“Como o psicanalista lida com o risco de suicídio de seu cliente?”
Francisco Daudt: Tratando da dor. É preciso ter isso claro: ninguém tem vontade de morrer, o que se tem é vontade de se ver livre de uma dor para qual não se vê outra saída senão a morte.
Isto posto, vamos adiante. Há vários tipos de suicídio; eles vão do mais benigno e aceitável, a eutanásia, ao mais maligno e irritante, o suicídio de vingança (quando se quer matar alguém pelo sentimento de culpa).
Um australiano de 104 anos foi para a Basiléia, Suíça, para pôr fim à sua exaustão de viver, através de um instrumento legal e extremamente civilizado que lá existe, o suicídio assistido. Eutanásia se traduz do grego como “boa morte”.
O adolescente rebelde, ou o apaixonado sem perspectivas, se seduzem pela ideia de que sua morte será sua vingança contra o outro que ele ama/odeia, a quem se sente aprisionado. É também uma busca de libertação da dor, mas de difícil compaixão. No samba-diálogo “Amigo é pra essas coisas” (Aldir Blanc), um diz, “Que bom se eu morresse / talvez Rosa sofresse”, e o outro dá a resposta definitiva: “vá atrás…”
Entre esses extremos, existem as tentativas de suicídio – que são na maioria das vezes pedidos de socorro. Num estágio mais brando/precoce estão as lesões que os “cutters” se fazem, adolescentes que se cortam, pois não têm outros meios de exprimir suas dores.
Por isso volto ao início: o foco do psicanalista deve ser sempre a dor. Avaliá-la, diagnosticá-la, aliviá-la, resolvê-la. Muitas dores são – em parte – fruto da imaginação do cliente: é preciso olhar o monstro, para saber seu tamanho real. Crianças imaginam um bicho-papão debaixo da cama, mas não se atrevem a dar uma espiada, e aí… não há nada mais maravilhoso nem nada tão terrível quanto o imaginado: é onde mora o Superego, vale dizer, o Ideal e o Mortal.
A posição do psicanalista pode ser crítica: quando alguém está para pular da ponte, não tem conversa: primeiro é preciso segurar, senão não haverá o que conversar. Já pedi seis meses ao cliente: “Já que você vai morrer mesmo, que diferença faz? Me dê esse tempo, para eu ver se há saídas possíveis”. E havia.
Mas é preciso ter em mente que há doenças psíquicas tão terminais quanto um câncer. Há dores incontornáveis. E há fim da vida: vivemos um tempo em que a morte foi medicalizada, ninguém mais morre em casa, quase toda morte é escondida num CTI, num hospital, como se morrer fosse uma obscenidade.
Num belo movimento contrário a essa tendência estão os atuais cuidados paliativos. Diante da falta de perspectivas, eles visam à boa morte, a morte sem dor e com dignidade. Às vezes, é o que resta para um psicanalista fazer…