domingo, 14 de agosto de 2022

SEXO SADOMASOQUISTA - O AMIGO PERGUNTA

 



De Gustavo Wong: “Como funciona o sadomasoquismo no sexo?”

Francisco Daudt: O sadomasoquismo sexual visa passar por cima das barreiras da vergonha e da culpa, que impedem o prazer. Visa driblar os mandamentos morais do Superego. Para isso, ele se combina e se mistura com o domínio/submissão.

A coisa funciona assim: se, ao ter prazer no sexo, a mulher sente medo/vergonha/culpa de se ver como uma puta; se, ao ter prazer anal, o homem sente medo/vergonha/culpa de se ver como viado, essas barreiras impedirão o orgasmo.

O sadomasoquismo e o domínio/submissão funcionam como truque para ultrapassar/manter essas barreiras.

A parte do domínio/submissão: O macho forte domina a mulher, ou o outro homem que, diante daquela força poderosa, “não pode fazer mais nada, tem medo de apanhar e se submete, afinal, ele/ela foi currado/a, não teve saída senão a submissão. “Ah, não foi por vontade minha, eu fui forçado”. Os papéis não são fixos, a mulher pode assumir o papel de “dominatrix” e submeter o homem envergonhado.

Eu disse ultrapassar e manter, pois a vergonha e a culpa não foram questionadas nem resolvidas, elas foram ultrapassadas, dribladas, e se mantêm intactas, voltam com tudo, desafiando e pedindo nova ultrapassagem.

A parte do sadomasoquismo é mais voltada para ultrapassar a culpa. O macho sádico, causando dor no outro, produz uma espécie de “castigo adiantado”, que pune a culpa pelo prazer que ele pode sentir, ao se ver como antimodelo (puta/viado). Ao se sentir punido/a, a culpa estará expiada. Novamente, homem ou mulher podem assumir esse papel: a dominatrix combina domínio com sadismo.

Você vê como a combinação dele com o domínio/submissão funciona: “Faz isso! Ah, não vai fazer? Toma essa chicotada, então!”.

Domínio pela dor: “não posso resistir… tenho medo, e essa coisa dói!” Diante disso, há a entrega; e com a entrega, o orgasmo.

Esse é um enorme problema no caso dos estupros ou dos abusos, em ambos os sexos: eles podem produzir orgasmo… e uma tremenda ressaca moral por isso, o que frequentemente inibe a queixa criminal.

Mas… não há nada tão ruim que não possa piorar: o prazer sexual vem se somar aí ao prazer de enganar o Superego. Foi por isso que Nelson Rodrigues disse: “Essa gente está maluca? Querem tirar o pecado do sexo? Vão acabar com a metade do prazer…”






PREFÁCIO DO LIVRO NOVO (LANÇAMENTO EM BREVE)

 



Tenho horror de prefácio.

Ainda mais num livro que foi escrito para quem não lê, para quem lê só textos pequenos em mídias sociais, para viciados em telinha, para leigos interessados em psicanálise, mas que, com justa razão, largam a leitura ao primeiro termo complicado, para estudantes de psicanálise que querem entender o que leem.

Eu gosto de nheengatu. Os descobridores perguntaram como se chamava a língua daqueles índios que eles encontraram no litoral. “É nheengatu”, disseram os índios. “Mas o que isso quer dizer?” “É língua de gente”, responderam.

Pois então: meu livro fala de psicanálise em língua de gente.

E chega de prefácio.







IGUALDADE? QUE IGUALDADE?



Perguntado sobre o que achava da utopia socialista de igualdade e de modificação cultural do ser humano para eliminar dele a ganância e a inveja, Edward O. Wilson, o pai da sociobiologia, respondeu:

“Eu acho lindo. Pena que se aplique à espécie errada. Se fosse às formigas, térmites e abelhas – que são geneticamente iguais – iria funcionar plenamente. Mas com o sapiens, é um problema. Nós somos uma espécie de indivíduos geneticamente únicos. Se há algo que caracterize nossa espécie, é justamente a diferença que sempre teremos, uns dos outros.”
Mas então, que igualdade é essa da qual tanto se fala e pela qual tanto se luta? Ah, trata-se da igualdade democrática. O pilar da democracia é a igualdade, não entre indivíduos, mas de oportunidades e perante às leis.

Fora dessa, todos teremos o direito de ser diferentes, e de termos nossas diferenças respeitadas, desde que elas respeitem a Constituição.

