domingo, 10 de abril de 2022

QUER FICAR REALMENTE EMOCIONADO? LEIA ISTO: (Parece que é sobre a guerra, mas é sobre a Natureza Humana)

 



“Por que Vladimir Putin já perdeu esta guerra”
Yuval Noah Harari

“Com menos de uma semana de guerra, parece cada vez mais provável que Vladimir Putin esteja caminhando para uma derrota histórica. Ele pode ganhar todas as batalhas, mas ainda assim perder a guerra. O sonho de Putin de reconstruir o império russo sempre se baseou na mentira de que a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um povo real e que os habitantes de Kiev, Kharkiv e Lviv anseiam pelo governo de Moscou. Isso é uma mentira completa – a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história, e Kiev já era uma grande metrópole quando Moscou ainda não era uma vila. Mas o déspota russo contou sua mentira tantas vezes que aparentemente ele mesmo acredita nela.

Ao planejar sua invasão da Ucrânia, Putin podia contar com muitos fatos conhecidos. Ele sabia que militarmente a Rússia supera a Ucrânia. Ele sabia que a Otan não enviaria tropas para ajudar a Ucrânia. Ele sabia que a dependência europeia do petróleo e do gás russos faria países como a Alemanha hesitarem em impor sanções rígidas. Com base nesses fatos conhecidos, seu plano era atingir a Ucrânia com força e rapidez, decapitar seu governo, estabelecer um regime fantoche em Kiev e enfrentar as sanções ocidentais.

Mas havia uma grande incógnita sobre esse plano. Como os americanos aprenderam no Iraque e os soviéticos aprenderam no Afeganistão, é muito mais fácil conquistar um país do que conservá-lo. Putin sabia que tinha o poder de conquistar a Ucrânia. Mas o povo ucraniano simplesmente aceitaria o regime fantoche de Moscou? Putin apostou que sim. Afinal, como ele explicou repetidamente a qualquer pessoa disposta a ouvir, a Ucrânia não é uma nação real, e os ucranianos não são um povo real. Em 2014, as pessoas na Crimeia dificilmente resistiram aos invasores russos. Por que 2022 deveria ser diferente?

A cada dia que passa, fica mais claro que a aposta de Putin está falhando. O povo ucraniano está resistindo de todo coração, conquistando a admiração do mundo inteiro – e vencendo a guerra. Muitos dias sombrios estão por vir. Os russos ainda podem conquistar toda a Ucrânia. Mas para vencer a guerra, os russos teriam que controlar a Ucrânia, e eles só podem fazer isso se o povo ucraniano permitir. Isso parece cada vez mais improvável de acontecer.

Cada tanque russo destruído e cada soldado russo morto aumenta a coragem dos ucranianos de resistir. E cada ucraniano morto aprofunda o ódio dos ucranianos pelos invasores. O ódio é a mais feia das emoções. Mas para as nações oprimidas, o ódio é um tesouro escondido. Enterrado no fundo do coração, pode sustentar a resistência por gerações. Para restabelecer o império russo, Putin precisa de uma vitória relativamente sem derramamento de sangue que levará a uma ocupação relativamente sem ódio. Ao derramar cada vez mais sangue ucraniano, Putin garante que seu sonho nunca será realizado. Não será o nome de Mikhail Gorbachev escrito na certidão de óbito do império russo: será o de Putin. Gorbachev deixou russos e ucranianos se sentindo como irmãos; Putin os transformou em inimigos e garantiu que a nação ucraniana daqui em diante se defina em oposição à Rússia.

Em última análise, as nações são construídas sobre histórias. Cada dia que passa acrescenta mais histórias que os ucranianos contarão não apenas nos dias sombrios que virão, mas nas próximas décadas e gerações. O presidente que se recusou a fugir da capital, dizendo aos EUA que precisa de munição, não de carona; os soldados da Ilha das Cobras que mandaram um navio de guerra russo “vá se foder”; os civis que tentaram parar os tanques russos sentando-se em seu caminho. Este é o material de que as nações são construídas. A longo prazo, essas histórias contam mais do que tanques.

O déspota russo deveria saber disso tão bem quanto qualquer um. Quando criança, ele cresceu com uma dieta de histórias sobre as atrocidades alemãs e a bravura russa no cerco de Leningrado. Ele agora está produzindo histórias semelhantes, mas se colocando no papel de Hitler.

