terça-feira, 12 de março de 2024
"VOCÊ QUER EXTIRPAR O SUPEREGO?"
CURA EM PSICANÁLISE
A psicanálise é um processo de permanente diagnóstico. Diagnóstico significa conhecimento amplo (do grego “dia”, que atravessa, que abrange completamente + do grego,“gnosis”, conhecimento).
É o diagnóstico continuado que torna consciente aquilo que estava causando doença, e que estava em nosso inconsciente. Portanto, a cura em psicanálise vem de conhecer mais e mais as origens e funcionamento das doenças psíquicas.
Todas as doenças psíquicas são “dramas menores que aparecem em lugar de dramas impossíveis de lidar”. Sim, mas essa impossibilidade de lidar vem da falta de conhecimento com que a pessoa foi apanhada no drama, geralmente na infância.
Ou seja, o drama nos pega despreparados, dele vem uma doença que “desvia o assunto” para ela, e ao termos que lidar com a doença, nós nos mantemos na suposição de que somos incapazes de lidar com o drama.
Ao decodificar a doença em seu drama de origem, a reação costuma ser, “Ah, então era isso? Bem, não é tão complicado como eu pensava…”, e a doença some, por ter se tornado obsoleta em sua função.
Como exemplo, a neurose fóbica: ter medo de baratas substituiu um drama muito maior, que era a angústia causada por ter medo do desamparo, caso sua raiva contra quem o amparava (em geral, os pais da criança) fosse descoberta. A raiva tornou-se inconsciente, a ameaça de desamparo também, e em seu lugar surgiu o “drama da barata”, seguramente um drama menor e mais controlável.
Ora, o medo de ter raiva dos pais e de ser por eles desamparado vinha da total incompetência e inabilidade da criança, por não saber lidar com sua raiva. Não saber que a raiva é a reação natural frente às injustiças; não saber que a raiva pode ter outras saídas além da vingança; que ela ser conduzida a se fazer uma negociação em busca de justiça.
Então, essa raiva trazia um drama enorme: “afinal, eu amo meus pais, ou os odeio?” É um drama típico do “tudo ou nada”, do “ou uma coisa, ou outra” dos obsessivos.
Aquela pobre criança despreparada não tinha alternativas a não ser sentir uma angústia enorme. Ora, as doenças psíquicas são justamente fruto de mecanismos de defesa contra a angústia de desamparo. Ela passa a lidar com a doença, em vez de lidar com um drama que não saberia como administrar: um drama aterrorizante.
Quando a psicanálise vai diagnosticando todas as etapas do processo:
1. as injustiças da criação que produziram raiva;
2. o julgamento idiota do Superego infantil de que a raiva contra os pais é um crime imperdoável, punível com o desamparo; a angústia que veio disso;
3. o encontro com a barata, como substituto controlável para aquela ameaça;
4. o congelamento em que a fobia mantém o drama, como se ele fosse insolúvel), finalmente o drama parece ter solução: ele não era o monstro imaginado; ele pode ser resolvido de outras maneiras.
Eis aí a cura em psicanálise.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ÀS VEZES ACERTA LINDAMENTE
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024
QUANDO OS PAIS SÃO INIMIGOS…
NOS TEMPOS ANTERIORES AO SUPEREGO
Minha hipótese é que antes do surgimento das cidades, da convivência com estranhos, dos tiranos, das leis, das religiões e dos deuses monoteístas, o Superego ainda não tinha se desenvolvido: não se conhecia a tirania e o medo do desamparo/exílio era muito menor.
Os caçadores-coletores conviviam em aldeamentos de não mais de 200 pessoas, todos se conheciam, as oportunidades e os meios de predação eram mínimos, a cooperação era máxima (por justiça e sobrevivência), a ganância fazia pouco sentido, a religião era animista (as árvores tinham alma).
Ou seja, pouca motivação para introjetar leis tirânicas e críticas judiciosas: pouca razão para o desenvolvimento de um Superego.
O Superego é o verdadeiro mal-estar na civilização...
(Ilustração produzida pelo Bing)
domingo, 18 de fevereiro de 2024
“Qual é a verdadeira psicanálise? Ouço falar dela de tantas formas…” - O AMIGO PERGUNTA
“TÁ ME ESTRANHANDO?”
Faz parte dos nossos softwares de sobrevivência, aqueles que vêm com a máquina, a desconfiança de estranhos: o estranho é sempre o inimigo, até que prove em contrário. Bebês começam a chorar quando estranham alguém. O estranhar se contrapõe ao familiar: este ampara, aquele ameaça.
A humanidade nunca conviveu com estranhos até a revolução agrícola, há cerca de dez mil anos. No grupo nômade de caçadores-coletores, nunca mais de 200 pessoas, todos eram “familiares” e a cooperação predominava, pois havia pouco espaço para predação: todos se conheciam. Não havia necessidade de lei geral, portanto não havia governo.
A revolução agrícola trouxe com ela a fixação no mesmo território, o aparecimento da cidade, a “explosão populacional”… e a convivência com estranhos. O anonimato estava inaugurado, o inimigo morava ao lado, a predação encontrou meios e oportunidades.
Para haver um mínimo de tranquilidade, passaram a ser necessários um governo e leis gerais, que todos partilhassem. Governos toscos, primitivos, vale dizer, tirânicos; leis toscas e tirânicas, como a famosa de Talião (“olho por olho; dente por dente”).
Todos absorviam mentalmente leis e o medo de punições, a pior delas o exílio, a expulsão, o desamparo. Estava fundado o Superego.
Eis o verdadeiro “Mal-estar na Civilização”…