sábado, 15 de outubro de 2022

SOBRE A CAPA DO LIVRO NOVO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Reparei que o Freud da capa está usando um tablet. O que isso diz sobre o livro?”

Francisco Daudt: Bom, além de se referir às mídias sociais, ela fala da minha tentativa de escrever um livro para quem está acostumado a ler telinhas: textos curtos e objetivos, respondendo a perguntas idem.

E Freud é uma inspiração, pois ele sempre escreveu em língua de gente (ok, de gente alemã, e às vezes seus tradutores o complicaram), baseado no espírito de que clareza e transparência ajudam a separar verdade de enganação.

Por fim, a arte de Tita Berredo colocou na telinha do tablet uma pergunta sobre o que é o Ego, e isso tem tudo a ver com o livro: a valorização do indivíduo, do nosso Eu, que não precisa reverenciar virtudes e ídolos no Superego, mas pode bem se apropriar deles como coisa boa para a vida.


A capa do livro novo, e sua autora, Tita Berredo.






O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 


O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO

“Você diz que seu livro ‘O Amigo Pergunta’, com lançamento em novembro, é o primeiro passo de um projeto maior, a Psicanálise do Superego. O que é ela, de onde vem e que diferença apresenta?”

Francisco Daudt: Ela é a psicanálise que tem o Superego das pessoas como objeto de investigação. Porque concluí que o Superego é parte do problema, nunca da solução.

Imagine o seu Superego como uma outra pessoa dentro da sua cabeça: ao mesmo tempo, um juiz cruel e acusador + uma figura ideal de como você deveria ser, com quem você sempre está se comparando… e perdendo. Por isso Freud o chamou assim: “o que está Acima de Mim”, em alemão, über (sobre, acima) + ich (eu, de mim). Sim, ela vem da psicanálise freudiana.

É claro que ele vai ver qualquer desejo seu como errado, pecaminoso, monstruoso; é claro que ele vai criticar tudo que você fizer. Mas isso não faz com que seus desejos sumam, ou que você suma; você vai lutar contra isso - mesmo sem saber -, e essa é a origem das doenças psíquicas: neuras, vícios e maluquices.

O livro novo trata de como e onde essa briga tem origem, e o caminho que proponho para extingui-la.





domingo, 14 de agosto de 2022

FUNÇÃO DE PAI

 



Na nossa espécie, função de pai e função de mãe são necessariamente casadas: não podemos dispensar nenhuma das duas.

Entenda-se função de mãe como extensão do ventre; entenda-se função de pai como extensão do parto.

A primeira acolhe, dá colinho, abriga, protege, aquece e alimenta.

A segunda ajuda a trazer para o mundo, atende às capacidades de crescentes independência e autonomia.

Nossa espécie, metida a poderosa, é de uma fragilidade sem igual: vamos precisar das duas funções ao longo da vida, às vezes mais, às vezes menos, mas não as dispensaremos jamais.

De início, exercidas por quem nos criou, sejam os pais biológicos ou adotivos, sejam as tias e tios, avôs e avós, os irmãos mais velhos, as babás, as vizinhas…

Nenhum deles exercerá apenas uma das funções: a mãe que amamenta e conversa com o bebê está atendendo sua capacidade de aprender a falar. O pai, que lhe dá a mão nos primeiros passos, protege, ampara e capacita.

Ao longo da vida, essas funções casadas (ou fragmentadas) virão dos amigos, dos professores, dos livros, das redes sociais, dos filmes, da família, namorados e namoradas, de nossos filhos e netos, até de nossos bichos de estimação, de toda parte vêm elas a nos alimentar o corpo e a alma: acolhimento e crescimento. Não ficou no passado. Não vivemos sem elas.

Hoje é um dia marcado para o reconhecimento de duas coisas: de quem nos deu e dá acolhimento e crescimento… e de nossa eterna necessidade de quem os continue nos dando.






O SUPEREGO E O MEDO DO DESAMPARO - O AMIGO PERGUNTA

 



De Vladimir Dietrich: “Eu até entendo que o desamparo seja uma força tremenda para os humanos, já que nascemos tão dependentes. Mas, por que ele se mantém como força de chantagem, mesmo depois de crescidos?”

Francisco Daudt: Você toca na principal arma que o Superego tem para nos impor suas crenças, mesmo quando elas são totalmente atrapalhadoras de nossos desejos: o medo do desamparo.

Certo, ele começa como instinto de sobrevivência, junto com os outros medos de raiz (escuro, altura, confinamento, répteis, grandes insetos etc.). Mas, como temos pouco contato com os outros, é MUITO contato com a ameaça de desamparo (“Assim eu não vou gostar mais de você”), é ele que fica como principal.

É ele que vai formar nosso Superego, nas seguintes bases: “como eu devo ser e me comportar para continuar a ser amparado?” Daí, nosso ouvido será o principal instrumento para absorver essas informações das quais dependem nossa sobrevivência (o amparo tem essa força imaginaria).

