sábado, 15 de outubro de 2022

O LIVRO NOVO - A CONTRACAPA - O AMIGO PERGUNTA

 



“Há alguma razão em especial para a contracapa de ‘O Amigo Pergunta’ ter sido escrita pelo Eduardo Affonso?”

Francisco Daudt: Há várias. A primeira e mais óbvia é o marketing duplo: um grande número de pessoas admira o Eduardo e confia nele. Essas pessoas, se não me conhecem, podem transferir a mim essa confiança e assim virem a se interessar pelo livro.

O outro lado do marketing é que o Eduardo é meu aluno de psicanálise, e se muitas pessoas confiam em mim e na psicanálise que faço virem que eu confio no Eduardo, elas podem transferir essa confiança para ele, quem sabe se tornam futuros clientes dele?

Outra é que o Eduardo entende bem a importância de se falar língua de gente e de não posar de Superego, o que é uma questão central do livro.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 2º CAPÍTULO

 



(No capítulo anterior: um Édipo desesperado vai ao consultório do psicanalista, e lá conclui que não tinha conhecimento de que Jocasta e Laio eram seus pais biológicos, antes que as circunstâncias o levassem a matá-lo e a se casar com ela).

“Bem, majestade, conte-me o que sabe de sua história, desde o início, sim?”

“Tudo o que sei me foi contado por Tirésias. Foi ele quem me disse que matei meu pai verdadeiro, e me casei com minha mãe verdadeira!”

“Pais verdadeiros? Mas o Sr. não cresceu em Corinto, e lá era filho dos reis? O que entendi é que Laio e Jocasta eram seus pais, sim, mas pais biológicos. Quem o adotou, amparou e educou por todos esses anos são aqueles que merecem ser chamados de pais verdadeiros. Os outros, os desconhecidos, são seus pais biológicos. Mas, por favor, continue. Como foi que um príncipe de Tebas acabou sendo príncipe de Corinto?”

“(Édipo, pensativo) Sim, é verdade, só conheci os reis de Corinto como meus pais… Não posso renegá-los, são eles meus pais verdadeiros… Mas, certo, vou continuar. Não foi fácil o momento em que rumores começaram em Corinto, suspeitando de minha origem, de minha legitimidade como príncipe. Foi isso que me levou a Delfos, para consultar a pitonisa. Queria saber qual era o meu destino. Ela me disse que estava escrito: eu mataria meu pai e me casaria com minha mãe! Para escapar de tal sina horrível, pois amo os dois, resolvi largar tudo e fugir de minha cidade…”

“Foi então por amor a seus pais verdadeiros que renunciou a tudo, à riqueza, ao título de futuro rei, e deixou Corinto para trás… Veja, por amor! E o Sr. se considera um monstro… Mas, continue.”

“Tomei a estrada de Tebas. Já depois de dois dias de caminhada, vi que em minha direção vinha uma carruagem, com batedores à frente, expulsando os caminhantes a chicotadas. Vieram sobre mim, e eu os derrubei com minha espada. Foi quando o homem na carruagem me atacou, tentou me matar, mas eu consegui me defender e matei-o antes… Oh, horror! Hoje sei que esse homem era meu pai, que era o rei Laio, de Tebas! Matei meu pai, doutor, meu pai!!” (Édipo cai em prantos)

“Espere, o Sr. não matou seu pai. Matou, sim, um estranho que tentava matá-lo, matou em legítima defesa!”

(Édipo levanta a cabeça e olha, perplexo, para o psicanalista).

Continua no próximo capítulo.





SOBRE A CAPA DO LIVRO NOVO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Reparei que o Freud da capa está usando um tablet. O que isso diz sobre o livro?”

Francisco Daudt: Bom, além de se referir às mídias sociais, ela fala da minha tentativa de escrever um livro para quem está acostumado a ler telinhas: textos curtos e objetivos, respondendo a perguntas idem.

E Freud é uma inspiração, pois ele sempre escreveu em língua de gente (ok, de gente alemã, e às vezes seus tradutores o complicaram), baseado no espírito de que clareza e transparência ajudam a separar verdade de enganação.

Por fim, a arte de Tita Berredo colocou na telinha do tablet uma pergunta sobre o que é o Ego, e isso tem tudo a ver com o livro: a valorização do indivíduo, do nosso Eu, que não precisa reverenciar virtudes e ídolos no Superego, mas pode bem se apropriar deles como coisa boa para a vida.


A capa do livro novo, e sua autora, Tita Berredo.






O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 


O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO

“Você diz que seu livro ‘O Amigo Pergunta’, com lançamento em novembro, é o primeiro passo de um projeto maior, a Psicanálise do Superego. O que é ela, de onde vem e que diferença apresenta?”

Francisco Daudt: Ela é a psicanálise que tem o Superego das pessoas como objeto de investigação. Porque concluí que o Superego é parte do problema, nunca da solução.

Imagine o seu Superego como uma outra pessoa dentro da sua cabeça: ao mesmo tempo, um juiz cruel e acusador + uma figura ideal de como você deveria ser, com quem você sempre está se comparando… e perdendo. Por isso Freud o chamou assim: “o que está Acima de Mim”, em alemão, über (sobre, acima) + ich (eu, de mim). Sim, ela vem da psicanálise freudiana.

