DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE Capítulo 6º Neuroses
Hipocondria
Ainda que descrita por Freud como neurose, a hipocondria me parece mais fronteiriça com os vícios. Também parece ser uma derivação frequente do perfil narcisista.
O nome hipocondria vem do grego, “doença de debaixo das costelas”, região do abdome onde gases retidos podem provocar pontadas e dores que, ainda que agudas, não têm gravidade… mas podem ser confundidas com males cardíacos, podem levantar suspeitas de algo sério, podem produzir obsessões sobre o estado de saúde de quem as têm.
É isso: uma doença baseada em suspeitas obsessivas de doença grave. Seu caráter narcisista diz respeito ao seu excessivo grau de auto-observação, de tempo investido em auto-exame, de atenção desmesurada sobre o próprio corpo e sobre o que pode atingi-lo.
A cultura familiar pode ser um fator de sua origem. Há famílias em que o zelo para prevenir doenças (evitar as friagens, o sereno, as correntes de ar, agasalhar-se bem, cobrir a cabeça, a obsessão com a alimentação saudável, os medos do que provocaria câncer etc.) se confunde com demonstração de afeto. Isso é uma presença frequente na história do hipocondríaco. Sim, há culturas hipocondríacas.
Novamente, será considerado doença pelos critérios percentuais de dano causado, de sequestro de energia, de incapacitação/restrição para investimentos prazerosos.
Nas formas graves, envolverá peregrinação a vários médicos - até achar aquele/s que endosse/m as suspeitas (incluindo o descarte/desconfiança dos que apontarem a hipocondria como sendo o verdadeiro problema); o acúmulo de remédios atuais e passados (parece que nenhum será jogado fora, a verdadeira farmácia de um acumulador); a via crucis de exames complementares, quanto mais caros e complicados, melhor; cirurgias desnecessárias (essas sim, trazendo risco de vida).
Molière, o dramaturgo francês do século XVII, fez uma caricatura da doença em sua peça “O doente imaginário”. Bem, mas os quadros mais graves não ficam muito distante do que retratou. Exceto que hoje, com a sofisticação tecnológica dos exames complementares e das cirurgias, a coisa só faz piorar.
Eis porque tendo a colocar a hipocondria na categoria de vício: ela consola e dá sentido compensatório a vidas frustradas, além de servir de base para outro vício: o vitimismo.
Combatê-la não é fácil, já que narcisistas dificilmente se reconhecem como parte do problema. E há outro fator de resistência: a/s doença/s imaginária/s lhes serve/m de álibi para não fazer mais nada e para requerer constante atenção dos outros.
Chama-se a isso “resistência do benefício secundário”: o ganho que ele tem com sua doença a faz mais preciosa ainda.