segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

SUGESTÃO PARA OS ALUNOS: Roteiro de Autoanálise

 



1. Escolher uma hora regular diária. Sugiro assim que acordar, para poder anotar os sonhos, e uma durante o dia/noite, para o geral.

2. Fazer uma pauta de assuntos que quiser tratar (incômodos/sintomas atuais, ou temas que perturbaram a vida inteira).

3. Quando for fazer a análise, usar a pauta (sonhos, assuntos) e começar a fazer associações livres em cima deles, tudo por escrito (com senha), para poder ser relido.

4. Na ausência de pauta, usar associação livre: olhar para os pensamentos como se fosse para uma tela de tv, e descrever o que aparece, sem censura. Se aparecer alguma censura (ah, isso é bobagem, ah, isso me dá vergonha, ah, não quero falar desse assunto), escrever a censura... e a coisa censurada.

O que for escrito funciona como pecinhas de um quebra-cabeças, não se preocupe em juntá-las logo, NUNCA FAÇA INTERPRETAÇÃO. Você vai ver que uma associação puxa outra, anote todas.

Aí já tem um bom começo de conversa.






CONVERSA ou TRETA? REALISTAS ou IDEALISTAS? NEO-ILUMINISTAS ou PÓS-MODERNOS?

 

Creio que as conversas devem começar, não no assunto, mas numa declaração de princípios, na posição das pessoas que o discutem: ela é uma “realista”? Ela crê que a árvore que cai no meio do deserto, sem testemunhas, faz ruído ao cair?

O realista está convencido da existência de uma realidade para além dele mesmo e de suas crenças. Já para os chamados “idealistas” (a realidade mora em suas ideias, convicções e narrativas), o ruído só existirá por causa das testemunhas que o ouvem, ele é dependente da realidade psíquica do espectador.

Minha proposta é: para conversar com alguém, é preciso partilhar axiomas, verdades autoevidentes, caso contrário você não terá uma conversa, terá uma treta cuja finalidade é derrotar o outro, nunca será se aproximar do conhecimento verdadeiro (episteme).

Uma conversa assim não atende ao meu desejo, pois o inevitável atrito trará mais calor do que luz. Não tenho desejo de treta, tenho desejo de luz (daí me definir como neo-iluminista).

Mas meu tio dizia que eu era muito exigente, nesse alinhamento. Para ele, bastava que a pessoa concordasse com apenas uma posição:

“Você mataria sua mãe a facadas? Não? Oba, então já partimos de um ponto em comum”…





quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A TENTAÇÃO FODÃO-MERDA ESTÁ NO AR

 



Cada um que se vê vitorioso com o resultado das eleições está sendo seduzido para se sentir fodão, e para esculachar os perdedores como merdas.

Essa divisão binária dos brasileiros vem sendo construída há muito tempo: o “nós contra eles”.

Mas o “nós contra eles” não prosperaria se o terreno não fosse fértil: a crença em que a humanidade se divida binariamente em fodões e merdas começa dentro de nós: é a relação que temos com nosso próprio Superego; ele lá em cima fodão, nós cá em baixo merdas.

O momento é uma oportunidade de desinvestirmos desse vício, de retomarmos uma identidade democrática de conversa e tolerância, de ouvir o que o outro tem a dizer, de abdicar do esculacho e da vingança: com a política, com a família, com os amigos… e dentro de nós mesmos.

“Compaixão” é saber que sofremos juntos: todos nós sofremos nas mãos do Superego; todos nós somos seduzidos por ele a fazer os outros sofrerem.





sábado, 15 de outubro de 2022

ASSISTINDO A “DAHMER”

 



A necrofilia, assim como todas as parafilias (práticas sexuais esquisitas), é uma derivação do fetichismo: um meio de anular a existência do outro e transformar qualquer sexo em masturbação.

É um artifício (do francês “fétiche”, do português “feitiço”) de não ter que negociar com as diferenças, e ainda mais: ter o gozo de se vingar do Superego, pela transgressão de suas normas.





A PSICANÁLISE PRECISA TER COMPROMISSO COM A CURA

 



Nas palavras de Millôr Fernandes:

“E mais, uma das minhas coisas contra a psicanálise é que a psicanálise não cura exatamente ninguém. Quando você ataca um psicanalista ele já diz: ‘Mas nós não temos pretensão terapêutica’. Então foda-se, pô. Se cobram entrada!”

