“Durante análise, as resistências são má vontade do cliente?”
Francisco Daudt: Não, não, nada disso! As resistências são material precioso para compreender o cliente; devem ser tratadas com todo o carinho e respeito.
Primeiro, a definição: resistências, em psicanálise, são oposições à investigação, voluntárias ou não.
As voluntárias, conscientes, são de supressão (“não quero falar desse assunto”; “ah, o que ele vai pensar de mim?”; “morro de vergonha desse meu lado”). Quanto mais julgador parecer o analista, mais haverá delas.
As involuntárias, ou inconscientes, podem ser sintomas neuróticos ou viciosos. A mais famosa das neuróticas é a resistência por transferência: algo no analista desperta um mal-estar indefinido no cliente, e ele se cala. Houve alguma perda de confiança, (“por uma bobagem”, dirá depois o cliente) que o trava.
Poderíamos chamá-la de “resistência do gato escaldado”: ele tem medo de água fria, ele hiper-reage a um estímulo mínimo. Está transferindo para o analista uma encrenca de seu passado.
Essa resistência conta muito de sua neurose, ela é preciosa como fonte de investigação. Ela se apresenta como silêncio, como atos falhos (perde a hora, se esquece da sessão). Cabe ao analista explicar que as “bobagens” são ricos achados, que elas não devem jamais ser descartadas: a psicanálise é feita de “bobagens” como essa.
A resistência viciosa acontece quando o analista acha que deve subjugar o cliente, que o superego é parte da cura, e a partir daí começa uma queda de braço entre os dois (ou pior, não acontece, e o cliente se submete a ele).
Essa tristeza é fruto de um problema do analista: ele se esquece de que é um humilde prestador de serviços ao cliente e se acha num pedestal muito foda, esperando que o cliente o reverencie como tal.
Esse costuma ser o maior ponto cego dos psicanalistas: as doenças viciosas sadomasoquistas e de domínio/submissão do cliente passarão batidas, pois o analista sofre da mesma doença.
Ah, e tem a tal de contra-transferência, que é um nome pomposo que arranjaram para dizer que o analista se encrencou internamente com o cliente, como resultado de sua própria neurose.
Humm, contra-transferência, sei… como se fosse em alguma coisa diferente da dos clientes!
Eu sei, eu sei, tem também a tal transferência erótica, quando clientes se apaixonam pelo analista: essa é das conscientes, e merece uma resposta à parte.