domingo, 19 de março de 2023

AVALIAÇÃO DE SAÚDE PSÍQUICA/EMOCIONAL

 



Depois de muito debate interno e de muita reflexão, concluí que a saúde psíquica tem várias faces, tem a singularidade e a complexidade humanas, portanto é difícil desenhá-la com um perfil em comum, exceto pela baixa quantidade de doenças.

Eu pensava em diagnosticar saúde psíquica através de três parâmetros percentuais. Quanto mais próximos de 100% (taxa ideal e inatingível) eles estivessem, mais saúde haveria:

1. Independência (sustento próprio) e autonomia (poder mandar na própria vida); isso inclui baixo custo emocional para se sentir amparado na vida.

2. Conhecimento dos próprios desejos;

3. Capacidade de criar circunstâncias favoráveis (habilidade de negociação com o mundo) para a realização desses desejos.

Mas essa abordagem implica uma certa imposição de um ideal de liberdade, e isso me criou dificuldades a usá-lo, pois sou avesso a qualquer imposição.

Por exemplo: uma pessoa tem na fé religiosa sua principal fonte de amparo. Isso supõe um arco de possibilidades que vão desde a tranquila ideia da crença num ser protetor (“entrego nas mãos de deus o que não posso controlar, e ele cuidará de mim”), a uma vassalagem que lhe rouba a vida, para que seu grupo religioso a ampare.

Ou seja, há fés mais saudáveis e fés mais doentes. A variável seria: o quanto te custa o amparo da fé? Quanto menos custoso, mais saúde, e vice-versa.

Portanto, a pergunta sobre a saúde passa a ser sobre o preço do amparo: o quanto te custa sentir-se bem? Qual é o preço do pedágio que você paga, para levar sua vida em paz?

O pedágio de preço mais alto é o da doença: as doenças psíquicas são mecanismos de defesa contra a angústia de desamparo, que roubam terreno da pessoa; que lhe roubam vida; que resultam de suas condições históricas - desde a infância - de negociação com o mundo. Se elas foram muito desfavoráveis, a tendência é que você não consiga alterá-las, mesmo depois de adulto: inconscientemente, você as repete.

E ainda há as condições de hardware, as limitações psíquicas que não vêm do desamparo, mas de condições genéticas, como o espectro autista, a tendência depressiva, o Distúrbio de Déficit de Atenção/hiperatividade (DDAH), os gatilhos psicóticos e a psicopatia, e possivelmente o narcisismo herdado.

De modo que voltei a considerar a ausência percentual de doença psíquica como um parâmetro mais confiável de avaliação de saúde. Ela mostra o quanto se está pagando para ter-se um certo equilíbrio.

O que me faz lembrar, com certa dose de autoironia, do axioma do Barão de Itararé: “Nada pior para a saúde do que a doença”…


O CÔMICO, SEGUNDO FREUD E ARIANO SUASSUNA - O AMIGO PERGUNTA

 


De Claudio Kuyven: “Ariano Suassuna conta uma história e fala da visão de Freud sobre o cômico. Isso é verdade mesmo? Freud disse isso?”

Francisco Daudt: Em seu artigo “O chiste e sua relação com o inconsciente”, Freud considera dois tipos de humor assim relacionados: a piada com intenção sádica e a com intenção sexual. Ambas usam da sutileza para melhor lograr seu intento.

O obsceno, de que fala Suassuna, seria o chiste sexual intencionado. O do exemplo dele não é o sexual, é o sádico: sutilmente, o profeta chamou seu desafeto de filho da puta. A “obscenidade” seria chamá-lo assim com todas as letras, mas aí não teria efeito cômico, não suavizaria o Superego.

Os exemplos de Freud são preciosos: no de chiste hostil, conta que Napoleão deu um baile em Roma para comemorar a conquista da Itália. Dançando com uma italiana, perguntou-lhe rudemente em francês se todas as italianas dançavam mal assim. Ela lhe respondeu em italiano: “No, ma buona parte!” Como Napoleão era de origem corsa, e a Córsega era parte da Itália, ela aludia então a sua origem, usando seu nome em italiano.

O chiste sexual foi feito por um comprador de roupa feminina, que se encantou com a vendedora. Esta mostrou-lhe o vestido que usava como uma possibilidade de compra. Ele lhe respondeu: “O vestido é lindo, mas gostaria de vê-lo em minhas mãos”.

Em ambos os casos, a resposta foi um sorriso de apreciação, meio caminho andado para a aceitação do insulto… e do flerte.


RESTOS VITAIS

 



O luto de gente viva costuma acontecer como efeito dos rompimentos amorosos, amizades que terminam, parentes que se afastam, fins sempre um tanto incertos se comparados ao luto da morte, em que você vê o defunto.

Mesmo nos da morte, se ela não foi constatada (como no caso dos desaparecidos, vide as Mães da Praça de Maio), a incerteza assombra, a esperança atormenta e não dá o descanso da paz.

Esperança, esse é o nome do perturbador que prolonga o luto: um vaivém de dor e alento que pode se estender por anos.

O mesmo ocorre em relação a parentes afetados por Alzheimer e outras demências. Flashes de lucidez, ainda que fugazes e decrescentes, dão a impressão de que a pessoa ainda está ali. Dão esperança… e dor. E também podem fazer o luto se arrastar por anos.

Recentemente, um outro grupo que produz o mesmo efeito me chamou a atenção: os que vão sumindo, morrendo como pessoas, dominados pelos vícios.

