sábado, 15 de outubro de 2022

PSICANÁLISE: SUN TZU + ESPINOZA

 



Sun Tzu, em “A arte da guerra”: “Conheça seu inimigo”.

Espinoza: “A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam”.

Quem é nosso “inimigo”, em psicanálise? Quem manipula nossos cordéis, em psicanálise? São as crenças absurdas que operam em nós sem que saibamos, pois elas moram na obscuridade da inconsciência.

Maior e mais comum exemplo de crença absurda, injusta e cruel? “O mundo se divide em fodões e merdas (em inglês, winners and losers). Se você não for um fodão (winner), você será um merda (loser)”.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 3º E ÚLTIMO CAPÍTULO

 



(Nos capítulos anteriores: Já sem a culpa de parricida incestuoso, Édipo não se vê mais como assassino, pois o que fez foi em legítima defesa).

Analista: “Mas, como o Sr. veio a se casar com Jocasta, sua mãe BIOLÓGICA, fato que o Sr. desconhecia?”

Édipo: “Foi um acidente do destino. Quando fui chegando a Tebas, deparei-me com outra praga local: a Esfinge. Esse monstro devorava os passantes que não lhe decifrassem seu enigma, o mesmo que propôs a mim: “Qual é o animal que anda sobre quatro patas de manhã, sobre duas ao meio-dia, e sobre três ao anoitecer? Decifra-me, ou eu te devoro!”

Pensei um pouco, e respondi: o homem, que engatinha na infância, anda sobre os próprios pés quando cresce, e usa uma bengala quando velho. Foi assim que derrotei e matei a Esfinge, livrando Tebas daquela praga”.

Analista: “Bem, então não só o Sr. não causou uma praga, mas livrou Tebas de outra!”

Édipo: “(pensativo)… mas essa outra foi o começo de minha desdita, pois me tornei herói, fui recebido em Tebas como tal, em triunfo, e escolhido - praticamente obrigado - a ser o novo rei, com a obrigação de me casar com a rainha viúva (sim, a notícia da morte de Laio havia chegado antes de mim)”.

A. : “Então, nem foi sua a iniciativa de fazer a corte e seduzir Jocasta. Temos aí uma culpa a menos. Agora quero saber do resto da história. O que lhe contou Tirésias?”

“E. : “Tudo começa quando minha mãe me deu à luz. Laio foi a Delfos se consultar com a Pitonisa. Ela deu-lhe a sentença fatal: ‘seu filho o matará, e se casará com sua mulher’. Para fugir ao destino, ele mandou que um escravo me levasse ao campo e me matasse. Mas de mim ele se apiedou, amarrou meus pés e me abandonou lá. Foi assim que fui encontrado pelos servos do rei de Corinto: fraco e com os pés inchados pelas amarras - meu nome vem daí, Édipo significa ‘de pés inchados’.

Cresci pois, príncipe de Corinto, sem saber que era adotado. Tanto que, quando correram rumores sobre minha origem duvidosa, resolvi ir a Delfos, e… desgraça minha, me consultar com a Pitonisa. Ela me disse o mesmo de sempre: ‘seu destino é matar seu pai e casar-se com sua mãe’. Foi por isso que fugi de Corinto… e toda a desgraça se cumpriu! É, doutor, entendi que ninguém foge a seu destino…”

A. : “Pode ser que não, mas, quando entendemos nossa história, podemos interferir nele, corrigi-lo. Veja, o Sr. ficou prisioneiro de crenças estranhas de seus pais, quer os biológicos, quer os adotivos. O primeiro acreditou ver em você um assassino; o segundo acreditou que ser sincero sobre sua origem tiraria sua legitimidade de príncipe. Eis a trama complexa que manipulou sua vida, caro Édipo: seu complexo de Édipo”.

FIM



COMPAIXÃO, SIMPATIA E EMPATIA

 



Apesar de "compaixão" e "simpatia" significarem a mesma coisa, suas conotações são diferentes.

Compaixão vem do latim: cum (com, junto) + passio (sofrimento), sofrer junto com o outro.

Simpatia vem do grego: sin (junto, mesmo) + pathos (sofrimento).

No entanto, compaixão parece peninha, e simpatia parece afinidade.

Empatia, do grego "endos" = dentro + "pathos", é a capacidade de olhar dentro do outro e ver seu sofrimento. É algo mais clínico, um pouco mais distante, mas também virtuoso.

Aristoteles definiu a virtude como algo que mora entre sua falta e seu excesso.

Assim, as três virtudes acima moram entre o narcisismo extremado e a abnegação mártir, o "people pleasing" absoluto, a devoção completa aos interesses do outro.

Eu defendo que, se um cliente não nos desperta um mínimo de compaixão ou simpatia, mesmo que sejamos capazes de vê-lo por dentro (empatia), é melhor passar para outro profissional que as tenha.

Compaixão e simpatia são fundamentais às funções de pai e de mãe, que a psicanálise terapêutica exige para funcionar bem.




PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Por que você dá importância à pontualidade e ao tempo certo de sessão?”

Francisco Daudt: Por respeito e por contratos claros.

Já que eu considero o Superego como parte da doença, e não como parte da cura; e como eu me considero um prestador de serviços junto ao cliente, nunca acima dele, é preciso que minhas atitudes sejam coerentes com minha fala.

O contrato claro é a base do respeito: ele estabelece fronteiras confortáveis para cada parte contratante: horário certo, frequência semanal, tempo de duração da sessão, preço, recibo, data de pagamento. Tudo isso é combinado previamente, quando a entrevista resulta em contratação de tratamento. Sim, porque ela será considerada como test-drive e não será cobrada se não houver continuidade.

