domingo, 14 de agosto de 2022

ORGASMO SÁDICO - O AMIGO PERGUNTA

 



“O que pode haver de erótico na boca de uma mulher anestesiada?”

Francisco Daudt: Nada. Afora o estímulo sensorial, o orgasmo desse caso não vem do erotismo, e sim do extremo da transgressão. Há a adrenalina do risco pelo desafio ao Superego, não só o interno, mas à sua representação externa: a sociedade, a equipe médica e enfermagem, a violação do juramento de Hipócrates, o sagrado da maternidade etc.

O Marquês de Sade costumava se masturbar diante de um crucifixo, desafiando a imagem com blasfêmias (“Se você existe, me mate agora, seu porco!”) e finalmente chegando ao orgasmo com uma gargalhada: “Está vendo? Eu venci! Você não existe!” Não há melhor exemplo de que o prazer, ali, vinha do desafio e da vingança, não do erotismo.

Como nada do que é humano nos é estranho, Nelson Rodrigues uma vez reclamou: “Quem são esses loucos que querem abolir o pecado, na prática sexual? Eles vão matar grande parte de sua graça!” De fato, quanto mais proibido e transgressor é o sexo, mais ele se afasta do sexo pessoal, mais ele se aproxima do fetiche e da masturbação. E a masturbação é a principal vida sexual dos homens.

“Peccato che non sia peccato” (“é uma pena que não seja pecado”), diz-se em italiano, lamentando que uma comida deliciosa não tenha esse “tempero extra” da transgressão, esse bônus de prazer…






PSICANÁLISE: COMO SE TRATA A DOENÇA? - O AMIGO PERGUNTA



De Claudio Kuyven: “Você disse que o diagnóstico é a base do tratamento psicanalítico. Como assim? Se o ortopedista faz um diagnóstico, ele indica um procedimento. O procedimento é o que trata. Mas e em psicanálise?”

Francisco Daudt: Sim, em psicanálise, o diagnóstico é o tratamento. O que acontece é que a psicanálise faz diagnóstico o tempo todo. Ela é, na verdade, uma constante investigação em busca de conhecimento que atravesse a complexidade da mente. Diagnóstico vem do grego: dia = através + gnosis = conhecimento.

E é conhecimento, é diagnóstico, da doença e da saúde. Saber-se da saude do cliente é crucial; quando a doença é vício, p.ex: um casal tem uma ligação sadomasoquista, mas… também tem um vínculo amoroso.

Quando você faz o diagnóstico de que o vício rouba o potencial amoroso deles, e que o vício é resultado de algo não escolhido, mas absorvido do ambiente familiar de origem, neste momento você aciona a mais poderosa arma de cura da psicanálise: nosso senso inato de JUSTIÇA.

Ao se perceber joguete de sua história (o complexo de Édipo é isso), o cliente se mobiliza para ser dono de sua vida, para trilhar o caminho que mais lhe convém, para se libertar de um passado que lhe atrapalha os desejos mais autênticos. A psicanálise serve a isso: busca de justiça.

O diagnóstico da doença aciona a vontade de se livrar de uma prisão injusta; o diagnóstico da saúde é, essencialmente, o conhecimento de seu desejo mais autêntico, que ele buscará realizar. Ou você acha que se matar cheirando cocaína é expressão do desejo autêntico de alguém?

É por isso que a cura, em psicanálise, vem do constante diagnóstico. Cabe ao psicanalista transferir tecnologia para o cliente, de modo a que ele continue a se conhecer (a se diagnosticar) pela vida afora.

É a isso que Freud chamou de “análise interminável”.






 

“O REPRIMIDO RETORNA?” - O AMIGO PERGUNTA

 



“O que é esse tal de retorno do reprimido?”

Francisco Daudt: O retorno do reprimido é menos complicado do que parece. Suponha um pensamento incômodo sobre alguém. Você varre da consciência, “não quero pensar nisso”, mas ele não desaparece da sua cabeça. Volta e meia ele dá notícias. E você varre de novo.

Isso, numa coisa boba. Vamos aumentar a gravidade um pouquinho: você tem aquele encontro agendado, mas há uma ambivalência em relação à pessoa em questão. Você quer, e também não quer. Mas já agendou, já está comprometido. Aí a ambivalência retorna de uma forma mais esquisita: você perde o compromisso, pois se esqueceu totalmente dele. O retorno se deu de forma disfarçada, substituída: é o ato falho.

