“Os bissexuais existem mesmo, ou são gays disfarçados?”
Francisco Daudt: Existem sim, mas não em orientações de mesma intensidade. O famoso Relatório Kinsey sobre sexualidade (EUA, 1948) descrevia o espectro de orientações sexuais de zero (hétero total) a seis (homo total), em que o tipo 3 seria o bissexual em partes iguais.
Acontece que Kinsey era um taxonomista obsessivo, e nunca iria se pautar por critérios subjetivos tais como desejo. Seu questionário perguntava: “já teve orgasmo com homem? Com mulher? Com que frequência”. Ora, quem respondeu que a frequência homem/mulher era idêntica foi registrado como tipo 3, o suposto bissexual perfeito.
O que se vê em consultório, o reino da pesquisa subjetiva, é que a pessoa nasce “falando uma língua”, e pode ou não, ao longo da vida, aprender uma “segunda língua”. Ora, um brasileiro que aprendeu inglês não deixa de ser brasileiro por isso.
Da mesma forma, haverá o nascido hétero que aprende a “falar homo”, e vice-versa. Sendo que o vice-versa é muito mais comum, já que as pressões sociais são todas para a pessoa aprender a “linguagem hétero”.
No entanto, mesmo na atividade eventual ou rara, um gay pode ter grande prazer em relações hétero, e vice-versa, o que jamais implicará uma “conversão”.
Como então se avalia a “língua nativa” de alguém? No caso dos homens, é fácil, basta que ele responda a pergunta: “para onde vão seus olhos?” Como o tesão masculino é principalmente visual, os olhos serão atraídos com mais frequência pela sua orientação principal.
A relevância da questão inicial é que, até recentemente (isso tem mudado, com a liberação dos costumes), o sintoma de dúvida obsessiva mais comum entre os homens era: “será que, no fundo, eu não sou gay?” Isso acontece porque os obsessivos são, digamos assim, obcecados com pureza: se em algum momento eles deram uma conferida no pau dos outros, “ah, então… aí tem coisa!”
De volta ao Kinsey, e referendado pelo consultório, o que acontece é que a possibilidade de desejo homoerótico num hétero de nascença é mais frequente do que se pensa, daí a homofobia ser tão comum: o medo de dentro se projeta para fora, sob a forma de ódio. Os héteros absolutos não são homofóbicos, a coisa não é nem um assunto, eles não estão nem aí…