“Eu completei 70 anos e ando obcecado com a minha morte, com o pouco tempo que me resta. O que é isto?”
Francisco Daudt: É um tipo de luto. Você se deu conta de que não é imortal, e a perda dessa ilusão é dolorida.
Uma vez, meio brincando, chamei isso de “crise de meia idade”. Certo, ninguém vive 140 anos, mas é que a coisa se reporta às diversas crises evolutivas por que passamos pela vida, todas elas implicam algum luto.
Primeiramente, é preciso dizer que luto não é doença, é uma metabolização das perdas, faz parte da vida. Há um momento de vazio e de tristeza que, se tudo funcionar bem, evolui para o enriquecimento de nossas boas memórias.
Foi assim que deixamos a infância para trás (muitos não deixam a infantilidade para trás, mas isso é outro assunto) e entramos inseguros na adolescência. Depois, a vida nos cobra ser adultos, autossustentáveis, profissionais, pais de família, negociar amores e paixões. Lá pelos 50, a tal crise de meia idade, a juventude perdida, a aposentadoria e a velhice à vista.
E chegamos ao ponto em que você está: sim, vamos morrer, e isso nunca ficou tão evidente quanto aos 70. A nossa espécie é muito perturbada por essa consciência da morte; por causa dela – ou da negação dela – pirâmides foram construídas, deuses inventados, afirmações fodonas de todo tipo reiteradas.
Se você puder deixar a morte – ou a negação dela – de lado, vai poder se concentrar naquilo que tem: sua vida.
Ou, adaptando a oração dos AA: “que eu possa ter a coragem de mudar o que pode ser mudado; a serenidade de aceitar o que não pode; e a sabedoria para distinguir uma coisa da outra.