sábado, 15 de outubro de 2022

PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Por que você dá importância à pontualidade e ao tempo certo de sessão?”

Francisco Daudt: Por respeito e por contratos claros.

Já que eu considero o Superego como parte da doença, e não como parte da cura; e como eu me considero um prestador de serviços junto ao cliente, nunca acima dele, é preciso que minhas atitudes sejam coerentes com minha fala.

O contrato claro é a base do respeito: ele estabelece fronteiras confortáveis para cada parte contratante: horário certo, frequência semanal, tempo de duração da sessão, preço, recibo, data de pagamento. Tudo isso é combinado previamente, quando a entrevista resulta em contratação de tratamento. Sim, porque ela será considerada como test-drive e não será cobrada se não houver continuidade.

A pontualidade (na entrada e na duração da sessão) é outra demonstração de respeito, de que ninguém está acima de ninguém. Uma das demonstrações sociais de superioridade é se fazer esperar.

Isso não tem cabimento na psicanálise que defendo. Nenhum cliente meu ficará em estado de suspense, achando que eu possa terminar a sessão quando bem me aprouver.

Não posso deixar que o fodão-merda se repita, muito menos no lugar onde ele deveria ser tratado.




ORIENTAÇÕES SEXUAIS - O AMIGO PERGUNTA

 



“A pessoa pode nascer pedófila?”

Francisco Daudt: Não. Assim como não nasce fetichista, sadomasoquista, bestialista, necrófila, coprofágica etc. O aumento alfabético para designar minorias aponta, sim, para uma questão básica: o indivíduo. Nosso desejo será sempre singular.

Mas as orientações sexuais seguem se distribuindo pelo espectro homo-hétero, como há décadas desenhou Kinsey em sua escala, ou Shere Hite em seu relatório. Haverá, desde o hétero totalmente indiferente a outros homens (nem homofóbicos eles são), a homossexual totalmente indiferente a mulheres; com infinitas variações intermediárias.

As chamadas “parafilias” (atrações desviantes) são atrapalhações do desejo, sintomas viciosos marcados e produzidos pelos percalços da criação de cada um, o complexo de Édipo. Tanto que elas têm todas as características de vício: compulsão, repetição, aluguel mental, prazer de transgressão, prejuízo dos principais interesses do próprio e das pessoas envolvidas por ele, que não manda em sua vida, é prisioneiro de sua compulsão.

Tomemos a pedofilia como exemplo: ela acomete principalmente homens com desejo homoerótico reprimido e conflituoso. Não é de espantar que seja tão comum entre o clero católico: o gay reprimido descobre uma profissão respeitável em que ele é PROIBIDO de se casar. Passa a ter poderes e acesso junto a meninos (alunos ou coroinhas).

Aí está a tempestade perfeita: motivação, meios e oportunidade se somando para produzir um substituto possível do que seria uma realização amorosa de seu desejo.




O LIVRO NOVO - A CONTRACAPA - O AMIGO PERGUNTA

 



“Há alguma razão em especial para a contracapa de ‘O Amigo Pergunta’ ter sido escrita pelo Eduardo Affonso?”

Francisco Daudt: Há várias. A primeira e mais óbvia é o marketing duplo: um grande número de pessoas admira o Eduardo e confia nele. Essas pessoas, se não me conhecem, podem transferir a mim essa confiança e assim virem a se interessar pelo livro.

O outro lado do marketing é que o Eduardo é meu aluno de psicanálise, e se muitas pessoas confiam em mim e na psicanálise que faço virem que eu confio no Eduardo, elas podem transferir essa confiança para ele, quem sabe se tornam futuros clientes dele?

Outra é que o Eduardo entende bem a importância de se falar língua de gente e de não posar de Superego, o que é uma questão central do livro.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 2º CAPÍTULO

 



(No capítulo anterior: um Édipo desesperado vai ao consultório do psicanalista, e lá conclui que não tinha conhecimento de que Jocasta e Laio eram seus pais biológicos, antes que as circunstâncias o levassem a matá-lo e a se casar com ela).

“Bem, majestade, conte-me o que sabe de sua história, desde o início, sim?”

“Tudo o que sei me foi contado por Tirésias. Foi ele quem me disse que matei meu pai verdadeiro, e me casei com minha mãe verdadeira!”

“Pais verdadeiros? Mas o Sr. não cresceu em Corinto, e lá era filho dos reis? O que entendi é que Laio e Jocasta eram seus pais, sim, mas pais biológicos. Quem o adotou, amparou e educou por todos esses anos são aqueles que merecem ser chamados de pais verdadeiros. Os outros, os desconhecidos, são seus pais biológicos. Mas, por favor, continue. Como foi que um príncipe de Tebas acabou sendo príncipe de Corinto?”

