De Rita Cassia Freitas: “Mas o nosso SuperEgo não é parte da gente?“
Francisco Daudt: Por certo que é. Mas nós somos um só que não é um só, e sim uma soma complexa de componentes interagindo. Quando você diz “meu joelho está doendo”, você o observa como um componente que não “é você”, mas “uma coisa em você”.
Esse “não é você”, traduzido para os softwares mentais que possuímos, dá em “não é o seu Eu”. “Eu não me confundo com esse joelho doendo, Eu não sou assim!”
Quando Freud propôs esse mapa da mente (Ego, Id e Superego - Eu, Algo em mim, O Acima de mim), ele o via como partes separadas e em constante interação. Ele viu o Eu como essa pessoa em quem nos reconhecemos, que tenta gerenciar e negociar, mediando nossos desejos de prazer com as exigências do mundo externo.
Eu tento sublinhar essas diferenças: quando me sinto culpado de algo, penso que o Superego está me dizendo que Eu sou uma pessoa horrível. Se percebo a acusação “terceirizada”, se ela me dói como o joelho, então posso discutir se ela é justa ou não. Se eu aprendi que a acusação vinda do Superego tem como base as leis tirânicas do senso comum, a minha busca por justiça fica facilitada.
Agora, se eu confundo tudo, achando que essas vozes são minhas, do meu Eu, e que Eu sou uma coisa só, perde-se um precioso instrumento de justiça: o conhecimento de onde vem a lei e de quem acusa.
O Superego é malandro, ele nos seduz a crer que somos ele: fodões com superioridade moral, melhores do que todos, críticos do mundo. Só que essa crença é uma faca de dois gumes: passamos facilmente de fodões a merdas, quando ele nos humilha. E continuamos a acreditar que “isso tudo sou Eu”…
“O truque mais esperto do Diabo é convencer-nos de que ele não existe”, disse Baudelaire (1821-1867).