quarta-feira, 8 de junho de 2022

O TIJOLO E A CATEDRAL

 



Um frade fez a mesma pergunta a dois pedreiros na obra da Notre Dame de Paris: "O que você está fazendo?"

O primeiro respondeu: "Estou assentando uma fileira de tijolos".

O segundo se pôs de pé e respondeu: “Eu estou construindo uma catedral!"

Ambas importam:

Em breve, sairá um livro meu: “O amigo pergunta - sobre psicanálise, pelas mídias sociais”.

Ele será um tijolo maior, feito de tijolinhos de postagens minhas aqui no Facebook, na construção da minha catedral…





POR QUE EU QUERO TRAZER A PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA PARA A PSICANÁLISE? - O AMIGO PERGUNTA

 



O professor Stephen Kanitz me fez essa pergunta, e aqui a respondo, da forma mais concisa possível:

É porque as duas estudam o sapiens por ângulos complementares: a psicologia evolucionista contempla a espécie; a psicanálise contempla o indivíduo.

A meu ver, não há como entender o indivíduo sem saber as forças biológicas da espécie que nele operam.

Os culturalistas, aqueles que creem que o ser humano nasce como uma folha em branco, onde a cultura tudo escreverá (poderíamos ser ensinados a ter tesão num rinoceronte?), cometem um erro grave ao negar as forças biológicas que operam em nós, mas…

…tocam na condição biológica que dá tanta força para que a cultura nos modele: a necessidade de amparo.

Nenhum outro animal nasce tão impotente, tão necessitado de amparo quanto nós. Em minutos, um bezerro ou um portrinho se põem de pé e buscam a teta da mãe. Um bebê humano, deixado sobre uma mesa plana, morrerá de fome e sede ali mesmo: não consegue nem CAIR DA MESA.

Pela vida afora nós faremos QUALQUER NEGÓCIO para acalmar nosso medo principal: o medo de desamparo.

Esse é o principal fator biológico a agir sobre nosso comportamento. Mas nem de longe é o único.

É por isso que quero me valer da psicologia evolucionista. 





O QUE É UM RACIONALISTA? - O AMIGO PERGUNTA

 



De Delba Monducci: O que é um racionalista? Como ele evita a vaidade humana quanto ao saber? Neste tópico, Popper é o quê, racionalista ou assertivo?

Francisco Daudt: Delba, um racionalista é aquele que, como eu, considera o Iluminismo uma virada na história da humanidade.

A partir do Iluminismo, passaram a ter lugar no mundo a razão, a lógica, a humildade do não saber, o assumir da ignorância, não como motivo de orgulho (como fazem muitos, atualmente), mas como base da vontade de aprender, do desejo epistemológico (da busca do conhecimento verdadeiro), do apreço pela ciência, pelo teste de refutação de nossas hipóteses.

Novamente, como disse Karl Popper, o racionalista é aquele que valoriza mais sua vontade de aprender que sua vaidade do saber.

A virtude da humildade é, como todas as virtudes, fruto de uma construção. Não existe humildade de prazer imediatista, como o é o exibicionismo vaidoso. Ela pede um treino diário.

Em tempos de Facebook, treino-a quando surge um comentário debochado, provocativo, “demolidor” por suas supostas certezas. É quando tento abrir espaço para o debate, tento uma respeitosa e humilde resposta que atenda, sem outros adjetivos, o substantivo, a substância da questão.

Ok, se ele for insultuoso, eu simplesmente bloqueio o “amigo”. Vejo a treta como algo que não visa convencer - e não convence nem vence - atrito que não traz luz, só calor inflamado…
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Iluminismo, por Immanuel Kant (1724 – 1804).
“O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma menoridade que estes mesmos se impuseram a si. (…) Sapere aude! [Ouse saber!] Tem coragem para fazer uso da tua própria razão!”





domingo, 10 de abril de 2022

DE UM PSICANALISTA PARA NEUROCIENTISTAS E EVOLUCIONISTAS

 



(Eles estudam a espécie; a psicanálise estuda o indivíduo)

A psicanálise que busco construir se vale da psicologia evolucionista e da neurociência (que estudam a mente da espécie) para estudar a mente do indivíduo.

Estudar a mente do indivíduo implica conhecer infinitos vetores, um de cada vez, entendendo como eles interferem na resultante. E assim mesmo só ter uma pálida ideia, pois não há complexidade igual sobre a face da Terra.

Ela começa contemplando o genérico: reprodução e sobrevivência como drives (impulsos) básicos, um buscando o prazer, o outro evitando o desprazer; softwares genéticos, como tipos mentais (orientação sexual, “cabeça de homem”, “cabeça de mulher”, obsessividade, herança para vício, para depressão, inteligências abrangentes ou especializadas, e seus vários níveis, capacidades de reflexão/reação etc.).

Levando tudo isso em conta, volta-se para a pessoa, começa a entender como se deu o embate desejo/cultura naquele indivíduo. Como ele negociou sua busca de prazer frente ao medo do desamparo por desagradar seu ambiente familiar; de que características pessoais ele teve que abrir mão, por conta desse embate; que crenças disfuncionais absorveu, como decorrência do embate; que distorções sofreu seu desejo (a psicanálise que busco não considera a vontade de se drogar como parte do Desejo, senão que a vê como uma distorção, um paliativo do desejo).