As histórias de bravura ucraniana dão determinação não apenas aos ucranianos, mas ao mundo inteiro. Eles dão coragem aos governos das nações europeias, ao governo dos EUA e até mesmo aos cidadãos oprimidos da Rússia. Se os ucranianos se atrevem a parar um tanque com as próprias mãos, o governo alemão pode ousar fornecer-lhes alguns mísseis antitanque, o governo dos EUA pode ousar cortar a Rússia do Swift, e os cidadãos russos podem ousar demonstrar sua oposição a esse absurdo. guerra.

Todos podemos nos inspirar a ousar fazer algo, seja fazer uma doação, receber refugiados ou ajudar na luta online. A guerra na Ucrânia moldará o futuro do mundo inteiro. Se a tirania e a agressão vencerem, todos sofreremos as consequências. Não vale a pena permanecer apenas observadores. É hora de se levantar e ser contado.

Infelizmente, essa guerra provavelmente será duradoura. Tomando diferentes formas, pode muito bem continuar por anos. Mas a questão mais importante já foi decidida. Os últimos dias provaram ao mundo inteiro que a Ucrânia é uma nação muito real, que os ucranianos são um povo muito real e que definitivamente não querem viver sob um novo império russo. A principal questão deixada em aberto é quanto tempo levará para que essa mensagem penetre nas grossas paredes do Kremlin.”

Yuval Noah Harari é historiador e autor de Sapiens: Uma Breve História da Humanidade



SENTIMENTO DE CULPA

 



1958 - Calouro sofre, e não era diferente quando entrei no Santo Inácio. Os alunos do Admissão sofriam bullying dos veteranos, que nos chamavam de “bebês”.

Entre os veteranos havia um anão, que resolveu entrar na onda e me chamou de bebê. “Olha quem fala…”, debochei de volta. O colega dele me mandou um olhar prenhe de censura, apontando para a condição especial do mini-bully.

Morri de sentimento de culpa. Tanto, que resolvi me confessar. Chegado ao confessionário, não sabia qual mandamento teria transgredido, mas meu crime se parecia muito mais com um pecado mortal do que qualquer dos atos libidinosos que praticava assídua e solitariamente.

Expliquei meu crime ao padre, ele não se impressionou, me despachou com uma merreca de três ave-marias como penitência. Eles só gostavam do 6º mandamento. Só pensavam “naquilo”…



O VÍCIO FODÃO/MERDA: UMA FACE DO SADOMASOQUISMO - O AMIGO PERGUNTA

 




Samuel Fernando: “Por que o vício fodão/merda (f&m) é sadomasoquista?”

Francisco Daudt: É de se esperar, esse estranhamento. Quando se pensa em sadomasoquismo, pensa-se numa prática sexual bizarra, com couro, botas, chicotes e algemas. Nunca se pensa num hábito do dia-a-dia, numa prática comum entre colegas de escola, funcionários de escritório, casais, membros da mesma família, “amigos” de redes sociais.

No entanto, o bullying, o assédio moral, a humilhação, o cancelamento, ou qualquer prática que implique fazer os outros sofrerem (sadismo); ou quando alguém se entrega à vitimização, ao deboche e ao sofrimento autoinfligido (masoquismo), de maneira compulsiva e sistemática, isso também se configura como um vício: o vício sadomasoquista.

Lembrando: sua face fodão/merda (f&m) acontece quando uma pessoa se torna dependente de humilhar terceiros, fazê-los de merda, para se sentir superior, se engrandecer a seus olhos e aos olhos dos espectadores, se sentir fodão.

Até o f&m sofre influência da moda: a atual tendência a mostrar superioridade moral nas tretas das mídias sociais é totalmente f&m. O mesmo vale para os caçadores de ofensas. O ofendido exibe sua virtude ao apontar o crime do ofensor, pede seu cancelamento, seu linchamento público: é o fodão “do bem” humilhando o merda, “em nome de valores elevados que ele possui”.

