O Superego está, portanto, ligado a raizes biológicas fortíssimas: nosso software de sobrevivência, nossos impulsos de autopreservação. Tudo isso através do medo do desamparo.
Eis porque o Superego age de forma dramática e com senso de urgência: nada é para depois; tudo é grave.
Eis porque o Superego age nos dando choques: horror; repulsa; vergonha; culpa; ridículo; angústia; fobias e pânicos.
Eis porque é difícil perceber seu conteúdo ideativo (a “argumentação” do Superego): ela não aparece; só aparecem o choque, o drama, o alarme. Todos eles exigindo reação imediata: arrependimento, fuga, luta, repulsa.
A maneira como o absorvemos é capaz de dar uma pista de seu conteúdo: são modelos impositivos (“você tem que ser assim!”) e antimodelos repulsivos (“tudo, menos ser assim!”).
Qualquer xingamento que cole (nos cause ofensa ou choque) para nós será um antimodelo do Superego: fraude, farsa, imundo; vagabundo; bagunceiro; preguiçoso; viado/bichona; puta/sem-vergonha, idiota etc., todos esses podendo ser resumidos num só: “você é um merda!”
A lista é infindável, mas ela cai naquela definição do pior palavrão do mundo: é aquele que nos atinge, pois pensamos que ele pode retratar nosso lado sinistro/oculto, nossa realidade envergonhada.
Mas como o Superego é blindado quanto a seus conteúdos - é um juiz que nunca faz uma acusação clara, da qual possamos nos defender -, acabamos por não entender bem porque aqueles adjetivos nos atingem tanto, só sabemos que ESTAMOS EM PERIGO DE DESAMPARO, e isso é grave.
É daí que vem a repressão. É daí que vêm aquelas que consideramos “nossas verdades ocultas”, nossos monstros no porão, nosso inconsciente reprimido, a parte chata do nosso Id (“Algo em mim é perigoso!”).
Já posso adiantar que, quando a psicanálise entende esse “porão”, em vez de aparecer um monstro imundo saindo de debaixo da cama, aparecem desejos legítimos misturados a uma mitologia do senso comum familiar, que os distorceu.
Dois grupos de desejo em especial são alvos dessa mitologia familiar: os sexuais e os de justiça.
Os sexuais dão “tesões inaceitáveis;
os de justiça dão “raivas inaceitáveis”.
Só isso. Trazidos à luz, pode-se finalmente discutir o que eles têm de valor, e o que, por direito, a pessoa pode ter deles.
Ou, como me disse um cliente: “Eu não quero ter que ser fodão, eu só quero ser bom! Eu não quero morrer de medo de ser um merda, eu só quero poder errar e depois corrigir, ser incompleto, ter fragilidades!”