Claro, os viciados em crack são a caricatura dessa situação. Mas alcoólatras e - incrível - sadomasoquistas fodão/merda (vícios associados são comuns) também podem ir sumindo como pessoas, devorados por sua doença incurável.

Incurável? A esperança diz reiteradamente que não, que eles têm chances de sair dali. Há neles também flashes de identidade, volta e meia parece que a pessoa ainda está lá. É assim que o luto se arrasta, numa curva declinante que parece infindável.

E não há o que fazer senão manter essa conversa interna, dar-lhes o apoio possível… mais para se ter a sensação de que tudo que era possível foi feito, e assim evitar o sentimento de culpa pelo abandono.




PORCHAT: UM BOM EXEMPLO DE SENSO INCOMUM

 



Ele pensou bem, e… decidiu que não quer ter filhos.

Havia um casal de parentes na minha infância, Cássio e Helena, que era acusado de egoísmo, pois decidiram viver em lua-de-mel e nunca ter filhos. Hoje penso que, mais que criticados, eram invejados.

As famílias eram grandes, “aceitareis os filhos que Deus lhes der”, os padres se interessavam pelo grande número de “fiéis”; os pais não discutiam, entravam na linha de montagem sem questionar seus desejos e/ou competências para a tarefa.

A humanidade tem 7,3 bilhões de pessoas. Gente não é artigo em falta. Ter filhos contra a vontade não ajuda na educação deles. Porchat nos faz um bem por afirmar um direito incomum de indivíduo.





terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

PSICANÁLISE X ARTE

 



UMA AVENTURA NA ABSTRAÇÃO (usando o App Zen Brush):
“Um elefante no meio do temporal”.

A arte e a poesia permitem viagens pessoais na maionese, interpretações que não se pretendem "verdadeiras", feitas apenas para o deleite de quem as contempla.

A psicanálise, não. A psicanálise se debruça sobre o universo psíquico de alguém que sofre. Ela precisa estar comprometida com a busca do entendimento verdadeiro.

É esta a origem da palavra: psíco = mente, + análise = decompor em partes para entender.






ALCOÓLICOS ANÔNIMOS VIA INTERNET: UM BOM FRUTO DA COVID

 



Dois empecilhos ao sucesso dos Alcoólicos Anônimos: o rótulo e a presença na reunião. São ambos agravantes vindos do Superego: “eu só bebo socialmente, eu não sou um merda de um alcoólatra, nem estou indo a uma reunião de merdas”.

Pois as reuniões se dão, depois da Covid, remotamente. Ainda as há presenciais, mas hoje tem-se essa opção. Isso reduziu a resistência do Superego ao tratamento. Ou seja, o anonimato - que já era um facilitador - se tornou maior ainda. Com a vantagem de você poder ser um visitante, experimentar sem participar. Deixar para decidir depois de ter olhado debaixo da cama, e descoberto que o bicho-papão não estava lá.

A principal ferramenta anti-Superego continua lá: o acolhimento afetivo de gente embarcada na mesma luta, ninguém é melhor que ninguém, todos se apoiam mutuamente, todos querem o bem de todos e de cada um.

Os AA têm sido uma ferramenta coadjuvante muito valiosa para o meu trabalho. (Link abaixo).


A senha do on-line é 000 000.



ENTREVISTA EM PSICANÁLISE: AVALIAÇÕES PERCENTUAIS - O AMIGO PERGUNTA

 


“O que você faz, na entrevista com um novo possível cliente?”

Francisco Daudt: Tudo o que servir para o principal propósito da psicanálise que faço: a cura das doenças psíquicas e o aumento do percentual de saúde, para que ele tenha mais chances de buscar felicidade.

Psicanálise é diagnóstico. Quero fazer diagnósticos percentuais, de sua saúde e de suas doenças. A saúde é avaliada sabendo se a pessoa é independente, autônoma, manda em sua vida, faz o que gosta, é capaz de amar e ser amada, de gostar e ser gostada, capacidade de pensar de maneira reflexiva, de ver problemas em si, de ver seus limites, de conhecer seus desejos, e finalmente se se sente amparada em termos afetivos.

Imagine-se respondendo de zero a dez a cada um desses ítens, e você terá um percentual aproximado da saúde que o cliente tem. Seu índice de saúde vai ser crucial para saber como lidar com suas doenças.

Só depois eu vou pensar em suas doenças e que percentuais elas ocupam na vida do cliente. Seu perfil, de zero a dez, é obsessivo, é narcisista?; tem vícios de substâncias, comportamentais, tem sintomas neuróticos, fobias, pânicos? Distúrbios psiquiátricos, DDAH, etc.?

Tudo de zero a dez.

Isso não se dá como se fosse uma entrevista com formulários a preencher, a coisa acontece como uma conversa gentil e atenta, de alguém que está profundamente interessado no outro. Essas cláusulas estão na minha cabeça, e eu as apresento num contexto em que elas se mostram pertinentes, dando espaço para que o cliente fale de si como quiser (o que me faz aprender sobre ele).

Finalmente, apresento-lhe o que está ao meu alcance fazer por ele, e como proponho que isso seja feito, frequência semanal (raramente mais que uma), horários (a sessão começa na hora certa, e termina 50 minutos depois), preço, formas de pagamento: é a parte do contrato claro, pois clareza e transparência servem ao cliente: nada, no meu trabalho, será misterioso ou obscuro, pois essas coisas servem ao Superego, e não ao cliente.

Como não cobro pela entrevista, pois a considero como um test-drive, ele me dirá se está dentro ou não. Se estiver dentro, a entrevista lhe será cobrada, pois no preço do carro está incluído o custo do test-drive.