Stephen Kanitz me pede: “Expanda mais sobre o tribalismo. É exatamente isso que acho que acontece no Brasil.”
Foi a partir de um diagnóstico que fiz em “Um impaciente chamado Brasil”:
“O vício que assola o Brasil é o tribalismo fodão/merda. A política do “nós contra eles”, que vem sendo cultivada há anos, ganhou o impulso das mídias sociais para se tornar guerra viciosa: a dopamina (neurotransmissor do prazer) que inunda o cérebro a cada vez que xingo, humilho, rotulo o outro de merda, se torna nossa dependência, nossa razão de viver.”
Tentando expandir, então:
A tribo é o grupamento-base do sapiens desde seu surgimento, cerca de 70 mil anos atrás. Ela continua a existir: pode reparar que seus conhecidos, parentes e amigos nunca passam de 200 (não vale contar os de mídia social).
A tribo é cooperativa, o altruísmo recíproco é estimulado pelo afeto e pelos laços sociais; os comportamentos predatórios são inibidos pela abundância de testemunhas e pelo medo de má fama/desamparo.
A civis, a polis, a cidade de milhares/milhões de habitantes é completamente antinatural, já que nosso software de sobrevivência considera o estranho como inimigo, até que provado em contrário.
Para conviver com esses estranhos/inimigos, foram criadas as leis e o Estado que as aplica. Foram inventadas a civilização, a civilidade, as boas maneiras, a “educação/polidez”, que são amortecedores da hostilidade natural que os estranhos nos despertam.
Foram inventados os “extensores de familiaridade”: ilusões que se esforçam para estender nossa ideia de tribo à cidade, ao estado, ao país. Assim, somos todos “uma grande família”: os cariocas, os fluminenses, os brasileiros. Elas diminuem nossos sentimentos hostis para com os estranhos e eventualmente aumentam nossa simpatia por eles.
Mas a natureza humana continua latente e imutável: nosso tribalismo hostil a outras tribos sempre se manifestou em disputas de superioridade e de poder. Daí vêm as guerras de torcidas de futebol, p.ex., ou os conflitos políticos. Lembro-me bem do ódio que lacerdistas e getulistas se devotavam mutuamente. Mas suas manifestações eram muito restritas, esse ódio era pouco danoso, por consequência.
Não havia meios e/ou oportunidades para que a motivação odiosa resultasse em dano.
Isso mudou, hoje existem abundantes meios e oportunidades: as mídias sociais e o algoritmo que dá palanque às tretas. Quando mais ódio e insulto, quanto mais reação violenta a postagem causar, mais prêmio de divulgação; a natureza humana adora a proeminência social, o que torna a violência mais sedutora ainda.
Isso estimula a reatividade e inibe a reflexão. O rótulo ganha da argumentação, por ser curto, por ser rápido, por ser rasteiro e fácil de compreender. Cada vez mais o algoritmo opera uma seleção adversa: dá voz e prêmio aos imbecis (Umberto Eco) e inibe os reflexivos.
Os suavizadores da convivência (civilidade, polidez, educação) vão para o espaço, e as tribos hostis só fazem se multiplicar: amigos e familiares da tribo original se dividindo, tornando-se inimigos, cultivando rancores em nome de uma suposta sensação de superioridade.
Esse é meu diagnóstico estendido. Não sei a cura…