segunda-feira, 17 de julho de 2023

EVOLUCIONISMO E SUPEREGO

 


EVOLUCIONISMO E SUPEREGO

“Em que a psicologia evolucionista te ajuda, na pesquisa psicanalítica?”

Francisco Daudt: A entender a origem e a força do Superego, principalmente.

Olha só a sequência: nosso cérebro é o maior que existe (na relação corpo/cérebro, claro). Portanto, nascemos prematuros (ou as mães morreriam de parto). Portanto, precisamos de amparo por anos. Portanto, nosso maior medo é o desamparo. Portanto, aprendemos bem cedo o que pode desagradar e agradar nossos pais.

É assim que o Superego se forma: segundo as leis de agrado/desagrado de nossos pais, e de nossos subsequentes amparadores.

Para piorar, nenhuma mãe dá conta sozinha de um bebê. Portanto, as mães também precisam de amparo. Portanto, nossa espécie cria e depende de laços sociais.

Está vendo o poder do Superego? Ele age sobre nós através da ameaça de desamparo, a mais terrível das ameaças.




DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE Capítulo 6º Neuroses

 


DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE Capítulo 6º Neuroses

Hipocondria

Ainda que descrita por Freud como neurose, a hipocondria me parece mais fronteiriça com os vícios. Também parece ser uma derivação frequente do perfil narcisista.

O nome hipocondria vem do grego, “doença de debaixo das costelas”, região do abdome onde gases retidos podem provocar pontadas e dores que, ainda que agudas, não têm gravidade… mas podem ser confundidas com males cardíacos, podem levantar suspeitas de algo sério, podem produzir obsessões sobre o estado de saúde de quem as têm.

É isso: uma doença baseada em suspeitas obsessivas de doença grave. Seu caráter narcisista diz respeito ao seu excessivo grau de auto-observação, de tempo investido em auto-exame, de atenção desmesurada sobre o próprio corpo e sobre o que pode atingi-lo.

A cultura familiar pode ser um fator de sua origem. Há famílias em que o zelo para prevenir doenças (evitar as friagens, o sereno, as correntes de ar, agasalhar-se bem, cobrir a cabeça, a obsessão com a alimentação saudável, os medos do que provocaria câncer etc.) se confunde com demonstração de afeto. Isso é uma presença frequente na história do hipocondríaco. Sim, há culturas hipocondríacas.

Novamente, será considerado doença pelos critérios percentuais de dano causado, de sequestro de energia, de incapacitação/restrição para investimentos prazerosos.

Nas formas graves, envolverá peregrinação a vários médicos - até achar aquele/s que endosse/m as suspeitas (incluindo o descarte/desconfiança dos que apontarem a hipocondria como sendo o verdadeiro problema); o acúmulo de remédios atuais e passados (parece que nenhum será jogado fora, a verdadeira farmácia de um acumulador); a via crucis de exames complementares, quanto mais caros e complicados, melhor; cirurgias desnecessárias (essas sim, trazendo risco de vida).

Molière, o dramaturgo francês do século XVII, fez uma caricatura da doença em sua peça “O doente imaginário”. Bem, mas os quadros mais graves não ficam muito distante do que retratou. Exceto que hoje, com a sofisticação tecnológica dos exames complementares e das cirurgias, a coisa só faz piorar.

Eis porque tendo a colocar a hipocondria na categoria de vício: ela consola e dá sentido compensatório a vidas frustradas, além de servir de base para outro vício: o vitimismo.

Combatê-la não é fácil, já que narcisistas dificilmente se reconhecem como parte do problema. E há outro fator de resistência: a/s doença/s imaginária/s lhes serve/m de álibi para não fazer mais nada e para requerer constante atenção dos outros.

Chama-se a isso “resistência do benefício secundário”: o ganho que ele tem com sua doença a faz mais preciosa ainda.





FINALMENTE! A REVOLUÇÃO DO ENSINO COMEÇOU!

 


Venho defendendo a ideia de transformar as escolas em espaços de aprendizagem de CONVIVÊNCIA CIVILIZADA E DEMOCRÁTICA, com leis e debates sobre isso, deixando o aprendizado de conteúdo nas mãos de TUTORES INDIVIDUALIZADOS de I.A..

