FASE ANAL
“A fase anal, descrita por Freud, tem a ver com homossexualidade?”
Francisco Daudt: Ih, você toca num ponto que traz muita confusão sobre esse conceito…
A melhor resposta curta é não. Mas, você sabe, quando a coisa é complexidade, respostas curtas são sempre insatisfatórias.
Para começar, a fase anal não foi descrita por Freud, mas por Karl Abraham. Freud tomou o conceito e o desdobrou para apresentá-la como símbolo da guerra que travamos entre os nossos interesses primitivos e os da cultura/civilização: fazer cocô de maneira aceitável.
É o típico exemplo de como uma coisa que pode nos ser favorável (ir ao banheiro) pode ser ensinada como uma obrigação imposta, causar birra, choro e ranger de dentes.
É que, por volta dos dois anos, a criança começa a ter controle de eliminação das fezes e da urina (controle dos esfíncteres) e pode ser apresentada ao banheiro, essa preciosa maravilha moderna que tomamos como coisa garantida até que nos falte, num camping selvagem (oh Lord…).
Infelizmente, em vez de mostrá-lo como lucro, muitos pais aflitos resolvem “disciplinar” a criança e apresentam o banheiro como dever. Aí começa a briga, cujo pior resultado é a encoprese (dos nomes mais feios do idioma): um jogo de retenção/liberação das fezes com eventuais escapes, com que a criança se entretém por horas, se escondendo pelos cantos… e levando bronca.
É claro que, junto com essa briga, não são apenas as fezes que têm que ser controladas, mas a raiva contra os pais, e por extensão, contra a cultura. Com isso, a criança com genética para obsessividade pode desenvolver uma tendência para controle de tudo, de seus pensamentos, de sua pureza/limpeza, ela se torna um paladino da cultura, um ser hipercultural cheio de regras e obsessões. (Há também os obsessivos bagunceiros, contraculturais).
E a homossexualidade? Claro, tem a ver com o possível prazer anal decorrente do jogo de retenção. Mas isso é tolice: o erotismo anal não é algo que se aprenda, é sim um dom da natureza, uma loteria genética. Como de resto, todas as zonas erógenas: há quem tenha mamilos cegos, há quem os tenha felizes, o mesmo se aplica ao ânus e ao reto, quer seja hétero ou gay. Uma queixa frequente no consultório é de héteros envergonhados de pedir que suas mulheres deem atenção a suas zonas carentes, “vai que ela ache que eu sou gay…”
Por isso, sempre odiei quando os “psis” falavam “ah, ele é um anal-retentivo”: não elucidava nada e ainda deixava pairando no ar uma alusão de viadagem.