É claro que ele vai ver qualquer desejo seu como errado, pecaminoso, monstruoso; é claro que ele vai criticar tudo que você fizer. Mas isso não faz com que seus desejos sumam, ou que você suma; você vai lutar contra isso - mesmo sem saber -, e essa é a origem das doenças psíquicas: neuras, vícios e maluquices.

O livro novo trata de como e onde essa briga tem origem, e o caminho que proponho para extingui-la.





domingo, 14 de agosto de 2022

FUNÇÃO DE PAI

 



Na nossa espécie, função de pai e função de mãe são necessariamente casadas: não podemos dispensar nenhuma das duas.

Entenda-se função de mãe como extensão do ventre; entenda-se função de pai como extensão do parto.

A primeira acolhe, dá colinho, abriga, protege, aquece e alimenta.

A segunda ajuda a trazer para o mundo, atende às capacidades de crescentes independência e autonomia.

Nossa espécie, metida a poderosa, é de uma fragilidade sem igual: vamos precisar das duas funções ao longo da vida, às vezes mais, às vezes menos, mas não as dispensaremos jamais.

De início, exercidas por quem nos criou, sejam os pais biológicos ou adotivos, sejam as tias e tios, avôs e avós, os irmãos mais velhos, as babás, as vizinhas…

Nenhum deles exercerá apenas uma das funções: a mãe que amamenta e conversa com o bebê está atendendo sua capacidade de aprender a falar. O pai, que lhe dá a mão nos primeiros passos, protege, ampara e capacita.

Ao longo da vida, essas funções casadas (ou fragmentadas) virão dos amigos, dos professores, dos livros, das redes sociais, dos filmes, da família, namorados e namoradas, de nossos filhos e netos, até de nossos bichos de estimação, de toda parte vêm elas a nos alimentar o corpo e a alma: acolhimento e crescimento. Não ficou no passado. Não vivemos sem elas.

Hoje é um dia marcado para o reconhecimento de duas coisas: de quem nos deu e dá acolhimento e crescimento… e de nossa eterna necessidade de quem os continue nos dando.






O SUPEREGO E O MEDO DO DESAMPARO - O AMIGO PERGUNTA

 



De Vladimir Dietrich: “Eu até entendo que o desamparo seja uma força tremenda para os humanos, já que nascemos tão dependentes. Mas, por que ele se mantém como força de chantagem, mesmo depois de crescidos?”

Francisco Daudt: Você toca na principal arma que o Superego tem para nos impor suas crenças, mesmo quando elas são totalmente atrapalhadoras de nossos desejos: o medo do desamparo.

Certo, ele começa como instinto de sobrevivência, junto com os outros medos de raiz (escuro, altura, confinamento, répteis, grandes insetos etc.). Mas, como temos pouco contato com os outros, é MUITO contato com a ameaça de desamparo (“Assim eu não vou gostar mais de você”), é ele que fica como principal.

É ele que vai formar nosso Superego, nas seguintes bases: “como eu devo ser e me comportar para continuar a ser amparado?” Daí, nosso ouvido será o principal instrumento para absorver essas informações das quais dependem nossa sobrevivência (o amparo tem essa força imaginaria).

Você pode crescer num ambiente religioso formal, e absorverá as crenças e a moral religiosa (houve tempo em que eu acreditei que a a masturbação me mandaria para o inferno), e isso será o senso comum religioso. Ou pode crescer em família leiga, e absorverá as crenças e a lei moral do senso comum leigo. Não importa: O SENSO COMUM É A MAIS PODEROSA DAS RELIGIÕES. Sua principal lei é: pense e aja como todo mundo, senão…

Outro dia, um cliente de 24 anos me contou que gostava muito da namorada… mas odiava como ela tinha se transformado a partir da transição da ficância para o namoro: passou a ser exigente de várias “consolidações sociais da relação” (ficar o fim-de-semana inteiro grudados; apresentá-lo à família; diminuir a atividade sexual; discutir a relação (D.R.) frequentemente; postar fotos do casalzinho no Instagram etc.).

Ele lhe disse que gostava muito dela, mas estava odiando o tal de “namoro”, que queria voltar ao estado anterior. Ela disse, “mas namoro é assim, todo mundo sabe!, se você não quer namorar, então você não gosta de mim, você é egoísta, vamos terminar”.

Ela usou do senso comum (namoro é assim, todo mundo sabe), ela o enquadrou num antimodelo (egoísta), ela o ameaçou de desamparo.

Como ele não estava apaixonado - os apaixonados se infantilizam, voltam a ser altamente vulneráveis ao desamparo -, como ele não comprava a lei de namoro do senso comum, como o antimodelo do egoísta não lhe colava, terminou o namoro com um misto de tristeza e alívio…

Resulta que, quanto mais autônomo e independente você é, quando menos vulnerável às leis do senso comum será, quanto menos manipulável pela ameaça de desamparo será. Seu Superego terá menos poder.





CAPA E CONTRACAPA DO LIVRO NOVO




Arte de Tita Berredo, texto de Eduardo Affonso.