segunda-feira, 17 de julho de 2023

FUNCIONAMENTO DO SUPEREGO - parte 4

 


Agora o Superego está instalado… mas não completo. O processo de adestramento que o formou vai continuar a construção dele, em um processo de “machine learning” semelhante ao usado pelas inteligências, tanto a artificial (I.A.) quanto a natural: aperfeiçoamento através de dados novos e correção dos antigos.

O seu princípio básico de funcionar com modelos inalcançáveis (“seja um santo; seja um gênio; seja fodão”) e antimodelos assustadores (“não erre; não seja ingrato; não tenha raiva de seus pais; não seja merda etc.”), e operá-los na base da chantagem (“senão… já sabe: desamparo”) e dos choques (vergonha, medo, angústia, culpa) já está instalado, e não se desinstalará nunca mais: mesmo que enfraqueça percentualmente, não chegará a zero.

- (Não é uma equação sem saída: as crianças podem absorver princípios éticos e de bom funcionamento através de virtudes ensinadas como vantagens para ela; mais tarde, o poder do Superego diminuirá, se aprendermos a ouvi-lo como algo em nós, e a discutir suas leis).

Mas ele ainda conta com um truque para se manter no poder: a naturalização. Assim como tiranos sugerem que eles são investidos pelos deuses para governar, que tudo sempre foi assim, que isso é “natural”, o Superego conta com nossa incapacidade de estranhamento: nenhuma criança que nasceu vendo tartarugas verdes andando pelo teto vai achar aquilo estranho. Elas simplesmente não têm como estranhar o Superego, muito menos questioná-lo. Ele passará despercebido… e como natural.

Não é seu único truque de manutenção da tirania. O outro é a sedução: “Confunda-se comigo e você será tão poderoso quanto eu!”, diz ele. “Faça com seu irmãozinho o que fizeram com você! Cause-lhe terror de desamparo!”

Mais tarde, em um outro ambiente em que o Superego costuma ser reforçado (a escola), a criança olhará o bully como um novo tirano poderoso, e ficará tentada a se identificar com ele, a fazer bullying com algum colega mais fraco.

É o “passa diante, senão vira elefante!”, uma brincadeira perversa dos meus tempos de escola: você levava um cascudo do colega da carteira de trás, e quando virava para reclamar, ele dizia a frase fatal. Naquela hora, sem saber, você estava seduzido para operar como Superego do colega em frente.

Sem saber, você estava se confundindo, por sedução, com seu próprio Superego!




COMOÇÃO CAUSADA PELO TITAN X INDIFERENÇA COM EMIGRANTES - O AMIGO PERGUNTA

 



COMOÇÃO CAUSADA PELO TITAN X INDIFERENÇA COM EMIGRANTES

De Renato Capper : “Como pode ser entendido o contraste entre as duas repercussões, Titan e naufrágio de emigrantes? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?”

Francisco Daudt: Para tentar entender isso, somam-se a psicanálise e a psicologia evolucionista:

1. Há processos de identificação envolvidos: é muito mais provável que as pessoas tenham se identificado com aventureiros curiosos (e fascinados com o Titanic, como enorme parcela dos que veem notícias) do que com criaturas desesperadas em fuga.

2. Há medos naturais tocados em nós (confinamento, escuridão, isolamento, e principalmente desamparo: ajuda impossível).

3. Há torcida e expectativa, há tensão e acompanhamento, há vontade de ver os vídeos produzidos, há portanto investimento de tempo e emoção.
Há personalização: em técnica de roteiros, isso se chama “plantar um cachorro”. O filme mostra por mais de dez segundos um cão que não é personagem central. A partir daí, há transferência afetiva para o cão, ele se torna um “amigo”, e vamos sofrer quando inevitavelmente ele vier a se machucar/perder/morrer.

4. Há o contraste de pessoas bem-sucedidas empreendendo uma aventura cara e o resultado trágico dessa aventura, algo parecido com o próprio desastre do Titanic; algo que nos diz baixinho, “não há garantias…”

5. Por fim, infelizmente, há a banalidade do mal. Por mecanismo de defesa, a tendência é que se veja a morte de uma população sofrida como se vê perdas em combate na Ucrânia: mais raiva pelas causas (uma abstração ideológica) que compaixão pelas pessoas (uma dor individual que provoca identificação, “e se fosse comigo?”).

