sexta-feira, 11 de agosto de 2023
ETARISMO
OS LIMITES SÃO DO PSICANALISTA
Quando um processo de psicanálise não funciona, digo aos alunos: os limites são sempre do analista. “Vocês foram contratados para prestar serviços. Ou conseguem, ou não conseguem. Não há culpados; há a constatação de suas limitações”.
Exemplo: nos anos 1980, o cliente argentino trapaceava no pagamento. Era época da inflação, e sua bolsa do CNPQ era corrigida mensalmente. Ele dizia, “este mês a correção foi de 45%”. Acontece que eu tinha como cliente um outro bolsista que me dizia, “foi 60%”.
Eu verrumava a cabeça para achar um meio não acusatório (para não endossar o Superego dele) de falar do assunto, para poder investigar o que o levava a isso, e não conseguia.
Finalmente, ele disse que sua bolsa ia acabar e ele ia ficar sem dinheiro. “Mas você tem um apartamento em Buenos Aires emprestado de graça para um amigo; agora que você precisa, não pode dizer para ele pagar aluguel?”
Assim foi feito, e ele passou a receber US$ 500, por mês. “Então você pode me pagar $ 15, por sessão?” (Sim, só para ver o quanto ele pagava antes).
Voltou na próxima, carrancudo: “Acho que vou mudar de analista. Você usou de informação privilegiada para saber o quanto eu ganho e me ‘extorquir’ no preço!”
Respondi: “Acho que você tem razão, deve mesmo mudar de analista. Eu tenho minhas limitações e não sei como te ajudar”.
O QUE É TRANSFERÊNCIA, EM PSICANÁLISE
Eu postei a história do gato escaldado que tem medo de água fria, e o João Caridade Santoro reclamou, com razão: “não entendi”. É mesmo, João, eu fiz uma condensação tão grande, que ficou meio obscuro. Então vamos lá:
Primeiramente, “escaldar o gato” é uma maldade antiga que se fazia quando eles ficavam de madrugada urrando (fazendo sexo) debaixo da janela. O insone incomodado punha água para ferver, abria a janela e a jogava sobre o gato, que assim ficava “escaldado”. Se mais tarde caísse água fria sobre ele, a memória do escaldamento se transferiria automaticamente àquela situação, e o bicho pularia alto, como se estivesse sofrendo nova queimadura. A água, mesmo fria, reviveria o trauma.
Então, “transferência” é um conceito que vai do banal ao complexo. O exemplo banal é que você, ao ver essas letrinhas, transfere a elas suas memórias da língua portuguesa e do aprendizado da leitura, e assim elas fazem um sentido: o sentido que ela estão fazendo é resultado dessa transferência.
Um pouco mais complexas são as transferências de memórias para situações presentes no dia a dia de nossas comunicações sociais: “o jeitão de fulano me lembra de gente do bem, eu gostei dele” (transferência positiva); “beltrano nem abriu a boca e já me parece um mané” (transferência negativa).
Engrossando mais o caldo estão as transferências que geram resistência à análise: o cliente, sempre tão falante, agora está quieto, desconfortável. “O que houve?” “Ah, uma bobagem… coisa da minha cabeça”; “Pois diga, este é o lugar para entender as coisas da sua cabeça”; “É que você está usando um casaco parecido com outro que me traz tristes memórias…”
No auge da complexidade estão as transferências neuróticas, que contam de maneira cifrada nosso complexo de Édipo: “não sei porque, mas eu sempre me apaixono pela pessoa errada! Como eu consigo me iludir de maneira tão repetida? Tudo começa lindo, mas depois eu sou rejeitado como sempre fui…” Essa dá um trabalho danado para decifrar…
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