domingo, 10 de abril de 2022

DRAMA E TIRANIA - O AMIGO PERGUNTA

 



De Bony Schachter: ”Por que somos propensos a fazer drama de tudo?”

Francisco Daudt: O drama é uma arma de poder tirânico: ele dá senso de urgência (majoritariamente desnecessário) e pede uma solução simplória. Ora, a boa justiça pede diálogo e reflexão (acusação e defesa); a justiça sumária que o drama exige elimina o tempo para reflexão, exige reação. O ditador executa, a democracia parlamentar parlamenta antes de o executivo executar.

Eis porque o drama é o combustível perfeito para nosso tirano interno: o Superego.



TRÊS LIÇÕES DE HUMILDADE

 



Copérnico (1473 – 1543) nos mostrou que não éramos o centro do universo: era a Terra que girava em torno do Sol, e não o contrário.

Darwin (1809 – 1882) nos mostrou que não éramos uma criação em separado, acima de todos os outros animais: somos todos parentes, temos instintos como eles. O que nos diferencia é a triste consciência de nossa fragilidade e de que vamos morrer.

Freud (1856 – 1939) nos mostrou que somos manipulados sem saber por nossa biologia e nossa criação. Somos, na maior parte do tempo, um joguete dessas forças inconscientes.

Ou seja, não mandamos nem no nosso próprio quintal…



F.O.M.O. E A LÓGICA DO TIK-TOK/REELS

 



O vício do f.o.m.o. (“Fear of missing out”, medo de estar perdendo alguma coisa mais interessante) encontra nos videozinhos curtos do tik-tok/Reels sua melhor tradução.

A lógica neles contida é excitar, mas não satisfazer. Dessa maneira, mantém aberto o apetite (ou a “f.o.m.e.”) e a compulsão de ver o próximo, e o próximo, e o próximo, sem nunca ter seu desejo saciado.

Ouço relatos de clientes que passam horas correndo os vídeos…


QUER FICAR REALMENTE EMOCIONADO? LEIA ISTO: (Parece que é sobre a guerra, mas é sobre a Natureza Humana)

 



“Por que Vladimir Putin já perdeu esta guerra”
Yuval Noah Harari

“Com menos de uma semana de guerra, parece cada vez mais provável que Vladimir Putin esteja caminhando para uma derrota histórica. Ele pode ganhar todas as batalhas, mas ainda assim perder a guerra. O sonho de Putin de reconstruir o império russo sempre se baseou na mentira de que a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um povo real e que os habitantes de Kiev, Kharkiv e Lviv anseiam pelo governo de Moscou. Isso é uma mentira completa – a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história, e Kiev já era uma grande metrópole quando Moscou ainda não era uma vila. Mas o déspota russo contou sua mentira tantas vezes que aparentemente ele mesmo acredita nela.

Ao planejar sua invasão da Ucrânia, Putin podia contar com muitos fatos conhecidos. Ele sabia que militarmente a Rússia supera a Ucrânia. Ele sabia que a Otan não enviaria tropas para ajudar a Ucrânia. Ele sabia que a dependência europeia do petróleo e do gás russos faria países como a Alemanha hesitarem em impor sanções rígidas. Com base nesses fatos conhecidos, seu plano era atingir a Ucrânia com força e rapidez, decapitar seu governo, estabelecer um regime fantoche em Kiev e enfrentar as sanções ocidentais.

Mas havia uma grande incógnita sobre esse plano. Como os americanos aprenderam no Iraque e os soviéticos aprenderam no Afeganistão, é muito mais fácil conquistar um país do que conservá-lo. Putin sabia que tinha o poder de conquistar a Ucrânia. Mas o povo ucraniano simplesmente aceitaria o regime fantoche de Moscou? Putin apostou que sim. Afinal, como ele explicou repetidamente a qualquer pessoa disposta a ouvir, a Ucrânia não é uma nação real, e os ucranianos não são um povo real. Em 2014, as pessoas na Crimeia dificilmente resistiram aos invasores russos. Por que 2022 deveria ser diferente?

