domingo, 1 de agosto de 2021

“AH, SE EU TIVESSE FEITO DIFERENTE…”

 



Do nada, surgiu um cara afobado e disse para ele: “Corre, Manoel, que tua mulher tá passando mal lá em Niterói!!”

Esbaforido, ele pegou a barca, e já estava no meio da baía da Guanabara quando disse: “Ei, espere… eu não me chamo Manoel, não sou casado, e não moro em Niterói… o que é que estou fazendo aqui?!?”

Quando o cliente me diz que podia ter feito diferente, sempre respondo:

“Não podia. Se pudesse, você se chamaria Manoel e moraria em Niterói”.


CAUSAS DA PAIXÃO - O AMIGO PERGUNTA

 


CAUSAS DA PAIXÃO

De Marcio Fagundes: “Por que se idealiza? Por que há paixão?O que vem primeiro?”

Francisco Daudt: Por causa do medo do desamparo e da morte, a idealização é capaz de conceber um Pai Eterno e a Imortalidade: a “solução final”.

Claro, não é só isso, e “solução final” é um termo provocativo que alude ao sublime e ao terror, à salvação e ao extermínio.

Mas como lidar com a complexidade, senão ao pedacinhos? A psicanálise se parece muito com a análise vetorial, da física: para conhecermos a resultante, para onde o ponto se move, estudamos cada vetor, cada força aplicada sobre ele, sua intensidade, sua direção, seu sentido.

A paixão é a um só tempo complexa e simplória. É simplória porque é perfeita: tudo de bom, tudo de lindo, tudo… de tudo. Ela resolve os problemas, ela tira manchas, é imaculada, irretocável, ergue, prende e realça. Perfeito significa obra terminada, acabada. Ela é resultado, nem resultante é…

Mas isso é parte da crença do apaixonado, vamos à complexidade.

a. “passio”, do latim, só tem uma tradução: sofrimento. “Paixão e morte de nosso senhor” não se referia à Maria Madalena, mas ao calvário.

b. A psicologia evolucionista nos mostra que há estratégias sexuais diferentes quando se pensa em parcerias de curto e longo prazo. A paixão é típica da estratégia de longo prazo: estamos desejosos de passar o resto da vida com a pessoa, ter família com ela, nos dedicar a ela. De algum jeito, somos programados para a paixão.

c. Temos desde cedo um conceito de perfeição embutido no Superego. Ele está sempre nos dizendo que somos insuficientes, que devemos almejar mais. A paixão é a momentânea ilusão de que “chegamos lá”.

d. Pense no momento das paixões mais absolutas, a adolescência. É um tempo apavorante em que o Superego reina com suas exigências “sérias”: ser gente grande, entrar no mercado afetivo/sexual, ter que se provar como pessoa, idealização de perfeição, fodão/merda nas alturas. É o momento propício para descobrir aquela pessoa que “será tudo na sua vida”, “seus problemas acabaram”. Parece até o que a maconha promete…

e. No entanto… é preciso não jogar o bebê fora junto com a água do banho: o encantamento romântico pode bem conversar com a ambição de se ter um amor companheiro; o conhecimento do outro, de si mesmo, de seus limites e qualidades pode conversar com o tempero que os hormônios e o confeito de alguma idealização trazem.

Mas, como tempero…

“Et la mer efface sur le sable
Les pas des amants désunis…” (Jacques Prévert)




“Qual a diferença entre luto e depressão?” - O AMIGO PERGUNTA

 


LUTO E DEPRESSÃO

“Qual a diferença entre luto e depressão?”

Francisco Daudt: É uma diferença de vida e de morte. Apesar de o luto ser por algo ou alguém que morreu, pessoa ou amor, ele está muito mais para um processo vital do que a depressão, que é mortiça, apagada e sem vida.

O luto fala de amor, de uma parte doída do amor, mas ele é cheio de afeto, o principal deles a tristeza.

Um luto normal tem beleza, tem a contemplação de memórias, e seu término deixa uma rica herança: contemplar a felicidade de ter vivido uma bela história, o legado de lembranças, como disse Drumond:

“…mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”.

No entanto, é verdade: o luto pode ser doente e trazer depressão. A depressão resulta de uma linha de montagem de angústias prolongadas: ameaças variadas de desamparo… e sentimento de culpa. Neste último mora o risco depressivo do luto: a ideia de que poderíamos ter salvo o perdido, as auto-acusações que daí partem podem bem resultar em depressão.

Que é um mecanismo de defesa estranho, uma sem-gracice sombria, um recolhimento inerte que, aí sim, se parece com a morte em vida.





domingo, 18 de julho de 2021

SUICÍDIO E GENÉTICA - O AMIGO PERGUNTA

 



De Helena Flávia de Rezende Castelo Branco: “Há muitos casos em algumas famílias. Existe genética para suicídio?”

Francisco Daudt: Helena, não existe hereditariedade para o suicídio, mas… existe para depressão. E para piorar, existem os modelos familiares de identificação, “ah, meu irmão se matou, então…”.

Vamos no ainda pior: o sentimento de culpa face ao suicídio pode ser devastador, e detonador de depressão (se houver gatilho genético, mais ainda). O familiar sobrevivente se sente indigno de ser feliz, e às vezes indigno de viver.

O suicídio pode ser contagioso: quando Goethe publicou “Os sofrimentos do jovem Werther”, no século XVIl, houve uma epidemia de suicídios entre jovens.

O mesmo se deu em várias outras ocasiões, p.ex. quando Rodolfo Valentino morreu e várias “viúvas” não puderam tolerar um mundo sem ele. A imprensa é extremamente cuidadosa sobre o assunto por causa disso.

Pois é: até o modismo influencia suicídios.




SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO

 


A teoria dos seis graus de separação originou-se a partir de um estudo científico desenvolvido pelo psicólogo Stanley Milgram[1], que criou a teoria de que, no mundo, são necessários no máximo seis laços de amizade para que duas pessoas quaisquer estejam ligadas.

Exemplo: eu conheci o engenheiro Eduardo Pederneiras (à esquerda), tio de um amigo de infância. Ele construiu a “Encantada”, casa de Santos Dumont em Petrópolis. E esteve presente à inauguração da Ponte Alexandre lll em Paris. Por causa disso, tenho dois graus de separação, tanto do Santos Dumont, quanto do Czar Nicolau ll, aquele que foi morto pelos bolcheviques.




“Por que mesmo pessoas jovens que ainda não procriaram se suicidam?” - O AMIGO PERGUNTA

 


O PONTO DE VISTA DOS GENES

“Por que mesmo pessoas jovens que ainda não procriaram se suicidam?”

Francisco Daudt: Porque a evolução criou um animal estranho, o único que sabe que vai morrer. O suicida não deseja morrer, ele deseja que seu sofrimento acabe, e vê a morte como um fim de seu tormento. O custo é alto, mas o benefício, a seus olhos, é maior.

Se o psicanalista puder mostrar-lhe alternativas que acabem com o sofrimento, ele quererá viver.






“Por que nós morremos?” - O AMIGO PERGUNTA


O PONTO DE VISTA DOS GENES

“Por que nós morremos?”

Francisco Daudt: Porque nos tornamos descartáveis, uma vez que os genes foram passados à geração seguinte.

Como as efêmeras (ephemeroptera, o bichinho voador), que duram apenas UM DIA em sua forma adulta, o suficiente para alçarem voo, acasalarem e desovarem. O ciclo completo (ovo, larva, pupa, adulta) leva um ano.

P.S. Infelizmente, mesmo que não tenhamos passado os genes adiante, a biologia nos programou para morrer do mesmo jeito…