Ouço dizer que psicanalistas atualmente substituíram a culpa pela responsabilidade. Em muitos casos, é trocar seis por meia-dúzia: não há como controlar sintomas através de responsabilidade, é preciso desmontá-los em suas origens.

Mas em outros, não: a que responde a psicanálise? O que se pode esperar/cobrar de um psicanalista? Ou ele é o único que tem direito a “cobrar”?




PSICANÁLISE: SUN TZU + ESPINOZA

 



Sun Tzu, em “A arte da guerra”: “Conheça seu inimigo”.

Espinoza: “A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam”.

Quem é nosso “inimigo”, em psicanálise? Quem manipula nossos cordéis, em psicanálise? São as crenças absurdas que operam em nós sem que saibamos, pois elas moram na obscuridade da inconsciência.

Maior e mais comum exemplo de crença absurda, injusta e cruel? “O mundo se divide em fodões e merdas (em inglês, winners and losers). Se você não for um fodão (winner), você será um merda (loser)”.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 3º E ÚLTIMO CAPÍTULO

 



(Nos capítulos anteriores: Já sem a culpa de parricida incestuoso, Édipo não se vê mais como assassino, pois o que fez foi em legítima defesa).

Analista: “Mas, como o Sr. veio a se casar com Jocasta, sua mãe BIOLÓGICA, fato que o Sr. desconhecia?”

Édipo: “Foi um acidente do destino. Quando fui chegando a Tebas, deparei-me com outra praga local: a Esfinge. Esse monstro devorava os passantes que não lhe decifrassem seu enigma, o mesmo que propôs a mim: “Qual é o animal que anda sobre quatro patas de manhã, sobre duas ao meio-dia, e sobre três ao anoitecer? Decifra-me, ou eu te devoro!”

Pensei um pouco, e respondi: o homem, que engatinha na infância, anda sobre os próprios pés quando cresce, e usa uma bengala quando velho. Foi assim que derrotei e matei a Esfinge, livrando Tebas daquela praga”.

Analista: “Bem, então não só o Sr. não causou uma praga, mas livrou Tebas de outra!”

Édipo: “(pensativo)… mas essa outra foi o começo de minha desdita, pois me tornei herói, fui recebido em Tebas como tal, em triunfo, e escolhido - praticamente obrigado - a ser o novo rei, com a obrigação de me casar com a rainha viúva (sim, a notícia da morte de Laio havia chegado antes de mim)”.

A. : “Então, nem foi sua a iniciativa de fazer a corte e seduzir Jocasta. Temos aí uma culpa a menos. Agora quero saber do resto da história. O que lhe contou Tirésias?”

“E. : “Tudo começa quando minha mãe me deu à luz. Laio foi a Delfos se consultar com a Pitonisa. Ela deu-lhe a sentença fatal: ‘seu filho o matará, e se casará com sua mulher’. Para fugir ao destino, ele mandou que um escravo me levasse ao campo e me matasse. Mas de mim ele se apiedou, amarrou meus pés e me abandonou lá. Foi assim que fui encontrado pelos servos do rei de Corinto: fraco e com os pés inchados pelas amarras - meu nome vem daí, Édipo significa ‘de pés inchados’.

Cresci pois, príncipe de Corinto, sem saber que era adotado. Tanto que, quando correram rumores sobre minha origem duvidosa, resolvi ir a Delfos, e… desgraça minha, me consultar com a Pitonisa. Ela me disse o mesmo de sempre: ‘seu destino é matar seu pai e casar-se com sua mãe’. Foi por isso que fugi de Corinto… e toda a desgraça se cumpriu! É, doutor, entendi que ninguém foge a seu destino…”

A. : “Pode ser que não, mas, quando entendemos nossa história, podemos interferir nele, corrigi-lo. Veja, o Sr. ficou prisioneiro de crenças estranhas de seus pais, quer os biológicos, quer os adotivos. O primeiro acreditou ver em você um assassino; o segundo acreditou que ser sincero sobre sua origem tiraria sua legitimidade de príncipe. Eis a trama complexa que manipulou sua vida, caro Édipo: seu complexo de Édipo”.

FIM