Como se cada aluno contasse com um professor particular, em permanente avaliação de suas capacidades e interesses, com apenas um currículo básico como genérico, o mais seria no atendimento específico.

Essa é minha ambição, em termos de democracia: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES! Deste modo, um aluno de Quixeramobim teria tantas oportunidades de desenvolvimento quanto um aluno da Eleva, do Jorge Paulo Lemann.

Pois parte do meu sonho começa a se tornar realidade… em Harvard!






A PSICANÁLISE COMO PSEUDOCIÊNCIA - O AMIGO PERGUNTA

 


De Lucas Peccin: “Você viu que a Natália Pasternack inclui a psicanálise na lista das pseudociências? Isso me deixa indignado!”

Francisco Daudt: Lucas, não há porque brigar por isso, mesmo porque ela tem boa parcela de razão, e eu tenho muita admiração por ela.

Nós estamos fazendo algo de muito novo, e vamos conquistar nosso público com isso: a psicanálise como protociência, aspirante ao conhecimento verdadeiro, aderente ao método científico quando possível, humilde machine learning em processo, reconhecedora de seus limites e de sua ignorância, com vontade de saber, de investigar, sem dogmas nem interpretações irrefutáveis tiradas da cartola; o cliente é nossa bancada de testes: o que ele refutar será jogado fora.

A psicanálise precisa se tornar respeitável primeiramente para nós mesmos! O resto será consequência da nossa sinceridade.





SUPEREGO - ORIGEM E FUNCIONAMENTO - parte 3

 





O Superego está, portanto, ligado a raizes biológicas fortíssimas: nosso software de sobrevivência, nossos impulsos de autopreservação. Tudo isso através do medo do desamparo.

Eis porque o Superego age de forma dramática e com senso de urgência: nada é para depois; tudo é grave.

Eis porque o Superego age nos dando choques: horror; repulsa; vergonha; culpa; ridículo; angústia; fobias e pânicos.

Eis porque é difícil perceber seu conteúdo ideativo (a “argumentação” do Superego): ela não aparece; só aparecem o choque, o drama, o alarme. Todos eles exigindo reação imediata: arrependimento, fuga, luta, repulsa.

A maneira como o absorvemos é capaz de dar uma pista de seu conteúdo: são modelos impositivos (“você tem que ser assim!”) e antimodelos repulsivos (“tudo, menos ser assim!”).

Qualquer xingamento que cole (nos cause ofensa ou choque) para nós será um antimodelo do Superego: fraude, farsa, imundo; vagabundo; bagunceiro; preguiçoso; viado/bichona; puta/sem-vergonha, idiota etc., todos esses podendo ser resumidos num só: “você é um merda!”

A lista é infindável, mas ela cai naquela definição do pior palavrão do mundo: é aquele que nos atinge, pois pensamos que ele pode retratar nosso lado sinistro/oculto, nossa realidade envergonhada.

Mas como o Superego é blindado quanto a seus conteúdos - é um juiz que nunca faz uma acusação clara, da qual possamos nos defender -, acabamos por não entender bem porque aqueles adjetivos nos atingem tanto, só sabemos que ESTAMOS EM PERIGO DE DESAMPARO, e isso é grave.

É daí que vem a repressão. É daí que vêm aquelas que consideramos “nossas verdades ocultas”, nossos monstros no porão, nosso inconsciente reprimido, a parte chata do nosso Id (“Algo em mim é perigoso!”).

Já posso adiantar que, quando a psicanálise entende esse “porão”, em vez de aparecer um monstro imundo saindo de debaixo da cama, aparecem desejos legítimos misturados a uma mitologia do senso comum familiar, que os distorceu.

Dois grupos de desejo em especial são alvos dessa mitologia familiar: os sexuais e os de justiça.

Os sexuais dão “tesões inaceitáveis;

os de justiça dão “raivas inaceitáveis”.

Só isso. Trazidos à luz, pode-se finalmente discutir o que eles têm de valor, e o que, por direito, a pessoa pode ter deles.

Ou, como me disse um cliente: “Eu não quero ter que ser fodão, eu só quero ser bom! Eu não quero morrer de medo de ser um merda, eu só quero poder errar e depois corrigir, ser incompleto, ter fragilidades!”






DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE 6º capítulo - Neuroses 3

 


DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE 6º capítulo - Neuroses 3

Neurose histérica

Ela é resultado da repressão do desejo sexual, que o Superego da pessoa considera como algo degradado, através de dois antimodelos: a puta, para o desejo hétero das mulheres; e o viado, para o desejo homoerótico dos homens.

Desse modo, quando o desejo surge, o Superego acusa, a angústia aparece. É a hora de entrar a repressão, como mecanismo de defesa.

A repressão, como vimos, desaparece com a consciência do desejo e a substitui por algo irreconhecível. No caso da histeria, o substituto é alguma anomalia corporal: a cegueira, a paralisia, o desmaio etc. Sempre corporal, sempre referido ao desejo inicial, sempre de início súbito, relacionado com o momento em que o desejo proibido foi despertado.

A partir dali, o problema estava deslocado: não era mais uma questão de desejo, e sim de saúde corporal. Não há mais angústia: há sintoma.

Na primeira vez em que Freud pôde entender o conteúdo do sintoma histérico, a paciente (Anna O.) estava com uma paralisia do braço que a mantinha com a mão estendida.

Pela hipnose (feita por Joseph Breuer), puderam saber que ela havia visto o pênis do pai pelo pijama entreaberto, e desejado estender a mão para tocá-lo. Foi quando a paralisia se deu… mas manteve a mão estendida: uma espécie de solução de compromisso entre o desejo e sua proibição.

Como ela é resultado da repressão do desejo sexual, e os costumes mudaram, a histeria está ficando cada vez mais rara. O último cliente que entrou com sintoma histérico no meu consultório foi há mais de 30 anos, e o desejo em questão era homoerótico pedófilo. Ele virou a cabeça para observar a bundinha de um menino de doze anos na piscina, e na mesma hora se instalou um torcicolo severo. Entrou na sessão usando um colar de Minerva para imobilização da cervical.

A investigação descobriu o que descrevi acima, discutimos seu direito ao desejo, a diferença entre pensar (não causa dano a ninguém) e agir, pusemos em questão a tirania das leis de seu Superego, e… ele retirou o colar, curado do torcicolo: uma daquelas curas, dramáticas e clássicas, da histeria.

Mas no século XIX, quando Freud a descreveu, a coisa era tão comum que havia até a personalidade histérica: a mulher (majoritariamente) hipersedutora, jogando charme sem parar, até que o homem tomasse um passo adiante. Nessa hora, ela, escandalizada, dizia: “Mas o que você está pensando? Não é nada disso, eu não sou dessas, eu só estava sendo simpática!”

Ou seja, ela foi levada por seu Superego a encontrar um jeito de dizer que são os outros os erotizados, que ela não tinha desejo nenhum. Um mecanismo de defesa chamado “projeção”, uma espécie de terceirização do crime.

Novamente, hoje em dia ainda é possível se encontrar comportamentos histéricos, mas em homens, que são levados a terceirizar seus desejos homoeróticos: altamente sedutores de outros homens, até que alguém lhes dê uma cantada. Reagirão com escândalo… ou mesmo violência.







SÓFOCLES, O PSICANALISTA QUE CUROU ÉDIPO DE SEU COMPLEXO

 


Adoro a orelhada como método de aprendizado. Olha só o que o Flavio de Campos me contou, e eu não sabia:

“Estou traduzindo 'Édipo em Colono', última peça que Sófocles escreveu. Nela, temos um Édipo que superou a culpa e argumenta que tudo o que fez, fez sem saber o que estava fazendo - matou o pai sem saber que era o pai dele, casou com a mãe sem saber que ela era mãe dele. Em 'Édipo em Colono', Édipo tb diz que ter cegado a si mesmo foi uma hubris, uma desmesura das emoções.”

Ou seja, Sófocles percebeu a injustiça do complexo de Édipo (literalmente), e escreveu uma peça, corrigindo-a!

É exatamente o que um psicanalista tem como missão de consultório: investigar a história de seu cliente para entender as crenças infantis que lhe foram injustamente metidas na cabeça, e que o torturam pela vida afora, e assim libertá-lo delas, fazer justiça.