terça-feira, 22 de dezembro de 2020
OS SETE PECADOS CAPITAIS E A PSICANÁLISE
O DECLÍNIO DA NEUROSE E A ASCENSÃO DO VÍCIO
O AMIGO PERGUNTA - “Qual a diferença entre ansiedade e angústia?”
sexta-feira, 11 de dezembro de 2020
O AMIGO PERGUNTA - Como a psicanálise trata dos sonhos?
O AMIGO PERGUNTA
Como a psicanálise trata dos sonhos?
Francisco Daudt - Sonhos: uma esquisitice que intriga a humanidade desde sempre. Inúmeras tentativas foram feitas para entendê-los, com mais e menos racionalidade; um campo em que o pensamento mágico sempre imperou.
Freud os abordou com espírito científico: observou os mais típicos e os mais rudimentares, os sonhos infantis, alguns sonhos eróticos e os que davam um jeito de nos manter dormindo.
1. Os infantis realizavam desejos frustrados, como ter ido para cama sem poder comer o doce da sobremesa (castigo da mãe) e se regalar com eles durante o sonho.
2. Alguns sonhos eróticos se parecem infantis: muito tesão na pessoa inalcançável/proibida, sonho erótico com ela, com direito a orgasmo.
3. Sonhos de comodidade: a bexiga me pressiona para acordar, eu sonho que estou indo ao banheiro, procuro o banheiro, faço um pouco de xixi... e continuo dormindo. O meu predileto é o da ronda noturna: o médico de plantão tinha que fazer visita aos leitores da enfermaria no meio da madrugada.Ele sonha que acordou, se vestiu, fez as visitas de maneira minuciosa... e voltou pra cama.
Foi baseado nesses sonhos primitivos que Freud fez sua hipótese: os sonhos lidam com desejos impedidos durante a vigília. Eles “negociam” com os impedimentos (morais, do superego) e disfarçam os desejos mais complicados, como violência raivosa contra entes queridos: a cliente atormentada com o filho pequeno que chorava sem parar (mãe solteira, ainda por cima), sonhou que um ladrão entrou pela janela e matou o filho com uma machadada na cabeça.
Agora, interpretar sonhos não é coisa fácil. O próprio Freud abandonou o “Freud explica” de interpretações automáticas em favor de investigação cuidadosa feita a partir das associações livres do próprio paciente.
Ele concluiu que, se interpretasse o sonho usando seu conteúdo de memória, estaria pondo coisa dele na história do paciente, e isso conduziria ao erro.
Os mamíferos sonham. Todos eles tem a fase REM do sono (rapid eyes moviments), que corresponde ao tempo em que os olhos acompanham os estímulos visuais do sonho. É possível ver os cachorros muitas vezes se mexendo e chorando durante o sono. O sonho parece ser um reboot mental estabilizador, feito para preservar o sono. Já o sono é o verdadeiro reboot do supercomplexo sistema cerebral, que se sobrecarrega e “fica lento” ao longo do dia.
A ideia de dormir começa com “desligar o mundo externo”: descanso muscular, escuridão, temperatura confortável, silêncio. Os cinco sentidos não incomodam, o cérebro vai desligando. Todos os bichos procuram tocas e proteção para dormir (humanos inclusive), justamente pelo período de vulnerabilidade. A exceção são os topos das cadeias alimentares, com as baleias, que flutuam na posição vertical ao dormir, é bizarro.
Na psicologia evolucionista está acontecendo um triste fenômeno, parecido com o que aconteceu com a psicanálise: o “Darwin explica”. As pessoas estão pirando na maionese com explicações ad hoc para tudo... Oh Lord....
O AMIGO PERGUNTA - Adrilles Jorge: “Caetano disse que seu tempo na prisão apagou sua atração sexual por homens. O meio influencia a orientação sexual das pessoas?”
O AMIGO PERGUNTA
Adrilles Jorge: “Caetano disse que seu tempo na prisão apagou sua atração sexual por homens. O meio influencia a orientação sexual das pessoas?”
Francisco Daudt: Atenção que aí vai spoiler: a resposta é NÃO. Mas vamos aos argumentos, para que esse “não” seja melhor compreendido.
Motivação, meio e oportunidade. Cada ação humana precisa dessas três condições para acontecer.
A orientação sexual habita o território da motivação. Ela só é conhecida pela pessoa (às vezes, nem tão conhecida assim). Para se transformar em ação, vai depender dos meios e oportunidades que se apresentarem.
É claro que a pergunta se refere ao meio, ao ambiente em que se vive, tanto que Caetano fala da cadeia, como meio inibidor/apagador de UMA orientação sexual dele.
Mas, como assim, UMA orientação? Existem outras? Na mesma pessoa?
Sim, existem. Vamos tomar o caso dos homens, porque suas orientações sexuais são mais fáceis de ler. Como nosso tesão é principalmente visual, a pergunta “para onde vão seus olhos?”, determina sempre a PRINCIPAL orientação sexual de um homem.
