sábado, 15 de outubro de 2022

ASSISTINDO A “DAHMER”

 



A necrofilia, assim como todas as parafilias (práticas sexuais esquisitas), é uma derivação do fetichismo: um meio de anular a existência do outro e transformar qualquer sexo em masturbação.

É um artifício (do francês “fétiche”, do português “feitiço”) de não ter que negociar com as diferenças, e ainda mais: ter o gozo de se vingar do Superego, pela transgressão de suas normas.





A PSICANÁLISE PRECISA TER COMPROMISSO COM A CURA

 



Nas palavras de Millôr Fernandes:

“E mais, uma das minhas coisas contra a psicanálise é que a psicanálise não cura exatamente ninguém. Quando você ataca um psicanalista ele já diz: ‘Mas nós não temos pretensão terapêutica’. Então foda-se, pô. Se cobram entrada!”

Ouço dizer que psicanalistas atualmente substituíram a culpa pela responsabilidade. Em muitos casos, é trocar seis por meia-dúzia: não há como controlar sintomas através de responsabilidade, é preciso desmontá-los em suas origens.

Mas em outros, não: a que responde a psicanálise? O que se pode esperar/cobrar de um psicanalista? Ou ele é o único que tem direito a “cobrar”?




PSICANÁLISE: SUN TZU + ESPINOZA

 



Sun Tzu, em “A arte da guerra”: “Conheça seu inimigo”.

Espinoza: “A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam”.

Quem é nosso “inimigo”, em psicanálise? Quem manipula nossos cordéis, em psicanálise? São as crenças absurdas que operam em nós sem que saibamos, pois elas moram na obscuridade da inconsciência.

Maior e mais comum exemplo de crença absurda, injusta e cruel? “O mundo se divide em fodões e merdas (em inglês, winners and losers). Se você não for um fodão (winner), você será um merda (loser)”.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 3º E ÚLTIMO CAPÍTULO

 



(Nos capítulos anteriores: Já sem a culpa de parricida incestuoso, Édipo não se vê mais como assassino, pois o que fez foi em legítima defesa).

Analista: “Mas, como o Sr. veio a se casar com Jocasta, sua mãe BIOLÓGICA, fato que o Sr. desconhecia?”

Édipo: “Foi um acidente do destino. Quando fui chegando a Tebas, deparei-me com outra praga local: a Esfinge. Esse monstro devorava os passantes que não lhe decifrassem seu enigma, o mesmo que propôs a mim: “Qual é o animal que anda sobre quatro patas de manhã, sobre duas ao meio-dia, e sobre três ao anoitecer? Decifra-me, ou eu te devoro!”

Pensei um pouco, e respondi: o homem, que engatinha na infância, anda sobre os próprios pés quando cresce, e usa uma bengala quando velho. Foi assim que derrotei e matei a Esfinge, livrando Tebas daquela praga”.

Analista: “Bem, então não só o Sr. não causou uma praga, mas livrou Tebas de outra!”

Édipo: “(pensativo)… mas essa outra foi o começo de minha desdita, pois me tornei herói, fui recebido em Tebas como tal, em triunfo, e escolhido - praticamente obrigado - a ser o novo rei, com a obrigação de me casar com a rainha viúva (sim, a notícia da morte de Laio havia chegado antes de mim)”.

A. : “Então, nem foi sua a iniciativa de fazer a corte e seduzir Jocasta. Temos aí uma culpa a menos. Agora quero saber do resto da história. O que lhe contou Tirésias?”

“E. : “Tudo começa quando minha mãe me deu à luz. Laio foi a Delfos se consultar com a Pitonisa. Ela deu-lhe a sentença fatal: ‘seu filho o matará, e se casará com sua mulher’. Para fugir ao destino, ele mandou que um escravo me levasse ao campo e me matasse. Mas de mim ele se apiedou, amarrou meus pés e me abandonou lá. Foi assim que fui encontrado pelos servos do rei de Corinto: fraco e com os pés inchados pelas amarras - meu nome vem daí, Édipo significa ‘de pés inchados’.

