domingo, 19 de março de 2023

O CÔMICO, SEGUNDO FREUD E ARIANO SUASSUNA - O AMIGO PERGUNTA

 


De Claudio Kuyven: “Ariano Suassuna conta uma história e fala da visão de Freud sobre o cômico. Isso é verdade mesmo? Freud disse isso?”

Francisco Daudt: Em seu artigo “O chiste e sua relação com o inconsciente”, Freud considera dois tipos de humor assim relacionados: a piada com intenção sádica e a com intenção sexual. Ambas usam da sutileza para melhor lograr seu intento.

O obsceno, de que fala Suassuna, seria o chiste sexual intencionado. O do exemplo dele não é o sexual, é o sádico: sutilmente, o profeta chamou seu desafeto de filho da puta. A “obscenidade” seria chamá-lo assim com todas as letras, mas aí não teria efeito cômico, não suavizaria o Superego.

Os exemplos de Freud são preciosos: no de chiste hostil, conta que Napoleão deu um baile em Roma para comemorar a conquista da Itália. Dançando com uma italiana, perguntou-lhe rudemente em francês se todas as italianas dançavam mal assim. Ela lhe respondeu em italiano: “No, ma buona parte!” Como Napoleão era de origem corsa, e a Córsega era parte da Itália, ela aludia então a sua origem, usando seu nome em italiano.

O chiste sexual foi feito por um comprador de roupa feminina, que se encantou com a vendedora. Esta mostrou-lhe o vestido que usava como uma possibilidade de compra. Ele lhe respondeu: “O vestido é lindo, mas gostaria de vê-lo em minhas mãos”.

Em ambos os casos, a resposta foi um sorriso de apreciação, meio caminho andado para a aceitação do insulto… e do flerte.


RESTOS VITAIS

 



O luto de gente viva costuma acontecer como efeito dos rompimentos amorosos, amizades que terminam, parentes que se afastam, fins sempre um tanto incertos se comparados ao luto da morte, em que você vê o defunto.

Mesmo nos da morte, se ela não foi constatada (como no caso dos desaparecidos, vide as Mães da Praça de Maio), a incerteza assombra, a esperança atormenta e não dá o descanso da paz.

Esperança, esse é o nome do perturbador que prolonga o luto: um vaivém de dor e alento que pode se estender por anos.

O mesmo ocorre em relação a parentes afetados por Alzheimer e outras demências. Flashes de lucidez, ainda que fugazes e decrescentes, dão a impressão de que a pessoa ainda está ali. Dão esperança… e dor. E também podem fazer o luto se arrastar por anos.

Recentemente, um outro grupo que produz o mesmo efeito me chamou a atenção: os que vão sumindo, morrendo como pessoas, dominados pelos vícios.

Claro, os viciados em crack são a caricatura dessa situação. Mas alcoólatras e - incrível - sadomasoquistas fodão/merda (vícios associados são comuns) também podem ir sumindo como pessoas, devorados por sua doença incurável.

Incurável? A esperança diz reiteradamente que não, que eles têm chances de sair dali. Há neles também flashes de identidade, volta e meia parece que a pessoa ainda está lá. É assim que o luto se arrasta, numa curva declinante que parece infindável.

E não há o que fazer senão manter essa conversa interna, dar-lhes o apoio possível… mais para se ter a sensação de que tudo que era possível foi feito, e assim evitar o sentimento de culpa pelo abandono.




PORCHAT: UM BOM EXEMPLO DE SENSO INCOMUM

 



Ele pensou bem, e… decidiu que não quer ter filhos.

Havia um casal de parentes na minha infância, Cássio e Helena, que era acusado de egoísmo, pois decidiram viver em lua-de-mel e nunca ter filhos. Hoje penso que, mais que criticados, eram invejados.

As famílias eram grandes, “aceitareis os filhos que Deus lhes der”, os padres se interessavam pelo grande número de “fiéis”; os pais não discutiam, entravam na linha de montagem sem questionar seus desejos e/ou competências para a tarefa.

A humanidade tem 7,3 bilhões de pessoas. Gente não é artigo em falta. Ter filhos contra a vontade não ajuda na educação deles. Porchat nos faz um bem por afirmar um direito incomum de indivíduo.





terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

PSICANÁLISE X ARTE

 



UMA AVENTURA NA ABSTRAÇÃO (usando o App Zen Brush):
“Um elefante no meio do temporal”.

A arte e a poesia permitem viagens pessoais na maionese, interpretações que não se pretendem "verdadeiras", feitas apenas para o deleite de quem as contempla.

A psicanálise, não. A psicanálise se debruça sobre o universo psíquico de alguém que sofre. Ela precisa estar comprometida com a busca do entendimento verdadeiro.

É esta a origem da palavra: psíco = mente, + análise = decompor em partes para entender.






ALCOÓLICOS ANÔNIMOS VIA INTERNET: UM BOM FRUTO DA COVID

 



Dois empecilhos ao sucesso dos Alcoólicos Anônimos: o rótulo e a presença na reunião. São ambos agravantes vindos do Superego: “eu só bebo socialmente, eu não sou um merda de um alcoólatra, nem estou indo a uma reunião de merdas”.