Você pode crescer num ambiente religioso formal, e absorverá as crenças e a moral religiosa (houve tempo em que eu acreditei que a a masturbação me mandaria para o inferno), e isso será o senso comum religioso. Ou pode crescer em família leiga, e absorverá as crenças e a lei moral do senso comum leigo. Não importa: O SENSO COMUM É A MAIS PODEROSA DAS RELIGIÕES. Sua principal lei é: pense e aja como todo mundo, senão…

Outro dia, um cliente de 24 anos me contou que gostava muito da namorada… mas odiava como ela tinha se transformado a partir da transição da ficância para o namoro: passou a ser exigente de várias “consolidações sociais da relação” (ficar o fim-de-semana inteiro grudados; apresentá-lo à família; diminuir a atividade sexual; discutir a relação (D.R.) frequentemente; postar fotos do casalzinho no Instagram etc.).

Ele lhe disse que gostava muito dela, mas estava odiando o tal de “namoro”, que queria voltar ao estado anterior. Ela disse, “mas namoro é assim, todo mundo sabe!, se você não quer namorar, então você não gosta de mim, você é egoísta, vamos terminar”.

Ela usou do senso comum (namoro é assim, todo mundo sabe), ela o enquadrou num antimodelo (egoísta), ela o ameaçou de desamparo.

Como ele não estava apaixonado - os apaixonados se infantilizam, voltam a ser altamente vulneráveis ao desamparo -, como ele não comprava a lei de namoro do senso comum, como o antimodelo do egoísta não lhe colava, terminou o namoro com um misto de tristeza e alívio…

Resulta que, quanto mais autônomo e independente você é, quando menos vulnerável às leis do senso comum será, quanto menos manipulável pela ameaça de desamparo será. Seu Superego terá menos poder.





CAPA E CONTRACAPA DO LIVRO NOVO




Arte de Tita Berredo, texto de Eduardo Affonso.








 

O BALDE E A TRANSFERÊNCIA

 



O conceito de transferência, em psicanálise, parece misterioso mas é simples: trata-se de transferir a um estímulo sensorial (algo que foi visto, ouvido ou sentido) um arquivo de nossa memória, que passa a dar um significado ao estímulo.

Quando você lê BALDE, aqui, transfere para essas manchinhas pretas na tela um arquivo de sua memória, e elas ganham um significado… de balde. O processo é tão automático, que você nem percebe que ele se deu. Se você lesse EIMER, não haveria arquivos de memória para transferir, a coisa não significaria nada (Eimer é balde em alemão).

Pois eu e minha irmã, quando crianças, fizemos uma brincadeira curiosa: ficamos falando “balde”, um para o outro, como se fosse uma conversa de palavra única, por uns cinco minutos… ao fim dos quais, já não sabíamos mais o que era balde. Virou um ruído. Tínhamos desconectado o automatismo da transferência! Claro, se alguém nos perguntasse o que era balde, iríamos responder. Mas sem o automático, íamos ter que pensar…

A transferência neurótica (reação exagerada frente a um estímulo banal) é mais complexa. Mas tem as mesmas bases. Meu melhor exemplo para ela é o “gato escaldado tem medo de água fria“. Um gato que sofreu queimaduras, porque um dia alguém jogou água fervendo nele, vai pular alto se sentir água fria batendo-lhe no lombo. E isso vai durar anos: a transferência automática é “qualquer água no lombo vai me queimar”. Os arquivos de dor estão cruelmente gravados em sua memória.

Disclaimer: nenhum animal foi molestado ou ferido no fazimento desta postagem.

Disclaimer 2: Mesmo falando de psicanálise, nenhuma palavra desconectada de arquivos de sua memória foi usada neste texto. Não houve “parapraxia”, nem “busca do inefável”, nem “supereu” que te deixassem perplexos. Isto foi sim intencional.






ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - O AMIGO PERGUNTA



“Meu nome é Édipo, sou rei de Tebas e quero me matar. Ou pelo menos furar meus olhos! Só vim aqui porque o Terésias insistiu muito…”

“Bem, já que o Sr. veio até aqui, poderia me dar três meses antes de fazer essas coisas, para ver se eu posso ajudá-lo? Por que o Sr. quer se matar, ou furar os olhos?”

“Tá bom, doutor, mas só três meses. Eu sou culpado pela praga que assola Tebas, pois descobri que matei meu pai e me casei com minha mãe. Sou um monstro!”

“Olha, monstros não costumam aparecer no consultório, pois eles não sofrem com seus malfeitos. O Sr. tinha plena consciência de que eles eram seus pais, por ocasião da morte e do casamento?”

“Não, não! Só descobri depois, quando me disseram que eu era filho adotado pelos reis de Corinto, e sobre quem eram meus verdadeiros pais. Mas aí já era tarde… e olha que eu fugi de Corinto justamente para escapar da sina que a pitonisa de Delfos me lançou: matar meu pai e casar com minha mãe…”

“Majestade, o psicanalista é um advogado de defesa. O Sr. já chega aqui com uma sentença feita, e isso é injusto, só a acusação teve voz. Está errado! Antes de mais nada eu quero ver os autos do processo.

E começamos bem: se o Sr. não sabia quem eram eles, temos um excelente começo: não houve intenção, nem parricida, nem incestuosa. Sem intenção, sem conhecimento, sua culpa diminui enormemente. Vamos ver agora em que circunstâncias esses fatos se deram”.

(Segue em “Édipo no consultório 2”)