domingo, 11 de junho de 2023

MAIS SOBRE EMPATIA


De Franklin Santos: Pode haver empatia por sentimentos e comportamentos nocivos, socialmente antiéticos?

Francisco Daudt: A empatia não implica endosso, concordância, anuência ou adesão ao outro. Nem sequer julgamento.

Ela se restringe a tentar entendê-lo. Entender não é concordar. Eu entendo o mecanismo da doença psíquica para melhor desmontá-la. A psicanálise é, portanto, um exercício contínuo de empatia.

Agora, através da empatia eu posso descobrir afinidades, áreas de boa troca, e aí sim, ter vontade de aproximação. 

É assim que se constrói o amor companheiro, que, diferentemente da paixão, sabe onde pisa e a quem está realisticamente elegendo como parceria.





 

EMPATIA SE APRENDE?


De Carmen Piñeiro Gomez: É possível a pessoa aprender a "ser" empático genuinamente, ou aprender a "parecer" empático para que seja socialmente mais aceito?

Francisco Daudt: Qualquer processo de aprendizagem começa com a imitação. Com o tempo e o gosto pela coisa, o aprendido se torna nosso, é incorporado ao que somos.
Isso acontece com o inglês; isso pode acontecer com a empatia.

De fato, fico comovido quando um cliente em quem diagnostiquei narcisismo genético se interessa por aprender empatia, e assim diminuir os danos que seu perfil herdado causa, tanto em sua vida como na de outros.

(Empatia: capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de se pôr em sua pele, de se interessar para saber como o outro funciona).





 

EUGENIA: UM DESEJO QUE VEM COM A MÁQUINA

 



“Um bebê Down é o sonho de qualquer mãe! Uma criança que será criança para sempre, que nunca nos abandonará em favor do mundo!”

Ouvi essa “pérola” na palestra de uma psicóloga terapeuta de crianças com síndrome de Down. “Estupefato” é pouco, para descrever minha reação.

Quando entrei em contato com a psicologia evolucionista, entendi algo totalmente evidente: a eugenia (“nascer bem”, em grego) é um desejo que vem embutido em nossa máquina pensante.

Nosso desejo é pautado por ela: nossos sentidos e nossa atração buscam sinais de saúde, beleza, inteligência e força; evitam a feiúra e a doença.

São ideias que me vieram diante da suposta polêmica ética que a possibilidade de aumentar as chances de escolher bebês saudáveis teria despertado, se a reprodução assistida for necessária. (imagem de matéria do Jornal O Globo do dia 04 de junho de 2023).





ALGUNS RESULTADOS DA RAIVA INCOMPETENTE

 

A raiva tem uma função básica em nossa vida: corrigir o que percebemos como injustiça. Somos programados corporalmente para rejeitar injustiça. Assim como o podre nos causa náusea, o injusto nos causa raiva.

Mas gerenciar a raiva para torná-la competente na correção de injustiças é como aprender uma língua estrangeira: requer tempo e bom treino.

De modo que é muito comum vermos produtos incompetentes da raiva mal gerenciada. Alguns exemplos:

1. Explosão: dar com o cabo de vassoura na cabeça do outro dificilmente corrige a injustiça…

2. Implosão: entubar a raiva, por não saber o que fazer com ela, costuma dar em doenças, como a depressão, p.ex.

3. Ironia e sarcasmo: se usados sistematicamente para humilhar, não corrigem a injustiça e já são sinais de vício sadomasoquista.

4. Alusões e insinuações: o mesmo do item anterior, com o agravante do “gaslighting” (“mas eu não falei nada, você tá ficando maluco?”).

5. Prisioneiro da vingança: um jeito estranho de se estar escravizado pelo opressor, ainda dentro do vício sadomasoquista.

6. Vitimismo: é outra face do s&m, a vingança terceirizada pela solidariedade dos outros, que passam a ver o suposto opressor como um fdp.





quinta-feira, 8 de junho de 2023

QUER EXPERIMENTAR UM TESTE DE NARCISISMO?

 



Inventei esse teste, como uma forma experimental de avaliação. Ele não é nenhum produto final e acabado; nada disso, críticas e sugestões serão bem-vindas.

Avaliação quantitativa de narcisismo genético:

As perguntas com (D) devem ser contadas diretamente de zero a dez; as perguntas com (Z) devem ser contadas com o que falta para dez (p.ex., se a resposta for 1, a contagem deve ser 9).

Critérios: “um pouco” = de zero a três.
“mais ou menos” = de quatro a seis.
“muito” = de sete a dez.

