Depois de muito debate interno e de muita reflexão, concluí que a saúde psíquica tem várias faces, tem a singularidade e a complexidade humanas, portanto é difícil desenhá-la com um perfil em comum, exceto pela baixa quantidade de doenças.
Eu pensava em diagnosticar saúde psíquica através de três parâmetros percentuais. Quanto mais próximos de 100% (taxa ideal e inatingível) eles estivessem, mais saúde haveria:
1. Independência (sustento próprio) e autonomia (poder mandar na própria vida); isso inclui baixo custo emocional para se sentir amparado na vida.
2. Conhecimento dos próprios desejos;
3. Capacidade de criar circunstâncias favoráveis (habilidade de negociação com o mundo) para a realização desses desejos.
Mas essa abordagem implica uma certa imposição de um ideal de liberdade, e isso me criou dificuldades a usá-lo, pois sou avesso a qualquer imposição.
Por exemplo: uma pessoa tem na fé religiosa sua principal fonte de amparo. Isso supõe um arco de possibilidades que vão desde a tranquila ideia da crença num ser protetor (“entrego nas mãos de deus o que não posso controlar, e ele cuidará de mim”), a uma vassalagem que lhe rouba a vida, para que seu grupo religioso a ampare.
Ou seja, há fés mais saudáveis e fés mais doentes. A variável seria: o quanto te custa o amparo da fé? Quanto menos custoso, mais saúde, e vice-versa.
Portanto, a pergunta sobre a saúde passa a ser sobre o preço do amparo: o quanto te custa sentir-se bem? Qual é o preço do pedágio que você paga, para levar sua vida em paz?
O pedágio de preço mais alto é o da doença: as doenças psíquicas são mecanismos de defesa contra a angústia de desamparo, que roubam terreno da pessoa; que lhe roubam vida; que resultam de suas condições históricas - desde a infância - de negociação com o mundo. Se elas foram muito desfavoráveis, a tendência é que você não consiga alterá-las, mesmo depois de adulto: inconscientemente, você as repete.
E ainda há as condições de hardware, as limitações psíquicas que não vêm do desamparo, mas de condições genéticas, como o espectro autista, a tendência depressiva, o Distúrbio de Déficit de Atenção/hiperatividade (DDAH), os gatilhos psicóticos e a psicopatia, e possivelmente o narcisismo herdado.
De modo que voltei a considerar a ausência percentual de doença psíquica como um parâmetro mais confiável de avaliação de saúde. Ela mostra o quanto se está pagando para ter-se um certo equilíbrio.
O que me faz lembrar, com certa dose de autoironia, do axioma do Barão de Itararé: “Nada pior para a saúde do que a doença”…