(Eles estudam a espécie; a psicanálise estuda o indivíduo)
A psicanálise que busco construir se vale da psicologia evolucionista e da neurociência (que estudam a mente da espécie) para estudar a mente do indivíduo.
Estudar a mente do indivíduo implica conhecer infinitos vetores, um de cada vez, entendendo como eles interferem na resultante. E assim mesmo só ter uma pálida ideia, pois não há complexidade igual sobre a face da Terra.
Ela começa contemplando o genérico: reprodução e sobrevivência como drives (impulsos) básicos, um buscando o prazer, o outro evitando o desprazer; softwares genéticos, como tipos mentais (orientação sexual, “cabeça de homem”, “cabeça de mulher”, obsessividade, herança para vício, para depressão, inteligências abrangentes ou especializadas, e seus vários níveis, capacidades de reflexão/reação etc.).
Levando tudo isso em conta, volta-se para a pessoa, começa a entender como se deu o embate desejo/cultura naquele indivíduo. Como ele negociou sua busca de prazer frente ao medo do desamparo por desagradar seu ambiente familiar; de que características pessoais ele teve que abrir mão, por conta desse embate; que crenças disfuncionais absorveu, como decorrência do embate; que distorções sofreu seu desejo (a psicanálise que busco não considera a vontade de se drogar como parte do Desejo, senão que a vê como uma distorção, um paliativo do desejo).
Toda essa pesquisa e investigação se dá, em psicanálise, por engenharia reversa: o cliente chega com seu sofrimento, sua doença, seus sintomas. O pressuposto psicanalítico é que esse sofrimento é fruto daquele embate desejo/cultura (quando se fala “cultura” aqui, se supõe o atropelamento que o senso comum produz sobre as singularidades do indivíduo, começando pela família, continuando fora dela). É a partir dessas doenças/sintomas que se vai investigando e deduzindo, tanto o desejo mais autêntico, quanto seus atrapalhadores.
Essa psicanálise que faço define saúde mental como a eficiente negociação com o mundo para a realização dos desejos do indivíduo. Considera como doença todos os atrapalhadores dessa negociação, que levam à distorção de seu desejo.
Não vejo conflito de interesses, portanto, entre as ciências da mente e a psicanálise. O estudo da espécie serve ao indivíduo; o estudo do indivíduo serve à compreensão da espécie. Uma ajuda a outra.