“Você diz que a psicanálise não é ciência. O que é, então?”
Francisco Daudt: É um tipo de conhecimento empírico (baseado na experiência e na observação), muito parecido com a investigação criminal sofisticada: a partir da “cena do crime” (os sintomas diagnosticados), deduzem-se hipóteses e novas pesquisas são feitas. O problema é que elas não podem ser testadas em laboratório, há poucas pistas materiais, pois tudo se dá em cima do relato do cliente.
O curioso é que Arthur Conan Doyle foi contemporâneo de Freud, e seu Sherlock Holmes fazia o mesmo tipo de investigação dedutiva, sem poder contar muito com laboratórios. Hoje em dia, quem conhece a série CSI (“investigação da cena de crime”) fica assombrado com o apoio que os laboratórios dão às investigações. Ainda assim, o trabalho dos detetives continua não sendo ciência, só está bem apoiado por ela.
Mas será que a psicanálise não seria então uma proto-ciência, algo como a alquimia, da qual surgiu a ciência química? Humm, não creio. Nossa mente é o que há de mais complexo no mundo, sobretudo do ponto de vista de seus softwares em constante mutação, que é onde a psicanálise trabalha. Há milhares de componentes operando em cada ação humana, desejos, medos, influências culturais e animais, motivações, meios e oportunidades, circunstâncias históricas e pessoais… Não vejo uma ciência dando conta disso tudo.
No entanto, o método científico e sua busca do conhecimento verdadeiro (episteme) precisam estar presentes na prática psicanalítica, para que conversem e questionem a opinião (doxa) do analista, seja uma que ele creia certa (ortodoxa = opinião certa), seja uma diferente (heterodoxa = opinião diferente).
O filósofo da ciência que é meu farol-guia na psicanálise é Karl Popper. Sua proposta, em resumo, é: faça hipóteses vulneráveis à refutação (claras, transparentes e diretas); faça predições que possam ser conferidas. Se elas passarem nesses testes, terão chances de ser verdadeiras.
Estou lendo o livro de David Buss, “Evolutionary psychology - the new science of the mind”, ainda sem publicação em português. Devo confessar que com uma certa inveja: ele segue o método científico passo a passo… e conta com uma base de dados infinita para transformar aquele conhecimento em ciência.