De modo que, a rapidez em condenar os que ficaram mais abalados com o caso do Titan só está a serviço das demonstrações de superioridade moral e da patrulha ideológica dos ofendidos. Ela, infelizmente, não traz benefícios para os desvalidos. Só traz raiva contida, por causa do julgamento injusto.





EVOLUCIONISMO E SUPEREGO

 


EVOLUCIONISMO E SUPEREGO

“Em que a psicologia evolucionista te ajuda, na pesquisa psicanalítica?”

Francisco Daudt: A entender a origem e a força do Superego, principalmente.

Olha só a sequência: nosso cérebro é o maior que existe (na relação corpo/cérebro, claro). Portanto, nascemos prematuros (ou as mães morreriam de parto). Portanto, precisamos de amparo por anos. Portanto, nosso maior medo é o desamparo. Portanto, aprendemos bem cedo o que pode desagradar e agradar nossos pais.

É assim que o Superego se forma: segundo as leis de agrado/desagrado de nossos pais, e de nossos subsequentes amparadores.

Para piorar, nenhuma mãe dá conta sozinha de um bebê. Portanto, as mães também precisam de amparo. Portanto, nossa espécie cria e depende de laços sociais.

Está vendo o poder do Superego? Ele age sobre nós através da ameaça de desamparo, a mais terrível das ameaças.




DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE Capítulo 6º Neuroses

 


DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE Capítulo 6º Neuroses

Hipocondria

Ainda que descrita por Freud como neurose, a hipocondria me parece mais fronteiriça com os vícios. Também parece ser uma derivação frequente do perfil narcisista.

O nome hipocondria vem do grego, “doença de debaixo das costelas”, região do abdome onde gases retidos podem provocar pontadas e dores que, ainda que agudas, não têm gravidade… mas podem ser confundidas com males cardíacos, podem levantar suspeitas de algo sério, podem produzir obsessões sobre o estado de saúde de quem as têm.

É isso: uma doença baseada em suspeitas obsessivas de doença grave. Seu caráter narcisista diz respeito ao seu excessivo grau de auto-observação, de tempo investido em auto-exame, de atenção desmesurada sobre o próprio corpo e sobre o que pode atingi-lo.

A cultura familiar pode ser um fator de sua origem. Há famílias em que o zelo para prevenir doenças (evitar as friagens, o sereno, as correntes de ar, agasalhar-se bem, cobrir a cabeça, a obsessão com a alimentação saudável, os medos do que provocaria câncer etc.) se confunde com demonstração de afeto. Isso é uma presença frequente na história do hipocondríaco. Sim, há culturas hipocondríacas.

Novamente, será considerado doença pelos critérios percentuais de dano causado, de sequestro de energia, de incapacitação/restrição para investimentos prazerosos.

Nas formas graves, envolverá peregrinação a vários médicos - até achar aquele/s que endosse/m as suspeitas (incluindo o descarte/desconfiança dos que apontarem a hipocondria como sendo o verdadeiro problema); o acúmulo de remédios atuais e passados (parece que nenhum será jogado fora, a verdadeira farmácia de um acumulador); a via crucis de exames complementares, quanto mais caros e complicados, melhor; cirurgias desnecessárias (essas sim, trazendo risco de vida).

Molière, o dramaturgo francês do século XVII, fez uma caricatura da doença em sua peça “O doente imaginário”. Bem, mas os quadros mais graves não ficam muito distante do que retratou. Exceto que hoje, com a sofisticação tecnológica dos exames complementares e das cirurgias, a coisa só faz piorar.

Eis porque tendo a colocar a hipocondria na categoria de vício: ela consola e dá sentido compensatório a vidas frustradas, além de servir de base para outro vício: o vitimismo.

Combatê-la não é fácil, já que narcisistas dificilmente se reconhecem como parte do problema. E há outro fator de resistência: a/s doença/s imaginária/s lhes serve/m de álibi para não fazer mais nada e para requerer constante atenção dos outros.

Chama-se a isso “resistência do benefício secundário”: o ganho que ele tem com sua doença a faz mais preciosa ainda.





FINALMENTE! A REVOLUÇÃO DO ENSINO COMEÇOU!

 


Venho defendendo a ideia de transformar as escolas em espaços de aprendizagem de CONVIVÊNCIA CIVILIZADA E DEMOCRÁTICA, com leis e debates sobre isso, deixando o aprendizado de conteúdo nas mãos de TUTORES INDIVIDUALIZADOS de I.A..

