De Vladimir Dietrich: “Eu até entendo que o desamparo seja uma força tremenda para os humanos, já que nascemos tão dependentes. Mas, por que ele se mantém como força de chantagem, mesmo depois de crescidos?”
Francisco Daudt: Você toca na principal arma que o Superego tem para nos impor suas crenças, mesmo quando elas são totalmente atrapalhadoras de nossos desejos: o medo do desamparo.
Certo, ele começa como instinto de sobrevivência, junto com os outros medos de raiz (escuro, altura, confinamento, répteis, grandes insetos etc.). Mas, como temos pouco contato com os outros, é MUITO contato com a ameaça de desamparo (“Assim eu não vou gostar mais de você”), é ele que fica como principal.
É ele que vai formar nosso Superego, nas seguintes bases: “como eu devo ser e me comportar para continuar a ser amparado?” Daí, nosso ouvido será o principal instrumento para absorver essas informações das quais dependem nossa sobrevivência (o amparo tem essa força imaginaria).
Você pode crescer num ambiente religioso formal, e absorverá as crenças e a moral religiosa (houve tempo em que eu acreditei que a a masturbação me mandaria para o inferno), e isso será o senso comum religioso. Ou pode crescer em família leiga, e absorverá as crenças e a lei moral do senso comum leigo. Não importa: O SENSO COMUM É A MAIS PODEROSA DAS RELIGIÕES. Sua principal lei é: pense e aja como todo mundo, senão…
Outro dia, um cliente de 24 anos me contou que gostava muito da namorada… mas odiava como ela tinha se transformado a partir da transição da ficância para o namoro: passou a ser exigente de várias “consolidações sociais da relação” (ficar o fim-de-semana inteiro grudados; apresentá-lo à família; diminuir a atividade sexual; discutir a relação (D.R.) frequentemente; postar fotos do casalzinho no Instagram etc.).
Ele lhe disse que gostava muito dela, mas estava odiando o tal de “namoro”, que queria voltar ao estado anterior. Ela disse, “mas namoro é assim, todo mundo sabe!, se você não quer namorar, então você não gosta de mim, você é egoísta, vamos terminar”.
Ela usou do senso comum (namoro é assim, todo mundo sabe), ela o enquadrou num antimodelo (egoísta), ela o ameaçou de desamparo.
Como ele não estava apaixonado - os apaixonados se infantilizam, voltam a ser altamente vulneráveis ao desamparo -, como ele não comprava a lei de namoro do senso comum, como o antimodelo do egoísta não lhe colava, terminou o namoro com um misto de tristeza e alívio…
Resulta que, quanto mais autônomo e independente você é, quando menos vulnerável às leis do senso comum será, quanto menos manipulável pela ameaça de desamparo será. Seu Superego terá menos poder.