Vamos aumentar a gravidade mais ainda: você depende do seu pai, ele é a fonte de amparo na sua vida, mas… ele é injusto e cruel com você, muitas vezes, e isso desperta em você uma raiva (que você não chama de raiva, chama de mágoa, desconforto, ressentimento; chamar de raiva seria muito forte). A ameaça de desamparo é tão grande, que esses desconfortos somem de sua mente: aí sim, se deu uma repressão. O retorno desse reprimido vai se dar de forma ainda mais esquisita: o sintoma neurótico. Você tem pensamentos invasivos de outra natureza, tem sonhos estranhos e repetitivos, você desenvolve uma fobia a baratas ou aranhas, você tem crises de pânico, você tem ritos obsessivos aprisionantes.

A cara do sintoma não se parece nem um pouco com a raiva reprimida, mas ele retorna e retorna, podendo tomar outras formas mais complexas: a paixão neurótica por alguém com características do seu pai, como se você quisesse corrigir a história, só que a pessoa se parece tanto (naquele aspecto injusto) com ele que em vez de haver correção, o que existirá é repetição.

Você acaba encontrando sucessores do seu pai pela vida afora: é o retorno do reprimido…






FALANDO DE SEXO: ZONAS ERÓGENAS - O AMIGO PERGUNTA

 



“Me pegaram, me mandaram ficar imóvel, e me mapearam o corpo para descobrir minhas zonas erógenas. Fiquei fora de mim! Nem sabia que determinadas áreas do meu corpo eram capazes de me dar tanto prazer. Isso é normal?”

Francisco Daudt: Não. Isso é totalmente anormal, no sentido estatístico. Não só você é uma raridade afortunada, mas quem te mapeou também. O normal é que a pessoa passe a vida só percebendo prazer na boca e nos genitais, e que jamais, sim, jamais se disponha a pesquisar com tanta meticulosidade, quer em si, quer em outros, as áreas do corpo capazes de gerar prazer intenso, de arrepiar, de dar tesão.

Zonas erógenas são isso. Desde que nascemos, elas concentram nossas atenções, já que somos máquinas programadas para buscar prazer - é assim que o gene egoista nos manipula para se duplicar. A primeira é a boca: sugar alimenta e dá prazer. A segunda é o esfíncter anal: o jogo de retenção/liberação das fezes dá prazer, e foi tomado por Freud como ícone de negociação com a cultura (você precisa saber onde defeca). A terceira é a genital: do prazer que ela produz virão nossos genes duplicados.

Mas quando o indivíduo sai da fisiologia para o esporte, ele pode explorar cada centímetro quadrado de seu corpo como zona erógena em potencial. Com a exceção da ponta dos cotovelos, já ouvi de tudo.

Os exemplos mais corriqueiros são os mamilos “felizes” (é triste, mas mamilos cegos não são raros), o períneo e a parte externa do ânus. Essa perianal é um problema, quase um tabu para os homens, que dirá o canal retal… Eles têm um potencial de prazer enorme, frequentemente inexplorado, pelos medos de viadagem.

Menos comuns são: axilas, nuca, pescoço, orelhas, canal auditivo, narinas, laterais do tronco, umbigo, virilhas, nádegas e seu rego, parte interna das coxas, parte de trás dos joelhos, pés e seus dedos. Basicamente, onde puder haver cócegas, poderá haver prazer, se o estímulo for o certo.

Outra questão é o tipo de estímulo. Os mais bem sucedidos são a lambida e a sugada. Mas as mordidas leves, a passagem das unhas em intensidade variável, a massagem, a pegada também têm seu lugar.

Ou seja, como disse o amigo politicamente incorreto, “esse negócio de foder é pra proletário (que vale pela prole que produz); tem tanta coisa boa pra se fazer na cama e o cara fica obcecado com os finalmente?”





SUICÍDIO

 



Pessoas que cometem suicídio não querem que a vida acabe; querem que a dor acabe.

Na clínica, nunca combato “aquela coisa”; busco combater a dor.







BOAS INTENÇÕES E TIRANIA - A POLÍTICA GERAL E A DOMÉSTICA



O problema dos tiranos não é falta de boa intenção, o problema é que eles conseguiram excesso de poder, sem ninguém para contrariá-los. Isso não se passa só com Hitler, Stálin, Mao, Fidel Castro, Mussolini, Franco, Costa e Silva e outros ditadores, ou aspirantes a ditadores.