Pois as reuniões se dão, depois da Covid, remotamente. Ainda as há presenciais, mas hoje tem-se essa opção. Isso reduziu a resistência do Superego ao tratamento. Ou seja, o anonimato - que já era um facilitador - se tornou maior ainda. Com a vantagem de você poder ser um visitante, experimentar sem participar. Deixar para decidir depois de ter olhado debaixo da cama, e descoberto que o bicho-papão não estava lá.

A principal ferramenta anti-Superego continua lá: o acolhimento afetivo de gente embarcada na mesma luta, ninguém é melhor que ninguém, todos se apoiam mutuamente, todos querem o bem de todos e de cada um.

Os AA têm sido uma ferramenta coadjuvante muito valiosa para o meu trabalho. (Link abaixo).


A senha do on-line é 000 000.



ENTREVISTA EM PSICANÁLISE: AVALIAÇÕES PERCENTUAIS - O AMIGO PERGUNTA

 


“O que você faz, na entrevista com um novo possível cliente?”

Francisco Daudt: Tudo o que servir para o principal propósito da psicanálise que faço: a cura das doenças psíquicas e o aumento do percentual de saúde, para que ele tenha mais chances de buscar felicidade.

Psicanálise é diagnóstico. Quero fazer diagnósticos percentuais, de sua saúde e de suas doenças. A saúde é avaliada sabendo se a pessoa é independente, autônoma, manda em sua vida, faz o que gosta, é capaz de amar e ser amada, de gostar e ser gostada, capacidade de pensar de maneira reflexiva, de ver problemas em si, de ver seus limites, de conhecer seus desejos, e finalmente se se sente amparada em termos afetivos.

Imagine-se respondendo de zero a dez a cada um desses ítens, e você terá um percentual aproximado da saúde que o cliente tem. Seu índice de saúde vai ser crucial para saber como lidar com suas doenças.

Só depois eu vou pensar em suas doenças e que percentuais elas ocupam na vida do cliente. Seu perfil, de zero a dez, é obsessivo, é narcisista?; tem vícios de substâncias, comportamentais, tem sintomas neuróticos, fobias, pânicos? Distúrbios psiquiátricos, DDAH, etc.?

Tudo de zero a dez.

Isso não se dá como se fosse uma entrevista com formulários a preencher, a coisa acontece como uma conversa gentil e atenta, de alguém que está profundamente interessado no outro. Essas cláusulas estão na minha cabeça, e eu as apresento num contexto em que elas se mostram pertinentes, dando espaço para que o cliente fale de si como quiser (o que me faz aprender sobre ele).

Finalmente, apresento-lhe o que está ao meu alcance fazer por ele, e como proponho que isso seja feito, frequência semanal (raramente mais que uma), horários (a sessão começa na hora certa, e termina 50 minutos depois), preço, formas de pagamento: é a parte do contrato claro, pois clareza e transparência servem ao cliente: nada, no meu trabalho, será misterioso ou obscuro, pois essas coisas servem ao Superego, e não ao cliente.

Como não cobro pela entrevista, pois a considero como um test-drive, ele me dirá se está dentro ou não. Se estiver dentro, a entrevista lhe será cobrada, pois no preço do carro está incluído o custo do test-drive.




PSICANÁLISE: A QUEM SE DESTINA? (O AMIGO PERGUNTA)

 



M. Cristina Ribeiro: “Dúvida: a psicanálise é só para quem sofre?”

Francisco Daudt: É, eu suponho que seja esse o principal motivo para alguém procurar a psicanálise clínica e pagar caro por suas sessões. Dizem que há também o autoconhecimento como motivação, mas, sem sofrimento? Não sei… sinceramente, eu não me interesso muito pelas razões que me fazem gostar de sorvete de pitanga.

Mas a psicanálise não acontece só nos consultórios. O interesse nela como corpo teórico, como instrumento de saber como a mente funciona, também é um grande motivador para seu aprendizado.

Mesmo porque a psicanálise tem duas faces: a pessoal e a social. A face social da psicanálise serve a inúmeros propósitos, desde o científico até metas úteis, como a educação dos filhos, a avaliação da própria saúde psíquica, a maneira de distingui-la de suas doenças, o aprendizado da complexidade humana, os vícios comportamentais presentes na sociedade e na política, o entendimento dos próprios desejos…

Por fim, pessoas curiosas que se debruçam sobre a teoria psicanalítica, sem terem que “se submeter” a uma análise (odeio essa expressão!), são muito bem-vindas, pois podem contribuir criticamente para a epistemologia psicanalítica: vale dizer, para a busca de uma teoria da mente humana que seja mais próxima do verdadeiro.

Adoro críticas e questionamentos sobre a psicanálise. Meu farol-guia sempre foi a proposta de Karl Popper (o terceiro na foto, ao lado de Darwin): faça sua teoria clara e vulnerável à refutação, e ela estará mais próxima do método científico.