Como se cada aluno contasse com um professor particular, em permanente avaliação de suas capacidades e interesses, com apenas um currículo básico como genérico, o mais seria no atendimento específico.

Essa é minha ambição, em termos de democracia: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES! Deste modo, um aluno de Quixeramobim teria tantas oportunidades de desenvolvimento quanto um aluno da Eleva, do Jorge Paulo Lemann.

Pois parte do meu sonho começa a se tornar realidade… em Harvard!






A PSICANÁLISE COMO PSEUDOCIÊNCIA - O AMIGO PERGUNTA

 


De Lucas Peccin: “Você viu que a Natália Pasternack inclui a psicanálise na lista das pseudociências? Isso me deixa indignado!”

Francisco Daudt: Lucas, não há porque brigar por isso, mesmo porque ela tem boa parcela de razão, e eu tenho muita admiração por ela.

Nós estamos fazendo algo de muito novo, e vamos conquistar nosso público com isso: a psicanálise como protociência, aspirante ao conhecimento verdadeiro, aderente ao método científico quando possível, humilde machine learning em processo, reconhecedora de seus limites e de sua ignorância, com vontade de saber, de investigar, sem dogmas nem interpretações irrefutáveis tiradas da cartola; o cliente é nossa bancada de testes: o que ele refutar será jogado fora.

A psicanálise precisa se tornar respeitável primeiramente para nós mesmos! O resto será consequência da nossa sinceridade.





SUPEREGO - ORIGEM E FUNCIONAMENTO - parte 3

 





O Superego está, portanto, ligado a raizes biológicas fortíssimas: nosso software de sobrevivência, nossos impulsos de autopreservação. Tudo isso através do medo do desamparo.

Eis porque o Superego age de forma dramática e com senso de urgência: nada é para depois; tudo é grave.

Eis porque o Superego age nos dando choques: horror; repulsa; vergonha; culpa; ridículo; angústia; fobias e pânicos.

Eis porque é difícil perceber seu conteúdo ideativo (a “argumentação” do Superego): ela não aparece; só aparecem o choque, o drama, o alarme. Todos eles exigindo reação imediata: arrependimento, fuga, luta, repulsa.

A maneira como o absorvemos é capaz de dar uma pista de seu conteúdo: são modelos impositivos (“você tem que ser assim!”) e antimodelos repulsivos (“tudo, menos ser assim!”).

Qualquer xingamento que cole (nos cause ofensa ou choque) para nós será um antimodelo do Superego: fraude, farsa, imundo; vagabundo; bagunceiro; preguiçoso; viado/bichona; puta/sem-vergonha, idiota etc., todos esses podendo ser resumidos num só: “você é um merda!”

A lista é infindável, mas ela cai naquela definição do pior palavrão do mundo: é aquele que nos atinge, pois pensamos que ele pode retratar nosso lado sinistro/oculto, nossa realidade envergonhada.

Mas como o Superego é blindado quanto a seus conteúdos - é um juiz que nunca faz uma acusação clara, da qual possamos nos defender -, acabamos por não entender bem porque aqueles adjetivos nos atingem tanto, só sabemos que ESTAMOS EM PERIGO DE DESAMPARO, e isso é grave.

É daí que vem a repressão. É daí que vêm aquelas que consideramos “nossas verdades ocultas”, nossos monstros no porão, nosso inconsciente reprimido, a parte chata do nosso Id (“Algo em mim é perigoso!”).

Já posso adiantar que, quando a psicanálise entende esse “porão”, em vez de aparecer um monstro imundo saindo de debaixo da cama, aparecem desejos legítimos misturados a uma mitologia do senso comum familiar, que os distorceu.

Dois grupos de desejo em especial são alvos dessa mitologia familiar: os sexuais e os de justiça.

Os sexuais dão “tesões inaceitáveis;

os de justiça dão “raivas inaceitáveis”.

Só isso. Trazidos à luz, pode-se finalmente discutir o que eles têm de valor, e o que, por direito, a pessoa pode ter deles.

Ou, como me disse um cliente: “Eu não quero ter que ser fodão, eu só quero ser bom! Eu não quero morrer de medo de ser um merda, eu só quero poder errar e depois corrigir, ser incompleto, ter fragilidades!”