Existe um tirano dormindo dentro de todos nós: a motivação à espera de meios e oportunidade.
O mesmo se passa dentro de famílias. Uma família com muitos membros, irmãos, tios, avós et al. tende a algo parecido com um parlamento: há vários pontos de vista, há alguma diluição de poder, há com quem trocar seu sofrimento, e há, em última instância, um menor tempo de atenção dedicada a cada um: há espaço para vida não vigiada.

O papel dos pais está longe desse negócio de “demonstrações de afeto”, “quality time”, “amor incondicional”. O excesso disso, cheio de boas intenções, tem gerado um bando de mimadinhos incapazes, passarinhos de gaiola que não sabem (nem querem) voar.

Se sua intenção é criar filhos autônomos, capazes e independentes, get a life e SAIA DE CIMA DELES!






 

EM DEFESA DO CONSUMIDOR: COMO ESCOLHER UM PSICANALISTA

 



Antes de mais nada, penso que há uma pergunta a ser respondida, porque eu a ouço muito:
psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, terapeutas, qual a diferença entre eles?

Psiquiatras:
são médicos que estudam a melhor maneira de ajudar quem está mentalmente perturbado através de remédios. Isto é um espetáculo. A psicofarmacologia avançou muitíssimo nas últimas décadas, e os remédios que temos hoje são tão bons que eu diria: não há melhor momento na história da humanidade do que hoje para ser deprimido, neurótico, ansioso, maníaco, psicótico ou qualquer outro distúrbio que, antigamente, levaria você a um hospício.

Psicólogos:
são estudiosos da “alma”, ou, em termos atuais, do software que roda no cérebro e que aparece como comportamentos, pensamentos e outras perturbações (porque eles estudam como o nosso cérebro funciona e como ele nos perturba). Existem muitas maneiras de estudar isto, e muitos mestres olharam este funcionamento por muitos ângulos.

Psicanalistas:
estes psicólogos derivam da maneira de estudar o software cerebral que Freud inaugurou no século XIX. É claro que eu, como psicanalista que sou, vou me deter mais neste jeito de entender o funcionamento da nossa mente. Freud descobriu que nós éramos tão marcados pela nossa educação e pelas pessoas que nos criaram, que acabávamos por carregar este jeito de viver pelo resto de nossas vidas: se ele era favorável e lógico, ótimo, viveríamos bem; se ele era estranho e cruel, acreditaríamos nele e viveríamos mal (ele não falou quase nada da genética, que constitui 50% do que somos).

Terapeutas:
são pessoas que cuidam (terapia é cuidar, é tratamento) de outras. Por isto você tem fisioterapia, logoterapia, quimioterapia e assim por diante, até ter psicoterapias, feitas por psicoterapeutas, que são pessoas que cuidam de você e de sua maneira mental de funcionar. Os psicanalistas podem ser estudiosos apenas (teóricos), ou psicoterapeutas, aqueles que cuidam de pessoas usando a psicanálise como instrumento. É uma das inúmeras maneiras de psicoterapia.

Mas acho que basta. Meu assunto é como escolher um psicanalista terapeuta, alguém que vai cuidar de você com o instrumental que Freud inventou, alguém que vai te prestar um serviço de saúde. Você o contrata e consome o serviço dele.

“Ai, que barbaridade, pensar o cliente como consumidor!”

Sinto muito se feri suscetibilidades, mas imagino que, se você está lendo um caderno sobre psicanálise, está preparado para ler textos eruditos de que você não vai entender 10%. É uma das coisas que me horrorizam em psicanálise, e que sempre me pareceu uma contradição entre termos. Afinal, a psicanálise veio para explicar ou para confundir?

Clínica: do latim, quer dizer “inclinar-se”, para observar e entender.

Pratico a clínica psicanalítica há 45 anos, e fui consumidor desta prestação de serviço durante oito, com dois psicanalistas diferentes. É. Prestação de serviço mesmo, eu pagava (caro) e recebia 50 minutos de suposta atenção.

Assim como quando fui pai, tentei me lembrar de quando era criança e o que funcionava e o que me irritava no jeito de meus pais, quando fui ser psicanalista, prestei bem atenção no que me fez bem e no que me fez mal quando fui cliente. Para aprender com os erros (evitando-os) e com os acertos de meus psicanalistas (tomando-os como modelo).

Você já viu que vai entender tudo o que eu escrever aqui. Gosto de clareza, de transparência, do que é lógico e razoável. Se você gosta de obscuridades, perplexidades e esoterismos, pode pular este artigo. Não é tua praia.