A pontualidade (na entrada e na duração da sessão) é outra demonstração de respeito, de que ninguém está acima de ninguém. Uma das demonstrações sociais de superioridade é se fazer esperar.

Isso não tem cabimento na psicanálise que defendo. Nenhum cliente meu ficará em estado de suspense, achando que eu possa terminar a sessão quando bem me aprouver.

Não posso deixar que o fodão-merda se repita, muito menos no lugar onde ele deveria ser tratado.




ORIENTAÇÕES SEXUAIS - O AMIGO PERGUNTA

 



“A pessoa pode nascer pedófila?”

Francisco Daudt: Não. Assim como não nasce fetichista, sadomasoquista, bestialista, necrófila, coprofágica etc. O aumento alfabético para designar minorias aponta, sim, para uma questão básica: o indivíduo. Nosso desejo será sempre singular.

Mas as orientações sexuais seguem se distribuindo pelo espectro homo-hétero, como há décadas desenhou Kinsey em sua escala, ou Shere Hite em seu relatório. Haverá, desde o hétero totalmente indiferente a outros homens (nem homofóbicos eles são), a homossexual totalmente indiferente a mulheres; com infinitas variações intermediárias.

As chamadas “parafilias” (atrações desviantes) são atrapalhações do desejo, sintomas viciosos marcados e produzidos pelos percalços da criação de cada um, o complexo de Édipo. Tanto que elas têm todas as características de vício: compulsão, repetição, aluguel mental, prazer de transgressão, prejuízo dos principais interesses do próprio e das pessoas envolvidas por ele, que não manda em sua vida, é prisioneiro de sua compulsão.

Tomemos a pedofilia como exemplo: ela acomete principalmente homens com desejo homoerótico reprimido e conflituoso. Não é de espantar que seja tão comum entre o clero católico: o gay reprimido descobre uma profissão respeitável em que ele é PROIBIDO de se casar. Passa a ter poderes e acesso junto a meninos (alunos ou coroinhas).

Aí está a tempestade perfeita: motivação, meios e oportunidade se somando para produzir um substituto possível do que seria uma realização amorosa de seu desejo.




O LIVRO NOVO - A CONTRACAPA - O AMIGO PERGUNTA

 



“Há alguma razão em especial para a contracapa de ‘O Amigo Pergunta’ ter sido escrita pelo Eduardo Affonso?”

Francisco Daudt: Há várias. A primeira e mais óbvia é o marketing duplo: um grande número de pessoas admira o Eduardo e confia nele. Essas pessoas, se não me conhecem, podem transferir a mim essa confiança e assim virem a se interessar pelo livro.

O outro lado do marketing é que o Eduardo é meu aluno de psicanálise, e se muitas pessoas confiam em mim e na psicanálise que faço virem que eu confio no Eduardo, elas podem transferir essa confiança para ele, quem sabe se tornam futuros clientes dele?

Outra é que o Eduardo entende bem a importância de se falar língua de gente e de não posar de Superego, o que é uma questão central do livro.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 2º CAPÍTULO

 



(No capítulo anterior: um Édipo desesperado vai ao consultório do psicanalista, e lá conclui que não tinha conhecimento de que Jocasta e Laio eram seus pais biológicos, antes que as circunstâncias o levassem a matá-lo e a se casar com ela).

“Bem, majestade, conte-me o que sabe de sua história, desde o início, sim?”

“Tudo o que sei me foi contado por Tirésias. Foi ele quem me disse que matei meu pai verdadeiro, e me casei com minha mãe verdadeira!”

“Pais verdadeiros? Mas o Sr. não cresceu em Corinto, e lá era filho dos reis? O que entendi é que Laio e Jocasta eram seus pais, sim, mas pais biológicos. Quem o adotou, amparou e educou por todos esses anos são aqueles que merecem ser chamados de pais verdadeiros. Os outros, os desconhecidos, são seus pais biológicos. Mas, por favor, continue. Como foi que um príncipe de Tebas acabou sendo príncipe de Corinto?”

“(Édipo, pensativo) Sim, é verdade, só conheci os reis de Corinto como meus pais… Não posso renegá-los, são eles meus pais verdadeiros… Mas, certo, vou continuar. Não foi fácil o momento em que rumores começaram em Corinto, suspeitando de minha origem, de minha legitimidade como príncipe. Foi isso que me levou a Delfos, para consultar a pitonisa. Queria saber qual era o meu destino. Ela me disse que estava escrito: eu mataria meu pai e me casaria com minha mãe! Para escapar de tal sina horrível, pois amo os dois, resolvi largar tudo e fugir de minha cidade…”

“Foi então por amor a seus pais verdadeiros que renunciou a tudo, à riqueza, ao título de futuro rei, e deixou Corinto para trás… Veja, por amor! E o Sr. se considera um monstro… Mas, continue.”

“Tomei a estrada de Tebas. Já depois de dois dias de caminhada, vi que em minha direção vinha uma carruagem, com batedores à frente, expulsando os caminhantes a chicotadas. Vieram sobre mim, e eu os derrubei com minha espada. Foi quando o homem na carruagem me atacou, tentou me matar, mas eu consegui me defender e matei-o antes… Oh, horror! Hoje sei que esse homem era meu pai, que era o rei Laio, de Tebas! Matei meu pai, doutor, meu pai!!” (Édipo cai em prantos)

“Espere, o Sr. não matou seu pai. Matou, sim, um estranho que tentava matá-lo, matou em legítima defesa!”

(Édipo levanta a cabeça e olha, perplexo, para o psicanalista).

Continua no próximo capítulo.