Cresci pois, príncipe de Corinto, sem saber que era adotado. Tanto que, quando correram rumores sobre minha origem duvidosa, resolvi ir a Delfos, e… desgraça minha, me consultar com a Pitonisa. Ela me disse o mesmo de sempre: ‘seu destino é matar seu pai e casar-se com sua mãe’. Foi por isso que fugi de Corinto… e toda a desgraça se cumpriu! É, doutor, entendi que ninguém foge a seu destino…”

A. : “Pode ser que não, mas, quando entendemos nossa história, podemos interferir nele, corrigi-lo. Veja, o Sr. ficou prisioneiro de crenças estranhas de seus pais, quer os biológicos, quer os adotivos. O primeiro acreditou ver em você um assassino; o segundo acreditou que ser sincero sobre sua origem tiraria sua legitimidade de príncipe. Eis a trama complexa que manipulou sua vida, caro Édipo: seu complexo de Édipo”.

FIM



COMPAIXÃO, SIMPATIA E EMPATIA

 



Apesar de "compaixão" e "simpatia" significarem a mesma coisa, suas conotações são diferentes.

Compaixão vem do latim: cum (com, junto) + passio (sofrimento), sofrer junto com o outro.

Simpatia vem do grego: sin (junto, mesmo) + pathos (sofrimento).

No entanto, compaixão parece peninha, e simpatia parece afinidade.

Empatia, do grego "endos" = dentro + "pathos", é a capacidade de olhar dentro do outro e ver seu sofrimento. É algo mais clínico, um pouco mais distante, mas também virtuoso.

Aristoteles definiu a virtude como algo que mora entre sua falta e seu excesso.

Assim, as três virtudes acima moram entre o narcisismo extremado e a abnegação mártir, o "people pleasing" absoluto, a devoção completa aos interesses do outro.

Eu defendo que, se um cliente não nos desperta um mínimo de compaixão ou simpatia, mesmo que sejamos capazes de vê-lo por dentro (empatia), é melhor passar para outro profissional que as tenha.

Compaixão e simpatia são fundamentais às funções de pai e de mãe, que a psicanálise terapêutica exige para funcionar bem.




PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Por que você dá importância à pontualidade e ao tempo certo de sessão?”

Francisco Daudt: Por respeito e por contratos claros.

Já que eu considero o Superego como parte da doença, e não como parte da cura; e como eu me considero um prestador de serviços junto ao cliente, nunca acima dele, é preciso que minhas atitudes sejam coerentes com minha fala.

O contrato claro é a base do respeito: ele estabelece fronteiras confortáveis para cada parte contratante: horário certo, frequência semanal, tempo de duração da sessão, preço, recibo, data de pagamento. Tudo isso é combinado previamente, quando a entrevista resulta em contratação de tratamento. Sim, porque ela será considerada como test-drive e não será cobrada se não houver continuidade.

A pontualidade (na entrada e na duração da sessão) é outra demonstração de respeito, de que ninguém está acima de ninguém. Uma das demonstrações sociais de superioridade é se fazer esperar.

Isso não tem cabimento na psicanálise que defendo. Nenhum cliente meu ficará em estado de suspense, achando que eu possa terminar a sessão quando bem me aprouver.

Não posso deixar que o fodão-merda se repita, muito menos no lugar onde ele deveria ser tratado.




ORIENTAÇÕES SEXUAIS - O AMIGO PERGUNTA

 



“A pessoa pode nascer pedófila?”

Francisco Daudt: Não. Assim como não nasce fetichista, sadomasoquista, bestialista, necrófila, coprofágica etc. O aumento alfabético para designar minorias aponta, sim, para uma questão básica: o indivíduo. Nosso desejo será sempre singular.

Mas as orientações sexuais seguem se distribuindo pelo espectro homo-hétero, como há décadas desenhou Kinsey em sua escala, ou Shere Hite em seu relatório. Haverá, desde o hétero totalmente indiferente a outros homens (nem homofóbicos eles são), a homossexual totalmente indiferente a mulheres; com infinitas variações intermediárias.

As chamadas “parafilias” (atrações desviantes) são atrapalhações do desejo, sintomas viciosos marcados e produzidos pelos percalços da criação de cada um, o complexo de Édipo. Tanto que elas têm todas as características de vício: compulsão, repetição, aluguel mental, prazer de transgressão, prejuízo dos principais interesses do próprio e das pessoas envolvidas por ele, que não manda em sua vida, é prisioneiro de sua compulsão.

Tomemos a pedofilia como exemplo: ela acomete principalmente homens com desejo homoerótico reprimido e conflituoso. Não é de espantar que seja tão comum entre o clero católico: o gay reprimido descobre uma profissão respeitável em que ele é PROIBIDO de se casar. Passa a ter poderes e acesso junto a meninos (alunos ou coroinhas).

Aí está a tempestade perfeita: motivação, meios e oportunidade se somando para produzir um substituto possível do que seria uma realização amorosa de seu desejo.