O Pelé terá talentos assombrosos que eu posso até intimamente invejar (“que injustiça, eu não ter nascido assim”). Mas que, no aprendizado do respeito pelas diferenças, posso vir a apenas admirar…






 

EU NÃO SOU MEU SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 



De Rita Cassia Freitas: “Mas o nosso SuperEgo não é parte da gente?“

Francisco Daudt: Por certo que é. Mas nós somos um só que não é um só, e sim uma soma complexa de componentes interagindo. Quando você diz “meu joelho está doendo”, você o observa como um componente que não “é você”, mas “uma coisa em você”.

Esse “não é você”, traduzido para os softwares mentais que possuímos, dá em “não é o seu Eu”. “Eu não me confundo com esse joelho doendo, Eu não sou assim!”

Quando Freud propôs esse mapa da mente (Ego, Id e Superego - Eu, Algo em mim, O Acima de mim), ele o via como partes separadas e em constante interação. Ele viu o Eu como essa pessoa em quem nos reconhecemos, que tenta gerenciar e negociar, mediando nossos desejos de prazer com as exigências do mundo externo.

Eu tento sublinhar essas diferenças: quando me sinto culpado de algo, penso que o Superego está me dizendo que Eu sou uma pessoa horrível. Se percebo a acusação “terceirizada”, se ela me dói como o joelho, então posso discutir se ela é justa ou não. Se eu aprendi que a acusação vinda do Superego tem como base as leis tirânicas do senso comum, a minha busca por justiça fica facilitada.

Agora, se eu confundo tudo, achando que essas vozes são minhas, do meu Eu, e que Eu sou uma coisa só, perde-se um precioso instrumento de justiça: o conhecimento de onde vem a lei e de quem acusa.

O Superego é malandro, ele nos seduz a crer que somos ele: fodões com superioridade moral, melhores do que todos, críticos do mundo. Só que essa crença é uma faca de dois gumes: passamos facilmente de fodões a merdas, quando ele nos humilha. E continuamos a acreditar que “isso tudo sou Eu”…

“O truque mais esperto do Diabo é convencer-nos de que ele não existe”, disse Baudelaire (1821-1867).






DEUS E O SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Por que, em toda promessa a Deus, o oferecimento, a moeda de troca é um sacrifício, algum tipo de sofrimento?”

Francisco Daudt: Porque qualquer deus - debates metafísicos à parte - tende a ser, para a maioria da humanidade e desde tempos imemoriais, uma projeção externa do nosso Superego.

E a relação que temos com o Superego é sadomasoquista: ele nos ampara e protege, mas em troca nos domina, nos humilha, nos faz sentir culpa, nos impõe penitências… e só então nos perdoa e concede graças. Nós o idealizamos, veneramos, queremos estar à altura de suas exigências.

Mas também nos revoltamos contra ele, trapaceamos, transgredimos suas leis tirânicas, pecamos… e temos a maior ressaca moral disso tudo.

Eis por que entendemos que os deuses/Superego gostam de nos ver sofrendo: é a prova de nossa submissão e devoção a eles.






SAPIENS, O SER TRIBAL

 


(do meu livro “O amigo pergunta - sobre psicanálise, pelas redes sociais”, lançamento em breve)

Mesmo nas cidades, continuamos a viver em tribos. Quer saber a primeira situação em que somos forçados a conviver com extra-tribos: a escola. De onde você pensa que vem o bullying? Do estranhamento com o “diferente”. Aqueles pequenos trogloditas são confrontados com seres de outras tribos, e fazem exatamente o que nossos ancestrais fariam: caem na porrada.

Eis porque as escolas deveriam priorizar o aprendizado da convivência civilizada (leis, governo, obrigações sociais), mais importante do que as matemáticas e geografias. Aliás, com o ensino à distância, creio que esse será o futuro das escolas (mas isso é assunto para outra conversa).









ANTES DE DISCUTIR SOBRE POLÍTICA, DÁ UMA OLHADA NISSO:

 



Karl Popper é meu filósofo da ciência predileto. Ele disse:

“Uma filosofia muito perniciosa poderia ser formulada nessas palavras: ‘As opiniões de uma pessoa são sempre determinadas por seus interesses políticos ou econômicos’.

É muito comum que isso só se aplique ao oponente de alguém, da seguinte forma: ‘se você não vê as coisas como eu as vejo, você deve estar dominado por alguma motivação econômica sinistra’.

A parte pior desse tipo de filosofia é que sua aceitação torna impossível qualquer discussão séria. E conduz à perda de interesse em descobrir a verdade sobre as coisas. Porque, em vez de colocar o problema como ‘Qual é a verdade sobre esse assunto?’, as pessoas simplesmente perguntam: ‘Quais são as suas motivações?’ E esta é, obviamente, uma pergunta de pouca significância.”