Toda essa pesquisa e investigação se dá, em psicanálise, por engenharia reversa: o cliente chega com seu sofrimento, sua doença, seus sintomas. O pressuposto psicanalítico é que esse sofrimento é fruto daquele embate desejo/cultura (quando se fala “cultura” aqui, se supõe o atropelamento que o senso comum produz sobre as singularidades do indivíduo, começando pela família, continuando fora dela). É a partir dessas doenças/sintomas que se vai investigando e deduzindo, tanto o desejo mais autêntico, quanto seus atrapalhadores.

Essa psicanálise que faço define saúde mental como a eficiente negociação com o mundo para a realização dos desejos do indivíduo. Considera como doença todos os atrapalhadores dessa negociação, que levam à distorção de seu desejo.

Não vejo conflito de interesses, portanto, entre as ciências da mente e a psicanálise. O estudo da espécie serve ao indivíduo; o estudo do indivíduo serve à compreensão da espécie. Uma ajuda a outra.



“EU ACHAVA QUE A PSICANÁLISE ERA UMA PSEUDOCIÊNCIA PERIGOSA…” - O AMIGO PERGUNTA

 



Francisco Daudt: E você, Samuel Fernando, tinha/tem muitas razões para achar isso.

Eu próprio também acho que ela vive esse risco. Não conheço muitos psicanalistas que se preocupem com epistemologia, que declarem suas bases para a busca do conhecimento verdadeiro.

Não acredito que a psicanálise venha a ser uma ciência, algum dia. Sua pesquisa é muito pessoal, muito dependente da postura do psicanalista. Mas ela pode se valer dos instrumentos científicos para sua busca de verdade.

No meu caso, escolhi o filósofo da ciência Karl Popper e sua refutabilidade das hipóteses, como meu norte: seja claro no que você propõe ao cliente, e dê a ele toda a liberdade de dizer que você está errado. Só tome como aproximadamente certa a hipótese que for confirmada sem hesitação.

O problema é que a psicanálise requer gente inteligente que também dê valor às ciências exatas, não só às humanas. O culturalismo é uma praga, na psicanálise; a aversão à psicologia evolucionista, a qualquer influência biológica no funcionamento da mente, é uma tristeza.

Acreditar na tábula rasa, que nossa mente é uma folha em branco em que a cultura escreverá tudo, é o maior risco de reducionismo que a psicanálise corre. É deixar de lado um componente crucial da nossa complexidade.

Afora o triste fato da seleção adversa que uma psicanálise obscura, hermética e “poética” promove: gente que não entende o que lê ou ouve, e tem vergonha de admitir isso, passa a se enganar e achar que entende, passa a mistificar e humilhar terceiros com sua suposta sapiência: seleção garantida de crentes do fodão/merda…



ENSINANDO PSICANÁLISE

 



Sempre fiquei intrigado com o termo “análise didática”, que se dizia como fundamental para a formação psicanalítica. Imaginava que o candidato seria analisado, e seu didata lhe explicaria os conceitos analíticos que se aplicavam a seu caso.

Depois, na minha própria formação, descobri que não era nada daquilo. Era uma psicanálise pessoal regular, só que feita por um psicanalista didata (um título outorgado pela sua instituição de origem).

Pois acabei inventando um jeito de ensinar psicanálise muito baseado naquela minha primeira compreensão do termo: meu orientando/aluno tem uma hora semanal para me falar de seus dramas, de seus sintomas, de sua história, e eu, em vez de tratá-lo, mostro como a teoria psicanalítica se aplica a ele e a seus eventos psíquicos. Indico a bibliografia relacionada. Ele aprende psicanálise na própria pele.

Apresento aqui alguns deles, uns interessados em se formar psicanalistas clínicos, outros em conhecer teoria psicanalítica. Seus endereços de Instagram (quando os há) vêm em parênteses, logo a seguir do nome:

Eduardo Affonso (@eduardo_alves_affonso); Renato Capper; Lucas Peccin (@lucaspeccin); Samuel Fernando (@samuel_fernando33); Pedro Buarque Bisaglia (@pedrobisaglia); Guilherme Veiga; Gustavo Wong (@gustavowb_); Claudio Kuyven (@claudiokuyven); Daniel Vicente(@daniel_vicente_psi); Fernanda Wainer (@nacasadananda); Stella Veiga. 





A IMORTAL E A NOSSA MESA DO GUIMAS

 



Eu e o Marco De Bellis temos ido almoçar aos sábados no Guimas quase que mensalmente (pausa pandêmica, claro) nos últimos 30 anos.

Como bons obsessivos, o ritual é sempre o mesmo: chegamos pontualmente às 12h e sempre somos os primeiros a entrar, nos sentando à mesma mesa junto à janela… exceto por uma vez, há uns 15 anos:
quando entramos, nossa mesa estava tomada pela Fernanda Montenegro e um pequeno grupo. Fui até lá:
“Fernanda, você está ocupando a nossa mesa”, disse-lhe eu.

“Oh, desculpe, eu não sabia…”, disse-me ela.

“Mas eu estive pensando, você já me deu tantas alegrias na vida e eu nunca pude retribuir em nada… Bem, chegou a hora então: pode ficar com a mesa!”

Ela sorriu, muito agradecida. Como haviam começado o almoço cedo, terminaram antes de nós. Fernanda veio à nossa mesa e se dirigiu a mim:

“Muito obrigada, outra vez. Sua mesa realmente é ótima.”

E foi assim que consegui fazer alguma coisa pela nova imortal da Academia…