CAUSAS DA PAIXÃO
De Marcio Fagundes: “Por que se idealiza? Por que há paixão?O que vem primeiro?”
Francisco Daudt: Por causa do medo do desamparo e da morte, a idealização é capaz de conceber um Pai Eterno e a Imortalidade: a “solução final”.
Claro, não é só isso, e “solução final” é um termo provocativo que alude ao sublime e ao terror, à salvação e ao extermínio.
Mas como lidar com a complexidade, senão ao pedacinhos? A psicanálise se parece muito com a análise vetorial, da física: para conhecermos a resultante, para onde o ponto se move, estudamos cada vetor, cada força aplicada sobre ele, sua intensidade, sua direção, seu sentido.
A paixão é a um só tempo complexa e simplória. É simplória porque é perfeita: tudo de bom, tudo de lindo, tudo… de tudo. Ela resolve os problemas, ela tira manchas, é imaculada, irretocável, ergue, prende e realça. Perfeito significa obra terminada, acabada. Ela é resultado, nem resultante é…
Mas isso é parte da crença do apaixonado, vamos à complexidade.
a. “passio”, do latim, só tem uma tradução: sofrimento. “Paixão e morte de nosso senhor” não se referia à Maria Madalena, mas ao calvário.
b. A psicologia evolucionista nos mostra que há estratégias sexuais diferentes quando se pensa em parcerias de curto e longo prazo. A paixão é típica da estratégia de longo prazo: estamos desejosos de passar o resto da vida com a pessoa, ter família com ela, nos dedicar a ela. De algum jeito, somos programados para a paixão.
c. Temos desde cedo um conceito de perfeição embutido no Superego. Ele está sempre nos dizendo que somos insuficientes, que devemos almejar mais. A paixão é a momentânea ilusão de que “chegamos lá”.
d. Pense no momento das paixões mais absolutas, a adolescência. É um tempo apavorante em que o Superego reina com suas exigências “sérias”: ser gente grande, entrar no mercado afetivo/sexual, ter que se provar como pessoa, idealização de perfeição, fodão/merda nas alturas. É o momento propício para descobrir aquela pessoa que “será tudo na sua vida”, “seus problemas acabaram”. Parece até o que a maconha promete…
e. No entanto… é preciso não jogar o bebê fora junto com a água do banho: o encantamento romântico pode bem conversar com a ambição de se ter um amor companheiro; o conhecimento do outro, de si mesmo, de seus limites e qualidades pode conversar com o tempero que os hormônios e o confeito de alguma idealização trazem.
Mas, como tempero…
“Et la mer efface sur le sable
Les pas des amants désunis…” (Jacques Prévert)