A cada dia que passa, fica mais claro que a aposta de Putin está falhando. O povo ucraniano está resistindo de todo coração, conquistando a admiração do mundo inteiro – e vencendo a guerra. Muitos dias sombrios estão por vir. Os russos ainda podem conquistar toda a Ucrânia. Mas para vencer a guerra, os russos teriam que controlar a Ucrânia, e eles só podem fazer isso se o povo ucraniano permitir. Isso parece cada vez mais improvável de acontecer.

Cada tanque russo destruído e cada soldado russo morto aumenta a coragem dos ucranianos de resistir. E cada ucraniano morto aprofunda o ódio dos ucranianos pelos invasores. O ódio é a mais feia das emoções. Mas para as nações oprimidas, o ódio é um tesouro escondido. Enterrado no fundo do coração, pode sustentar a resistência por gerações. Para restabelecer o império russo, Putin precisa de uma vitória relativamente sem derramamento de sangue que levará a uma ocupação relativamente sem ódio. Ao derramar cada vez mais sangue ucraniano, Putin garante que seu sonho nunca será realizado. Não será o nome de Mikhail Gorbachev escrito na certidão de óbito do império russo: será o de Putin. Gorbachev deixou russos e ucranianos se sentindo como irmãos; Putin os transformou em inimigos e garantiu que a nação ucraniana daqui em diante se defina em oposição à Rússia.

Em última análise, as nações são construídas sobre histórias. Cada dia que passa acrescenta mais histórias que os ucranianos contarão não apenas nos dias sombrios que virão, mas nas próximas décadas e gerações. O presidente que se recusou a fugir da capital, dizendo aos EUA que precisa de munição, não de carona; os soldados da Ilha das Cobras que mandaram um navio de guerra russo “vá se foder”; os civis que tentaram parar os tanques russos sentando-se em seu caminho. Este é o material de que as nações são construídas. A longo prazo, essas histórias contam mais do que tanques.

O déspota russo deveria saber disso tão bem quanto qualquer um. Quando criança, ele cresceu com uma dieta de histórias sobre as atrocidades alemãs e a bravura russa no cerco de Leningrado. Ele agora está produzindo histórias semelhantes, mas se colocando no papel de Hitler.

As histórias de bravura ucraniana dão determinação não apenas aos ucranianos, mas ao mundo inteiro. Eles dão coragem aos governos das nações europeias, ao governo dos EUA e até mesmo aos cidadãos oprimidos da Rússia. Se os ucranianos se atrevem a parar um tanque com as próprias mãos, o governo alemão pode ousar fornecer-lhes alguns mísseis antitanque, o governo dos EUA pode ousar cortar a Rússia do Swift, e os cidadãos russos podem ousar demonstrar sua oposição a esse absurdo. guerra.

Todos podemos nos inspirar a ousar fazer algo, seja fazer uma doação, receber refugiados ou ajudar na luta online. A guerra na Ucrânia moldará o futuro do mundo inteiro. Se a tirania e a agressão vencerem, todos sofreremos as consequências. Não vale a pena permanecer apenas observadores. É hora de se levantar e ser contado.

Infelizmente, essa guerra provavelmente será duradoura. Tomando diferentes formas, pode muito bem continuar por anos. Mas a questão mais importante já foi decidida. Os últimos dias provaram ao mundo inteiro que a Ucrânia é uma nação muito real, que os ucranianos são um povo muito real e que definitivamente não querem viver sob um novo império russo. A principal questão deixada em aberto é quanto tempo levará para que essa mensagem penetre nas grossas paredes do Kremlin.”

Yuval Noah Harari é historiador e autor de Sapiens: Uma Breve História da Humanidade



SENTIMENTO DE CULPA

 



1958 - Calouro sofre, e não era diferente quando entrei no Santo Inácio. Os alunos do Admissão sofriam bullying dos veteranos, que nos chamavam de “bebês”.

Entre os veteranos havia um anão, que resolveu entrar na onda e me chamou de bebê. “Olha quem fala…”, debochei de volta. O colega dele me mandou um olhar prenhe de censura, apontando para a condição especial do mini-bully.

Morri de sentimento de culpa. Tanto, que resolvi me confessar. Chegado ao confessionário, não sabia qual mandamento teria transgredido, mas meu crime se parecia muito mais com um pecado mortal do que qualquer dos atos libidinosos que praticava assídua e solitariamente.

