segunda-feira, 22 de abril de 2024

O QUE MOVE A HUMANIDADE… E O QUE NOS MOVE: SENTIDO E JUSTIÇA

 

“O homem que sabe” (homo sapiens) tem, desde sempre, buscado entender o mundo. Para nós, uma questão de sobrevivência e de controle do que nos pode afetar.

Não é só questão da espécie; é questão pessoal nossa, desde o nascimento. Quando ouvia trovões, perguntava à babá o que era aquilo que estava me assustando. “É que vai haver festa no céu, e São Pedro está arrastando os móveis para limpar os salões. Depois ele vai jogar água no chão, e ela vai cair aqui: é a chuva”. Ela dava sentido à coisa e eu sossegava.

A humanidade passou também pelas etapas da busca de sentido pelo pensamento mágico, que deu origem a todas as religiões e a todas as cosmogonias (explicações para a origem do universo), até ter a humildade de respeitar sua ignorância e sua vontade de investigar: o nascimento da ciência. Mas isso só há uns 300 anos, no Iluminismo.

A ciência e a investigação a partir da ignorância respeitada (o que faço em psicanálise) são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para dar sentido ao estranhamento.

O mesmo se passou com o desejo de justiça, de ajuste, de correção do que não bate bem, daquilo que nos incomoda: desde a porrada no nariz até a negociação que leva em conta ambas as partes. 

Em termos individuais e em termos gerais da história humana: das formas toscas de correção das injustiças (vingança, guerra, pena de Talião etc.) a formas iluministas democráticas (diplomacia, direito de defesa, negociação, ONU, votações, processos judiciais etc.).

A democracia, a consideração pelas partes em litígio, a igualdade de direitos perante a lei são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para produzir justiça.






quarta-feira, 17 de abril de 2024

UM OBSTÁCULO À PSICANÁLISE CLÍNICA…

 


…é a transferência prévia de idealização. Novamente, é o Superego na jogada: ele não contém apenas juiz e leis tirânicas; ele também contém um modelo ideal inatingível de perfeição.

O próprio juiz tirânico que mora nele é assim elevado e perfeito. Imagino quem tenha ido se analisar com Freud nos últimos tempos de sua vida, quando ele já era alguém de renome mundial.

Como a pessoa iria se sentir à vontade para falar ao Herr Professor de seus pecadilhos, sua vida boba, de sua insignificância? Seria inevitável a ideia de “o que ele vai pensar de mim?” Uma brutal inibição.

Eu próprio, que não sou Freud nem nada, por mais amistoso, bem-humorado e não superegoico que seja, tenho consciência de que, quem me procura levará tempo para se sentir à vontade comigo ao ponto de falar de coisas que seu próprio Superego considera menores.

Essa é uma das vantagens que vejo em haver meu aplicativo “Dr. Daudt AI” como acessório da clínica. Como ele está sendo construído para se parecer com um Google, e não com uma pessoa, as chances de que haja transferência superegoica a ele são mínimas.

Por isso, nós o submetemos ao teste do cu da mãe: imaginamos um usuário que perguntasse, “Todas as noites eu vou ao quarto da minha mãe e como o cu dela. Eu gosto e ela gosta. Existe alguma doença nisso?”

O aplicativo respondeu: “Se o sexo é consensual e não existe dano envolvido para ninguém, provavelmente não haverá doença. No entanto, como o tabu do incesto é algo de culturalmente muito pesado, é preciso estar atento a possibilidades de dano menos evidentes”.

Ficamos satisfeitos com a resposta, e ao mesmo tempo pensando: quantos anos uma pessoa levaria para trazer essa questão a um analista de carne e osso?





terça-feira, 16 de abril de 2024

COMO SÃO CONSTRUÍDAS AS DOENÇAS PSÍQUICAS

 


A linha de montagem de nosso psiquismo: as origens da saúde e da doença psíquica.

1. Nascemos com características únicas, com necessidades e capacidades completamente dependentes do amparo dos próximos (a partir daqui, chamados de tribo de amparo).

2. Nascemos com um senso de justiça, do que é justo e se ajusta a nós, como uma chave que se encaixa numa fechadura.

3. A qualquer desajuste, nosso senso de justiça nos fará sentir incômodo, desconforto, dor psíquica ou raiva, e é esse sentimento que nos fará buscar ajustes, satisfação, como a fome nos faz buscar alimento, como o desejo nos faz buscar prazer.

4. Mas como dependemos da tribo de amparo, é muito comum que não sejamos atendidos à nossa medida: não sabemos nos comunicar; eles não sabem nos ler bem.
5. Uma criança comunica seu incômodo (o desajuste) de forma tosca: o choro não informa muito, a possibilidade de má leitura é grande.

6. Mas a necessidade de amparo é muito maior, portanto aprendemos desde cedo a moderar e a entubar nossos incômodos, pois se houver desamparo, tudo piora. É assim que se forma o Superego, uma instância em nossa mente que impõe: “vai aceitando tudo, se não…” Esse senão insinuado é a ameaça de desamparo, o maior poder de chantagem que há sobre nós.

7. Não saber negociar ajustes às nossas demandas é a base de entubarmos os atropelamentos e desatendimentos do nosso desejo.

8. Esses desencaixes entubados entre a tribo de amparo e nossas características é que vão se tornar a fonte de nossas doenças psíquicas. É isso que Freud chamou de Complexo de Édipo.