Esse sadomasoquismo f&m começa dentro da cabeça, numa relação perversa entre nós e nosso Superego. Absorvemos, por humilhação externa, a crença de que somos insuficientes, de que devemos ser, no fundo, uns merdas. Nosso Superego sádico nos acusa, julga e humilha, e nós, passivos e masoquistas desse maltrato interno, buscamos alívio através de nós igualar ao Superego sádico e dizer que “merda são os outros”.

É esta a origem do sadomasoquismo f&m: terceirizamos o maltrato de que um dia fomos vítimas. Nós nos tornamos os agressores, e isso nos parece melhor do que sermos os agredidos. Como naquela brincadeira idiota do colégio, o “passa adiante senão vira elefante”: não questionamos o cascudo que o da carteira de trás nos deu, pois dar o cascudo no da frente nos trouxe alívio…



TÉCNICA PSICANALÍTICA - O AMIGO PERGUNTA

 



Alberto Maia: “Que livro de técnica psicanalítica você sugere?”

Francisco Daudt: Nenhum. Vou te contar como se desenvolveu a minha técnica, e daí tire suas próprias conclusões.

É claro que tive dois modelos principais: Freud e meu analista formador, que era freudiano. Li e olhei o que eles diziam e faziam. Deduzi que Freud construiu sua técnica de acordo com seus propósitos. A coisa do divã e da poltrona por trás vieram da hipnose, somada ao fato de ele querer escrever sem que o cliente visse, e de não gostar de ser encarado pelos clientes.

Quando defini meus propósitos psicanalíticos, construí uma técnica para servi-los. É tudo uma sequência lógica: se meus propósitos são estar a serviço do cliente para sua busca da felicidade, devo saber qual o caminho; se creio que esse caminho é o conhecimento do desejo e dos atrapalhadores à sua realização, quero o melhor meio de investigá-los; se estou convencido de que o Superego faz parte dos atrapalhadores, não posso ser um representante do Superego, não posso estar acima do cliente, não posso julgá-lo, fazê-lo sentir-se culpado, humilhado, envergonhado. Quero ser parceiro dele, olhar com ele seus problemas, conhecer com ele seus desejos.

Isso é um começo de conversa. Que se traduz numa técnica, numa postura: quero ser afável, empático, bem-humorado, não fazedor de drama, não misterioso e nem enigmático, não posso deixar o cliente esperando (pontualidade) e quero ter disponibilidade previsível (tempo certo de sessão).

O atendimento on-line, portanto, não foi nenhuma mudança drástica: já não uso o divã há anos. Além de os clientes não pegarem trânsito nem procurarem vaga.



SEXO, PARA OS HOMENS: O PONTO DE VISTA ECONÔMICO

 



Tudo começa pela natureza: homens não engravidam e são encharcados de testosterona (o hormônio sem o qual não existe desejo).

Isso implica, de saída, baixo custo e alto benefício, para a prática do sexo. Como tudo que fazemos depende de motivação, meios e oportunidades, são eles que vão pautar a quantidade de investimento que um homem fará para obter o prazer do sexo.

Grosso modo, pode-se dividir em três tipos, de investimento crescente, a atividade sexual masculina:
1. Custo zero: masturbação.
2. Custo baixo/médio: putaria.
3. Custo médio/alto: sexo pessoal relevante.

Do tipo 1: a masturbação masculina ainda está ligada à natureza. Como é vital para a procriação que os homens emitam seu sêmen, e como para isso é necessário que tenham orgasmo, a mãe natureza praticamente impôs a que todos eles se masturbassem, em algum momento da vida, ou (mais comumente) pela vida afora. O custo é zero, o benefício é máximo. Mesmo no casamento monogâmico, a masturbação é o consolo de não se ter outras pessoas envolvidas. Tive uma cliente que era enciumada das masturbações do marido; expliquei-lhe como os homens funcionam, e que ela era a maior beneficiária.

Do tipo 2: a putaria, também chamada de malandragem, orgia, pegação, sacanagem, transgressão (a sinonímia é extensa, dado o sucesso que faz), é o sexo casual sem compromisso e de baixa relevância pessoal. Requer alguma negociação, coisa inexistente na masturbação.

Desde as “nights” da garotada, à prostituição e aos aplicativos de encontro, o custo não é zero, mas é baixo - mesmo quando caro, seja em dinheiro, seja em investimento pessoal. Isso costuma ser mal compreendido pelas mulheres, que não entendem a falta de relevância que a putaria tem para um homem, e por isso podem ter dela um ciúme desproporcional.