“(Édipo, pensativo) Sim, é verdade, só conheci os reis de Corinto como meus pais… Não posso renegá-los, são eles meus pais verdadeiros… Mas, certo, vou continuar. Não foi fácil o momento em que rumores começaram em Corinto, suspeitando de minha origem, de minha legitimidade como príncipe. Foi isso que me levou a Delfos, para consultar a pitonisa. Queria saber qual era o meu destino. Ela me disse que estava escrito: eu mataria meu pai e me casaria com minha mãe! Para escapar de tal sina horrível, pois amo os dois, resolvi largar tudo e fugir de minha cidade…”

“Foi então por amor a seus pais verdadeiros que renunciou a tudo, à riqueza, ao título de futuro rei, e deixou Corinto para trás… Veja, por amor! E o Sr. se considera um monstro… Mas, continue.”

“Tomei a estrada de Tebas. Já depois de dois dias de caminhada, vi que em minha direção vinha uma carruagem, com batedores à frente, expulsando os caminhantes a chicotadas. Vieram sobre mim, e eu os derrubei com minha espada. Foi quando o homem na carruagem me atacou, tentou me matar, mas eu consegui me defender e matei-o antes… Oh, horror! Hoje sei que esse homem era meu pai, que era o rei Laio, de Tebas! Matei meu pai, doutor, meu pai!!” (Édipo cai em prantos)

“Espere, o Sr. não matou seu pai. Matou, sim, um estranho que tentava matá-lo, matou em legítima defesa!”

(Édipo levanta a cabeça e olha, perplexo, para o psicanalista).

Continua no próximo capítulo.





SOBRE A CAPA DO LIVRO NOVO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Reparei que o Freud da capa está usando um tablet. O que isso diz sobre o livro?”

Francisco Daudt: Bom, além de se referir às mídias sociais, ela fala da minha tentativa de escrever um livro para quem está acostumado a ler telinhas: textos curtos e objetivos, respondendo a perguntas idem.

E Freud é uma inspiração, pois ele sempre escreveu em língua de gente (ok, de gente alemã, e às vezes seus tradutores o complicaram), baseado no espírito de que clareza e transparência ajudam a separar verdade de enganação.

Por fim, a arte de Tita Berredo colocou na telinha do tablet uma pergunta sobre o que é o Ego, e isso tem tudo a ver com o livro: a valorização do indivíduo, do nosso Eu, que não precisa reverenciar virtudes e ídolos no Superego, mas pode bem se apropriar deles como coisa boa para a vida.


A capa do livro novo, e sua autora, Tita Berredo.






O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 


O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO

“Você diz que seu livro ‘O Amigo Pergunta’, com lançamento em novembro, é o primeiro passo de um projeto maior, a Psicanálise do Superego. O que é ela, de onde vem e que diferença apresenta?”

Francisco Daudt: Ela é a psicanálise que tem o Superego das pessoas como objeto de investigação. Porque concluí que o Superego é parte do problema, nunca da solução.

Imagine o seu Superego como uma outra pessoa dentro da sua cabeça: ao mesmo tempo, um juiz cruel e acusador + uma figura ideal de como você deveria ser, com quem você sempre está se comparando… e perdendo. Por isso Freud o chamou assim: “o que está Acima de Mim”, em alemão, über (sobre, acima) + ich (eu, de mim). Sim, ela vem da psicanálise freudiana.

É claro que ele vai ver qualquer desejo seu como errado, pecaminoso, monstruoso; é claro que ele vai criticar tudo que você fizer. Mas isso não faz com que seus desejos sumam, ou que você suma; você vai lutar contra isso - mesmo sem saber -, e essa é a origem das doenças psíquicas: neuras, vícios e maluquices.

O livro novo trata de como e onde essa briga tem origem, e o caminho que proponho para extingui-la.





domingo, 14 de agosto de 2022

FUNÇÃO DE PAI

 



Na nossa espécie, função de pai e função de mãe são necessariamente casadas: não podemos dispensar nenhuma das duas.

Entenda-se função de mãe como extensão do ventre; entenda-se função de pai como extensão do parto.

A primeira acolhe, dá colinho, abriga, protege, aquece e alimenta.

A segunda ajuda a trazer para o mundo, atende às capacidades de crescentes independência e autonomia.

Nossa espécie, metida a poderosa, é de uma fragilidade sem igual: vamos precisar das duas funções ao longo da vida, às vezes mais, às vezes menos, mas não as dispensaremos jamais.

De início, exercidas por quem nos criou, sejam os pais biológicos ou adotivos, sejam as tias e tios, avôs e avós, os irmãos mais velhos, as babás, as vizinhas…

Nenhum deles exercerá apenas uma das funções: a mãe que amamenta e conversa com o bebê está atendendo sua capacidade de aprender a falar. O pai, que lhe dá a mão nos primeiros passos, protege, ampara e capacita.

Ao longo da vida, essas funções casadas (ou fragmentadas) virão dos amigos, dos professores, dos livros, das redes sociais, dos filmes, da família, namorados e namoradas, de nossos filhos e netos, até de nossos bichos de estimação, de toda parte vêm elas a nos alimentar o corpo e a alma: acolhimento e crescimento. Não ficou no passado. Não vivemos sem elas.

Hoje é um dia marcado para o reconhecimento de duas coisas: de quem nos deu e dá acolhimento e crescimento… e de nossa eterna necessidade de quem os continue nos dando.