domingo, 18 de fevereiro de 2024

“TÁ ME ESTRANHANDO?”

 


Faz parte dos nossos softwares de sobrevivência, aqueles que vêm com a máquina, a desconfiança de estranhos: o estranho é sempre o inimigo, até que prove em contrário. Bebês começam a chorar quando estranham alguém. O estranhar se contrapõe ao familiar: este ampara, aquele ameaça.

A humanidade nunca conviveu com estranhos até a revolução agrícola, há cerca de dez mil anos. No grupo nômade de caçadores-coletores, nunca mais de 200 pessoas, todos eram “familiares” e a cooperação predominava, pois havia pouco espaço para predação: todos se conheciam. Não havia necessidade de lei geral, portanto não havia governo.

A revolução agrícola trouxe com ela a fixação no mesmo território, o aparecimento da cidade, a “explosão populacional”… e a convivência com estranhos. O anonimato estava inaugurado, o inimigo morava ao lado, a predação encontrou meios e oportunidades.

Para haver um mínimo de tranquilidade, passaram a ser necessários um governo e leis gerais, que todos partilhassem. Governos toscos, primitivos, vale dizer, tirânicos; leis toscas e tirânicas, como a famosa de Talião (“olho por olho; dente por dente”).

Todos absorviam mentalmente leis e o medo de punições, a pior delas o exílio, a expulsão, o desamparo. Estava fundado o Superego.

Eis o verdadeiro “Mal-estar na Civilização”…


terça-feira, 30 de janeiro de 2024

O GUARDIÃO DO SUPEREGO

 


O frei Jorge de Burgos guardava a biblioteca do mosteiro, onde havia o livro perigoso de Aristoteles, sobre o humor (“O nome da Rosa”, sobre o livro de Umberto Eco).

O perigo do humor era que ele desmistificava o Superego, tirava o medo dos supostos demônios que moram em nós. E sem medo do demônio, os deuses são desnecessários…

(Na foto, Fiodor Chialiapin Jr. no papel de Jorge de Burgos)





SÍNDROME DE ZELIG - “FALSO SELF”

 


“Falso self” é um conceito criado por Winnicott: descreve alguém que, pressionado pelo medo de desamparo, é capaz de construir e incorporar um personagem alheio a si mesmo, como um meio de aceitação social.

Seria o exagero máximo do “people pleasing”, que Woody Allen caricaturou em seu filme “Zelig”, um tipo que absorvia rapidamente as características do interlocutor, de modo a ser por ele o mais aceito possível. 

Quem sofre dessa síndrome do falso self não conhece quase nada de si mesmo, de seus desejos, tem pouca capacidade reflexiva, suas reações estão todas voltadas para agradar e ser acolhido pelo interlocutor em quem ele vê capacidades de amparo.

É um desafio para qualquer psicanalista, pois como cliente, ele tenderá também a querer agradar o terapeuta, detectar seus desejos e apresentar “fantásticas melhoras” de seu quadro, em tempo recorde, mas… também ter “recaídas”, assim que retorne ao seu meio de amparo original.

Quanto mais intolerante a diferenças for o meio amparador original, mais “falsas características” a pessoa incorporará, só para não destoar de seu meio. 

Isso se torna mais agudo em tempos como os atuais, de alta polarização e alta intolerância com as diferenças.






domingo, 14 de janeiro de 2024

O QUE É A CONSCIÊNCIA

 


A nossa espécie ganhou o nome de “homo sapiens sapiens” porque Linæus a designou como o “homem que sabe que sabe”, características da autoconsciência, algo único entre as espécies. 

O “saber que sabe” é a consciência que nos interessa, a Freud e a mim. Ela não é um teatro, nem um filme, pois seu conteúdo não visual é imenso, apesar de ela poder ser conceituada como “o olho que vê para dentro”. 

Neste momento, p.ex., não há conteúdo visual para mim, apenas os conceituais, que me impulsionam para responder essa questão da maneira mais legal que posso.

A consciência lida o tempo todo com arquivos de memória, e ela os liga através da bússola do desejo (busca de prazer). Então, somos impulsionados pela busca do prazer (essa é a força do DNA, que nos leva à reprodução) para gerenciar nossos arquivos de memória com a finalidade de… nos causar mais prazer (ou arranjar jeitos de evitar desprazeres). 