O relatório de Alfred Kinsey produziu uma escala de sete tipos (de 0 a 6) de acordo com a resposta dada à seguinte pergunta: você já teve orgasmo com outro homem? As respostas são: tipo 0/nunca ; tipo 1/raramente ; tipo 2/frequentemente ; tipo 3/equivalente ; tipo 4/principalmente ; tipo 5/quase que exclusivamente ; tipo 6/exclusivamente.
É claro, Kinsey era um taxonomista obsessivo, ele não poderia usar critérios subjetivos na pesquisa, eis porque escolheu o orgasmo partilhado.
Mas eu, em 45 anos de clínica, pude adaptar a pesquisa de Kinsey para outra pergunta, desta vez subjetiva: você já se sentiu atraído/teve tesão por outro homem?
Como resposta, a escala Kinsey quase que se repetiu; com a exceção do tipo 3: nunca encontrei um bissexual equivalente. Sempre houve uma predominância na orientação sexual, mesmo que o cara nunca tivesse encostado um dedo em outro homem. Ou numa mulher, pois já pesquisei a coisa em adolescentes virgens de interação erótica. Eles tinham abundante motivação, mas faltaram-lhes os meios e as oportunidades.
Voltando então à pergunta inicial: o meio em que se vive pode perfeitamente determinar a PRÁTICA sexual, mas não vai alterar a motivação, a orientação.
Suponha um tipo 1, hétero com eventual desejo homo. Para ele, é moleza cancelar sua prática homoerótica. Aliás, é o que mais acontece, basta ver a patrulha homofóbica da maior parte das turmas de amigos homens. A pequena sub-orientação de vez em quando vai dar um alô, mas ele a varrerá para debaixo do tapete.
Agora peque um tipo 4, homo com frequente desejo hétero. Faça ele se ordenar padre e ponha-o como professor de apetitosos petizes. Ah, o desejo hétero vai ser facilmente esquecido...
Resulta então que as orientações principais não mudarão, mas o meio em que se está vai pesar fortemente na balança custo/benefício, e vai determinar qual das orientações será levada à prática.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2020
O “CONFIÔMETRO”
“Sem noção” veio aposentar a antiga “falta de desconfiômetro”, que designava o problema daquela pessoa desprovida de sensibilidade para perceber que não está agradando, que está invadindo, sendo inconveniente e inoportuna.
Mas... e o “confiômetro”, que ninguém fala nele? No entanto, ele é um poderoso e ativo aparelho cerebral que não desliga nunca. A confiança que temos em algo ou alguém está sempre sendo medida, mesmo que a gente não perceba. Como os papéis da bolsa, ou está em alta, ou estável, ou em queda... ou some completamente, pode reparar.
A mãe do cliente descobriu que ele andava cheirando cocaína e deu-lhe uma dura. Passou meses revistando suas coisas e armários. Um dia ele lhe disse: “Mas mãe, faz um tempão que eu nem chego perto!” E ela: “Ah, meu filho, quando a gente perde a confiança, leva um tempão para recuperar...”
Confiança. Do latim cum + fides, com fé, com crença, com crédito. Olha só a importância dela em nossas vidas: fiança, fiado, fiador, fiel/infiel, confidente, confidência/inconfidência, confiado/desconfiado etc. A lista é enorme.
Reputação é um bem precioso que depende totalmente da confiança. A coisa é tão séria que, diz o ditado americano, “a fama dura quinze minutos; a infâmia é para sempre”.
Esse negócio de “ponho a minha mão no fogo”, desculpe, mas é conversa fiada. É como diz a plaquinha na venda: “Fiado, só amanhã”. Ou como disse o marechal Floriano Peixoto: “É preciso confiar desconfiando”.
“Fé cega” é um estado alterado da mente, maluquice própria de fanáticos, que desejam a “morte aos infiéis”. Se você estivesse seguro de sua fé, por que haveria de desejar a morte de quem não crê? Mas... é como disse Beto Guedes: fé cega, faca amolada. É preciso muita amolação para se manter os olhos fechados à desconfiança, para se desligar o confiômetro.
Como era de se esperar, a confiança também é a base da boa psicanálise. Os clientes chegam me dando um “crédito de confiança”, pois fui indicado por alguém em que eles “botam fé”. Eles me dirão (ou não) coisas que nunca ousaram dizer para ninguém, ou até para si mesmos; tudo vai depender de mim e da confiança que neles despertar.
Claro, o contrato de confidencialidade que a psicanálise implica é base de tudo. E eu que esteja atento, pois a cada sessão a confiança está sendo posta à prova.
O psicanalista que chama de “resistência neurótica”, que desrespeita a desconfiança do paciente, está arruinando um dos mais preciosos instrumentos da nossa saúde mental: o confiômetro.