1. Quantas pessoas são afetivamente importantes em sua vida, no presente? (Z)

2. Quão importante elas são? (Z)

3. E no passado? (Z)

4. Você pensa nelas quando está sozinho? (Z)

5. Você se preocupa com elas? (Z)

6. Você sente saudades de pessoas? (Z)

7. Você as conhece bem, sabe do que elas gostam e o que pensam? (Z)

8. Se interessa, quando elas falam sobre suas vidas e delas mesmas? (Z)

9. Você sofre quando as vê sofrendo? (Z)

10. Você tem vontade de ajudá-las, quando estão sofrendo? (Z)

11. Você sente ciúmes se elas dão atenção a mais alguém? (D)

12. Com que frequência você sente inveja? (D)

13. Sente inveja de pessoas próximas? (D)

14. Rompimentos de relações são frequentes em sua vida? (D)

15. Com que facilidade você se descarta dessas pessoas, se elas te contrariam? (D)

16. Você cita famosos conhecidos seus? (D)

17. Você acha que os ostenta para os outros? (D)

18. Com que frequência você recebe elogios de seus próximos? (D)

19. Você acha que precisa de plateias? (D)

20. Você acha que precisa de adoradores, fãs próximos? (D)

21. Você admite erros com facilidade? (Z)

22. Culpa os outros pelo que lhe aconteceu de ruim? (D)

23. Você tolera críticas? (Z)

24. Como você avalia intimamente sua autoestima? (Z)

25. Tem dúvidas do seu valor? (D)

26. Você acha que seu valor precisa ser reafirmado com frequência? (D)

27. Você é seu assunto principal? (D)

28. Você tende a comparar suas qualidades (beleza, inteligência etc.) com a dos outros? (D)

29. Você fala de sua admiração pelos outros? Você os elogia para terceiros? (Z)

30. Você preencheu este questionário com a preocupação de “tirar boa nota”? (D)

Contagem abaixo de 150: não narcisista.
Entre 150 e 200: narcisismo moderado.
Acima de 200: narcisismo intenso.

Os narcisistas que se reconhecem como tal têm enorme vantagem, pois a empatia (sua principal deficiência) pode ser aprendida, como se aprende uma língua estrangeira.



quarta-feira, 31 de maio de 2023

A COMÉDIA E O SUPEREGO

 


O cerne do que nos faz explodir de risos é o debochar do Superego. Nós todos temos uma raiva reprimida dessas leis tirânicas (e frequentemente idiotas) que formam o senso comum e que absorvemos em nossos Superegos, pela chantagem: “seja assim, ou você vai ser cancelado/desamparado”.

Mas há níveis em que o deboche do Superego nos faz rir, e níveis em que a gente diz, “ah, aí também não!”, e passamos a criticar a comédia. 

Novamente, quem decide esse limiar é também o senso comum, que muda a cada tempo. Por exemplo, o auge das demonstrações de superioridade moral e de níveis de se sentir ofendido por tudo parece estar passando, saindo de moda, mas ainda assim…

Um desses níveis parece ter sido transposto por um comediante de stand-up, que vinha usando o senso comum do politicamente correto para transgredi-lo sistematicamente em tudo que podia. 

Aí o Superego veio com tudo: “Tá vendo no que dá esse excesso de liberdade!?” No entanto, nossa liberdade e nosso direito de mandar na própria vida são fruto de uma crescente negociação/transgressão com as leis do Superego. Com direito a avanços e recuos… e mudança das leis.

Se não fosse assim, ninguém conquistaria uma vida sexual não transgressora…



domingo, 21 de maio de 2023

DEUSES E DEMÔNIOS - O AMIGO PERGUNTA

 



De Gilson Gusmão: “É possível rezar a Deus e a Lúcifer? Ou ambos são a expressão do mais profundo âmago da pessoa humana?”

Francisco Daudt: A devoção aos deuses é mais clara e declarada que aquela dirigida aos demônios. E veja que não estou tratando de fés particulares, e sim dos mecanismos da mente humana.

Como já disse, as ficções religiosas partilhadas trazem consolo e amparo, e podem fazer parte da variedade de saúdes mentais. Um psicanalista que se propuser a ditar como é a saúde mental “certa” estará pautado pelo Superego, e essa psicanálise não me serve.

Mas… (e em termos humanos sempre há um “mas”) o desejo de poder e proeminência que a espécie tem - são nossos chamarizes sexuais - é bem capaz de criar tanto cultos demoníacos, quanto religiões que clamam pela “morte aos infiéis”: é nossa tendência inata à tirania.

Há duas ficções partilhadas que muito aprecio, e a favor das quais argumento: o indivíduo e a democracia. Esta última tem só 2.400 anos. O indivíduo é mais jovem, é pós-iluminista, só tem 500 anos.

Mas para mim, apesar de serem tão “antinaturais” quanto o antibiótico (esse tem o agravante de ser “contra a vida”… das bactérias), indivíduo e democracia formam um par indissolúvel: ele tem direito de voz e voto. Nas tiranias, as massas devem ser avassaladas e assim caladas.

Então, deuses e demônios podem morar “no mais profundo âmago” do sapiens; podem ser “seus institutos mais primitivos”, como a tirania o é.

Mas eles não são a “nossa verdade”, nem “aquilo que está por trás” de todos. São apenas uma faceta de nossa complexidade, e que, assim como aprendemos a falar, eles podem ser trazidos à consciência, para participar com suas vozes do parlamento mental que proponho entre Ego, Id e Superego.

“Participar”, e não “imperar”.