Do tipo 3: quando a pessoalidade começa a ser envolvida, o custo de investimento dispara… e o retorno em benefícios fica mais crítico. Vai desde o pobre coitado, prisioneiro do senso comum, que entra na linha de montagem social “já se formou, já tem um emprego, tem que entrar para o rol dos homens sérios, se casar e fazer família”…

…até o extremo de complexidade, daquele que é capaz de saber sobre seu desejo, e encontrar parceria que com ele encaixe em vários níveis de interseção, e com isso construir um amor companheiro, uma situação de investimento máximo, custo mínimo (pela parceria recíproca) e retorno/benefício inigualável.





ANTIDEPRESSIVOS - O AMIGO PERGUNTA

 



“Como qualifica sua experiência com os antidepressivos?”

Francisco Daudt: Como ótima. Eles são uma ferramenta preciosa para a psicanálise, pois retiram o sofrimento e assim liberam a inteligência do cliente para que possamos tratar do software, que é o objetivo dela.

Andei vendo que há antidepressivos específicos para modalidades diferentes de depressão. Dois em especial me chamam a atenção: o Bromidrato de Citalopran (nome comercial: Cipramil, e outros) e o Oxalato de Escitalopran (nome comercial: Lexapro, e outros).

O Citalopran brilha em depressões típicas (falta de graça na vida e pensamentos catastróficos), mas é um espetáculo naquelas com uma característica pouco conhecida: a irritabilidade e os ataques de fúria. Já preveni que muitos clientes fossem parar na delegacia, por causa da lei Maria da Penha, porque eles estavam usando Citalopran, e nunca mais tiveram ataques de fúria.

O Escitalopran é ótimo na depressões que se acompanham de fobias, síndrome do pânico e ideias obsessivas invasivas.

Lembro-me sempre de Freud dizendo que, no futuro, ele esperava que houvesse fármacos a produzir nos clientes melhoras que a psicanálise não conseguia.

Querido professor, esse tempo chegou!





PRECONCEITOS

 



Aposto que, quando você leu o título desta postagem, pensou que eu ia falar contra os preconceitos, certo? Pois isso foi um preconceito seu.

É impossível viver sem preconceitos. O simples fato de você achar que está entendendo o escrito aqui, já é um preconceito: você está transferindo seus conceitos do significado das palavras ao texto que escrevo… e eu poderia estar chamando urubu de “meu louro”.

O preconceito mais comum da espécie, aquele que tem salvado a vida de milhões ao longo do tempo, é o que diz “se é estranho, é inimigo”. Você abriria mão desse preconceito ao andar por uma rua deserta à noite, ouvindo passos em sua direção?

Se o estranho começa a aparecer com sinais familiares, o preconceito muda de direção: passa a ser preconceito a favor. Mas continua preconceito.

Qualquer aparição pública minha é cuidadosamente pensada para que eu desperte preconceito a meu favor: maneira de falar, de vestir, de cortar o cabelo e aparar a barba. Ou aqui, meu jeito de escrever, a ilustração que escolho para a postagem etc.

Meu filho trouxe um colega de jiu-jítsu para almoçar. Foi quando me dei conta de que um negro entrava em minha casa como convidado social. Durante o almoço, esqueci que ele era negro, pois virou Samuel.

A criminalização do racismo é necessária, porém não suficiente. A culpabilização do preconceito racial é má estratégia, por conter injustiça (estranho/inimigo). O problema não é ter preconceitos, o problema é tê-los pétreos: quanto mais negros virarem Samuel, mais preconceitos a favor competirão com os outros em nossa cabeça, mais flexíveis nossos preconceitos serão, diante das evidências.

P.S. : Tenho consciência de que meu texto pode despertar uma chuva de preconceitos contra mim, tão delicado é o tema.

Mas corro o risco. Tenho um preconceito sobre a inteligência dos meus leitores: é a favor…

(Na imagem do post: Sidney Poitier, em “Advinhe quem vem para jantar”, 1967. Poucas pessoas fizeram mais para diminuir o preconceito racial do que Sidney Poitier: ele era o Samuel em pessoa!)