Expliquei meu crime ao padre, ele não se impressionou, me despachou com uma merreca de três ave-marias como penitência. Eles só gostavam do 6º mandamento. Só pensavam “naquilo”…



O VÍCIO FODÃO/MERDA: UMA FACE DO SADOMASOQUISMO - O AMIGO PERGUNTA

 




Samuel Fernando: “Por que o vício fodão/merda (f&m) é sadomasoquista?”

Francisco Daudt: É de se esperar, esse estranhamento. Quando se pensa em sadomasoquismo, pensa-se numa prática sexual bizarra, com couro, botas, chicotes e algemas. Nunca se pensa num hábito do dia-a-dia, numa prática comum entre colegas de escola, funcionários de escritório, casais, membros da mesma família, “amigos” de redes sociais.

No entanto, o bullying, o assédio moral, a humilhação, o cancelamento, ou qualquer prática que implique fazer os outros sofrerem (sadismo); ou quando alguém se entrega à vitimização, ao deboche e ao sofrimento autoinfligido (masoquismo), de maneira compulsiva e sistemática, isso também se configura como um vício: o vício sadomasoquista.

Lembrando: sua face fodão/merda (f&m) acontece quando uma pessoa se torna dependente de humilhar terceiros, fazê-los de merda, para se sentir superior, se engrandecer a seus olhos e aos olhos dos espectadores, se sentir fodão.

Até o f&m sofre influência da moda: a atual tendência a mostrar superioridade moral nas tretas das mídias sociais é totalmente f&m. O mesmo vale para os caçadores de ofensas. O ofendido exibe sua virtude ao apontar o crime do ofensor, pede seu cancelamento, seu linchamento público: é o fodão “do bem” humilhando o merda, “em nome de valores elevados que ele possui”.

Esse sadomasoquismo f&m começa dentro da cabeça, numa relação perversa entre nós e nosso Superego. Absorvemos, por humilhação externa, a crença de que somos insuficientes, de que devemos ser, no fundo, uns merdas. Nosso Superego sádico nos acusa, julga e humilha, e nós, passivos e masoquistas desse maltrato interno, buscamos alívio através de nós igualar ao Superego sádico e dizer que “merda são os outros”.

É esta a origem do sadomasoquismo f&m: terceirizamos o maltrato de que um dia fomos vítimas. Nós nos tornamos os agressores, e isso nos parece melhor do que sermos os agredidos. Como naquela brincadeira idiota do colégio, o “passa adiante senão vira elefante”: não questionamos o cascudo que o da carteira de trás nos deu, pois dar o cascudo no da frente nos trouxe alívio…



TÉCNICA PSICANALÍTICA - O AMIGO PERGUNTA

 



Alberto Maia: “Que livro de técnica psicanalítica você sugere?”

Francisco Daudt: Nenhum. Vou te contar como se desenvolveu a minha técnica, e daí tire suas próprias conclusões.

É claro que tive dois modelos principais: Freud e meu analista formador, que era freudiano. Li e olhei o que eles diziam e faziam. Deduzi que Freud construiu sua técnica de acordo com seus propósitos. A coisa do divã e da poltrona por trás vieram da hipnose, somada ao fato de ele querer escrever sem que o cliente visse, e de não gostar de ser encarado pelos clientes.

Quando defini meus propósitos psicanalíticos, construí uma técnica para servi-los. É tudo uma sequência lógica: se meus propósitos são estar a serviço do cliente para sua busca da felicidade, devo saber qual o caminho; se creio que esse caminho é o conhecimento do desejo e dos atrapalhadores à sua realização, quero o melhor meio de investigá-los; se estou convencido de que o Superego faz parte dos atrapalhadores, não posso ser um representante do Superego, não posso estar acima do cliente, não posso julgá-lo, fazê-lo sentir-se culpado, humilhado, envergonhado. Quero ser parceiro dele, olhar com ele seus problemas, conhecer com ele seus desejos.

Isso é um começo de conversa. Que se traduz numa técnica, numa postura: quero ser afável, empático, bem-humorado, não fazedor de drama, não misterioso e nem enigmático, não posso deixar o cliente esperando (pontualidade) e quero ter disponibilidade previsível (tempo certo de sessão).

O atendimento on-line, portanto, não foi nenhuma mudança drástica: já não uso o divã há anos. Além de os clientes não pegarem trânsito nem procurarem vaga.