A coisa é simples assim: quantos psicanalistas são necessários para trocar uma lâmpada? Um só, mas é preciso que a lâmpada queira muito ser trocada. Procurei a psicanálise porque me sentia mal comigo mesmo e queria muito me sentir bem. A pergunta seguinte era: o profissional teria o mesmo objetivo? Ele quereria me fazer sentir melhor com o instrumento terapêutico que usava?

Parece uma pergunta besta, não? Mas não é! Há vários psicanalistas que não se sentem comprometidos com a melhora e o bem-estar de seus pacientes (que dirá com a cura de seus sintomas), eles têm como meta “a reflexão sobre os enigmas do seu funcionamento psíquico”, ou pior, “com a sua aceitação da castração” (calma, que eu explico, é algo assim: “o mundo é duro mesmo, e você deve se dobrar e aceitá-lo como é, sem esperar colinho de mãe, que é o mesmo que querer roubá-la de seu pai, representante do mundo cruel. Tenha horror do incesto, o complexo de Édipo”).

De tal maneira que, escolher um psicanalista não é tarefa fácil. Aqui vão algumas sugestões que podem te ajudar, se você ainda não largou a leitura deste blasfemo insolente, ou mesmo desta pessoa desprezível pela sua linguagem chã que qualquer um pode compreender.

A INDICAÇÃO: Ela pode vir de um amigo querido, que tem se sentido cada vez melhor com seu tratamento, e que te diz que nunca saiu de uma sessão pior do que entrou, e que não acredita que “hoje a sessão foi ótima, eu saí de rastos, aos prantos, me sentindo a última das criaturas, porque nós fomos fundo nos meus horrores”. Ela pode vir de artigos que você leu e te deram alívio e compreensão, assinados pelo cara. Ou o mesmo sentimento a partir de livros que ele escreveu, entrevistas que ele deu etc.

O PRIMEIRO CONTATO: Geralmente pelo WhatsApp mensagem ou ligação. É impressionante o que se pode aprender sobre o outro num telefonema: se ele é acolhedor; se é hostil; se é simpático ou não; se é pomposo ou simples; se você se sente confortável na conversa, ou constrangido; se vai te atender logo ou “talvez, se abrir uma vaga, nos próximos meses”. Enfim, minha sugestão é: só vá à entrevista se você se sentir bem com ele ao telefone. De desconforto, já basta a tua vida, você não precisa pagar (caro) por ele!

PERPLEXIDADE: Se o Dr. Fulano te disser alguma coisa que você não entenda, se falar de tal maneira complicada que você chegue a achar que é burro, pode desistir: ele não serve para você.

MUDEZ: Se o Dr. Fulano ficar olhando mudo para você quando você quiser saber algo na entrevista, as chances são de que ele ficará mudo durante a terapia. Por que você há de pagar (caro) para alguém que não diz nada? É teu trabalho se entender? Pois então fale para o espelho. É muito mais barato.

CONTRATO: Sinta-se confortável com um contrato claro de tempos de sessão e de custos. Pergunte sobre férias suas e do terapeuta, quem paga o quê. Pergunte sobre pontualidades (há poucas coisas mais constrangedoras do que encarar colegas numa sala de espera), porque você tem mais o que fazer na vida, e continua sendo uma falta de respeito – em qualquer especialidade médica – te fazer esperar tendo hora marcada. Woody Allen diz em um filme que não podia se suicidar porque seu analista cobraria as sessões que ele faltasse. Contratos precisam ser claros!

COMO EU SAIO DA SESSÃO?: Não deixe ninguém te convencer que sair de rastos, aos prantos e arrasado de uma sessão significa que ela foi “funda e produtiva”. Só significa que o terapeuta pôs mais dor naquilo de que você já se acusava. Ele quer que você se arrependa. É mais barato procurar a igreja católica (nos confessionários).

SENSO DE HUMOR: Se você sentir falta dele no seu terapeuta, significa que ele gosta de drama, e o drama é parte integrante, agravante e fundamental dos seus sintomas. Vá embora! Parte da cura é não se levar tão a sério, não se achar (e a ninguém) tão importante.

Dentro de cem anos, lembre-se, estaremos todos mortos (provavelmente, esquecidos). E, faz parte do meu imaginário aparelho humildificador,

amanhã este artigo será papel de embrulhar peixe…