É o que vejo sendo a consciência: uma ferramenta a mais para a reprodução/busca de prazer/sobrevivência.



PANDEMIA DE MIMADINHOS, LINHA DE MONTAGEM

 


Freud aponta os pais como origem dos traumas de seus clientes. Quando esses se tornam pais, morrem de medo de que seus filhos venham a falar mal deles com seus futuros analista. Como consequência, abrem mão da coisa mais importante na criação dos filhos, a AUTORIDADE. Passam a bajuladores dos filhos. Resultado: mimadinhos.

Marx divide o mundo em opressores e oprimidos. Os partidos comunistas ocupam todas as vagas de possíveis de professores, educadores e mídia, dentro das escolas e fora delas. O exemplo mais próximo de opressores que as crianças têm são seus pais. Ao mesmo tempo, é extremamente sedutora a posição de oprimidos, de coitadinhos, de vítimas, pois a manipulação do sentimento de culpa é fonte de muito poder. Quando esses filhos se tornam pais, morrem de medo de serem vistos como opressores. Como consequência, abrem mão da coisa mais importante na criação dos filhos, a AUTORIDADE. Passam a bajuladores dos filhos. Resultado: mimadinhos.

Lembrando: quando o assunto é governo, a ditadura é menos má que o caos, a falta de AUTORIDADE,  o caos é o pior cenário, mas… a democracia dá de dez!




sexta-feira, 27 de outubro de 2023

CASAMENTO MORNO - O AMIGO PERGUNTA

 


O AMIGO PERGUNTA 

“Tenho um casamento que está perto de comemorar dez anos. Logo no primeiro ano de namoro, o sexo mudou, porque veio o "Eu te amo". Depois que meu marido me colocou neste pedestal do amor, eu não pude mais ser o seu objeto de desejo carnal. Tudo ficou morno, ponderado, com mais respeito e menos frequência. Tentei conversar sobre isso muitas vezes, sempre responde que me ama e me deseja. Contudo, já o peguei se masturbando algumas vezes e isso me deixa muito triste. O que acontece com ele?”

Francisco Daudt: Seu marido parece ter um conceito de sexo que muitos homens têm, a divisão de mulheres em duas categorias apenas: a santa e a devassa. No tempo de conquista, a mulher está mais desconhecida, permite que a imaginação funcione mais, o sexo é menos pessoal, acaba se parecendo com a atividade sexual básica de todos os homens, que é a masturbação.

A partir do momento em que você se tornou importante para ele, você começou a ganhar a categoria de santa, e para o Superego dos homens, as santas são assexuadas, pois “são parentes”. Não é de espantar que ele tenha regredido à masturbação, que é o sexo seguro que ele conhece desde sempre.

Ele não foi apresentado ao sexo pessoal, que é uma decorrência do carinho afetuoso, do chamego feito na cama, sem compromisso com a aeróbica, mas que é capaz de despertar o tesão. Esse é o caminho para o sexo pessoal, para muitos homens que fazem aquela separação de que falei acima.

Sugiro que você mostre essa carta para ele, para que ele se sinta compreendido e acolhido, enquanto lhe indica uma saída vantajosa de uma situação que também deve incomodá-lo.



sábado, 23 de setembro de 2023

FORA DO ALCANCE DA PSICANÁLISE: NEURODIVERGENTES

 



As doenças psíquicas que a psicanálise é capaz de tratar (e de buscar sua cura, é o que defendo) são alterações do software causadas pela criação, mesmo quando há gatilhos genéticos (como nos vícios e na depressão, p.ex.).

Já nas neurodivergências, o psicanalista vai precisar de auxílio externo, farmacológico ou de outras especialidades. Como já precisava, no caso de doenças físicas, ou mesmo nas depressões, que requerem medicação.

Mas como essas são problemas de hardware cerebral que afetam o comportamento e as emoções, a fronteira é menos clara. Um psicanalista menos informado (ou mais onipotente) pode acreditar que é só assunto dele.

É um momento de humildade científica, para o psicanalista. O momento de saber seus limites e de procurar por quem possa vir em auxílio de seu cliente.

As neurodivergências mais comuns são: autismo, TDAH, dislexia, discalculia, dispraxia, síndrome de Tourette e bipolaridade. É preciso saber diagnosticar (ou pelo menos suspeitar do diagnóstico) e buscar ajuda externa.