quando você me engravidou, você tirou toda a possibilidade de um dia eu voltar para o fulano (o tal que a tinha enganado). Isso fez com que eu não quisesse mais que você nem chegasse perto…'

Foi a coisa mais dura que ouvi em toda minha vida.”

Francisco Daudt: Posso imaginar. É uma história de luto, de perda de uma ilusão, uma espécie de engano de pessoa tardio, com o agravante de estarem ligados pela filha (agravante, por um lado; atenuante por outro, já que foi um sonho realizado seu, de se tornar pai). 

A descoberta do narcisismo de alguém em quem se investiu tanto traz sempre sentimentos conflitantes: uma raiva descomunal… e ao mesmo tempo, uma perplexidade enorme. 

Como funciona essa cabeça narcisista? A intuição te mostra que não houve malícia, má intenção naquele comunicado horrível. A outra nem se deu conta de como estava te ferindo. Aos olhos dela, ela estava apenas sendo honesta.

Ao mesmo tempo, sua história contrapõe dois perfis masculinos clássicos: o “papai” (você, capaz de acolhimento e consideração) e o “cafajeste” (o cara; no caso, o pior tipo de cafajeste, o Don Juan das falsas promessas). 

Há um cuidado adicional: verifique se há repetição de finais infelizes em seus relacionamentos amorosos, pois você estaria vivenciando algo que se chama de neurose de transferência: a atração fatal por narcisistas, com a esperança (fadada ao desastre) de convertê-los em pessoas capazes de te apreciar. 

Se for esse o caso, seria preciso examinar sua história de aprendizado afetivo, pois a neurose de transferência conta o que está inscrito em nosso complexo de Édipo.