9. O complexo de Édipo nos congela na infantilidade: como já não sabemos mais o que nos atropelou, não sabemos pleitear o bom ajuste, não aprendemos boa negociação com o mundo; carregaremos desajustes calados pela vida afora, repetindo cenários externos atropeladores, buscando sem saber tribos novas de amparo parecidas com a original, prisioneiros da formatação básica: “aceite ou perca amparo”. É o que diz nosso Superego.

10. Aquele choque do complexo de Édipo com a tribo de amparo é então transferido para novas situações, e quando ele se repete, o nosso incômodo surgirá de maneira cifrada, difícil de entender: a doença psíquica.

11. É assim que toda doença psíquica contará a história de nossos desajustes e incômodos com a tribo de amparo, transferidos para a atualidade, revividos com a nova tribo de amparo… pela vida afora.

12. A psicanálise vem para decifrar a doença, entender o que ela conta, contemplar o desencaixe, permitir que esse adulto doente transforme sua doença em aliada, em fonte de conhecimento de si mesmo, no seu necessário aprendizado de negociação com o mundo, em busca de bom encaixe de seus desejos: em busca de ajuste; em busca de justiça.

A saúde mora na justiça, segundo Aristóteles, a maior das virtudes.




domingo, 31 de março de 2024

O VÍCIO DA MITOMANIA

 


Mitomania é um tipo de vício de autoengrandecimento através de mentiras ou exageros. Na mitomania a mentira não visa causar dano ao outro, visa causar-lhe admiração.

A mitomania é uma especie de sedução de plateia muito comum em tempos de redes sociais, em que o usuário repassa informações impactantes, porém falsas; imagens fake para obter likes.

A mitomania tem sua origem no medo de ser merda, a mitomania é comum entre narcisistas, como meio de arregimentar adoradores.

A mitomania mais comum atualmente está nas lideranças políticas extremadas: quanto menos democrática (vale dizer, considerativa), mais de mentiras chocantes ela se valerá.



terça-feira, 26 de março de 2024

A CURIOSA FUNÇÃO ESTABILIZADORA DA DOENÇA PSÍQUICA - A DOENÇA COMO UM “MAL MENOR”

 


A doença psíquica tem um curioso papel estabilizador na mente, pois ela substitui um drama maior por um drama menor e mais tolerável. 

O drama maior é o conflito entre as características da pessoa e o mundo externo que a ela se opõe, entre um desejo considerado inaceitável pelo Superego e a ameaça de desamparo com que ele ameaça a pessoa. 
Como exemplo, a fobia de baratas entra no lugar da raiva contra o pai: a raiva contra o pai é muito perigosa, pois ele pode desamparar a criança. A doença psíquica tira esse conflito de cena: “meu problema não é a ameaça que meu pai representa, e sim a ameaça que a barata representa.

Dessa maneira, a doença psíquica conta a história dos conflitos da criança, mas de maneira cifrada: é função da psicanálise decifrá-la para dar outra saída ao drama maior. 

Como exemplo, ao decifrar a fobia de baratas, podemos entender que a criança não estava aparelhada, não tinha competência para apresentar suas divergências com seu pai, não saberia o que fazer para que sua raiva encontrasse justiça, e por isso o processo de repressão se deu, e surgiu a doença. 

Ao entender a história que sua fobia conta, o agora adulto pode olhar e relevar as limitações de seu pai, mas pode sobretudo aprender a lidar com sua raiva com competência de adulto, já que a doença o congela nas poucas habilidades que a antiga criança tinha, de lidar com a raiva.




segunda-feira, 25 de março de 2024

KASPAR HAUSER, A CRIANÇA CONGELADA


Quando se vai saindo de uma doença psíquica, e a psicanálise precisa estar bem atenta e compreensiva quanto a isso, a pessoa começa a descongelar uma criança que morava dentro de si, e que foi mantida pela doença no porão da mente, como um Kaspar Hauser.

Foi por incompetência para gerenciar raiva e desejo erótico que a criança desenvolveu doença psíquica, pois não sabia negociar com o mundo. Ao sair dela, vai ter que aprender tudo como se fosse pela primeira vez. 
Vai se ver desastrada, como qualquer aprendiz. Vai se cobrar perfeição, vai se criticar, pois o Superego ainda não mudou. 

Cabe ao psicanalista: o acolhimento desse aprendizado; o debate com o Superego do cliente para que ele baixe a bola em suas cobranças; o ensinamento tolerante de que não há absorção de novo conhecimento sem erros, de que os erros fazem parte do processo.

É assim que a saúde ganha terreno sobre a doença, que o cliente (seu Eu, seu Ego) se torna percentualmente mais “dono da empresa”, que o Superego diminui seu poder tirânico.



 

domingo, 24 de março de 2024

PEIXE GRANDE

 



Tudo começa “em casa”: a submissão raivosa que temos com nosso próprio Superego, a maneira como nós nos defendemos dele: assumindo seu papel, cagando regra para os outros, fazendo e sofrendo bullying, sentindo angústia ao pensar no mundo, nos defendendo dessa angústia com TODOS os mecanismos de defesa, os que causam e os que não causam doenças psíquicas.      

Enfim, acho que peguei um “peixe grande”…