domingo, 18 de julho de 2021

A IRRITABILIDADE COMO SINTOMA


Notou que anda com vontade de matar as pessoas? Está puxando briga com o pipoqueiro? O rosto esquenta a cada besteira que ouve? Eu sei, eu sei, atualmente, não faltam motivos para se irritar, mas…

Duas coisas devem ser consideradas como causa da irritabilidade fora de padrão: hipertensão e depressão. Parecem antíteses, mas uma é arterial e a outra psíquica. E não são excludentes, você pode ter as duas.

A irritabilidade é o sintoma mais despercebido dessas doenças. Já perdi pacientes na entrevista por causa da hipertensão arterial; depois da entrevista, usei neles meu aparelho de pressão… e lá estava: pressão alta. Eu lhes dizia que fossem ao médico para tratá-la; caso a irritabilidade se mantivesse, que voltassem a mim.

Poucos voltaram…



REFLEXIVOS E REATIVOS

 



Homer Simpson, depois de verificar no freezer que cinco embalagens de sorvete Napolitano estavam sem o chocolate (mas com o morango e o creme intactos), gritou: “Margie! Precisamos de mais Napolitano!”

“Não tire os outros por você; eles são diferentes”. Esta poderia ser a primeira lição a ser aprendida por um psicanalista.

Como funciona a mente de uma pessoa principalmente reativa, com muito pouca capacidade de reflexão? Como fazer para que ela possa desenvolver sua reflexividade embrionária?

O sapiens, apesar do nome, é principalmente reativo: condições-limite de sobrevivência sempre o levaram a correr antes e pensar depois. Essa coisa de sentar-se calmamente na Ágora e filosofar é coisa muito nova, de uns 2.400 anos para cá.

Mas a angústia – e a falta dela – é a chave que liga a reatividade: se não pressionarmos a pessoa, se respeitarmos seu tempo, abriremos espaço para que seu software reflexivo entre em ação.

Numa entrevista, me perguntaram se há chances para uma terceira via, “responda simplesmente sim ou não”. Disse-lhe, “responda simplesmente sim ou não: você continua batendo na sua mulher?” “Sim… quer dizer, não… err… mas eu nunca…”

Pois é, cara, tá vendo? A reatividade é simplória. Meu negócio é a complexidade. Não me pressione, e eu serei o que gosto de ser: reflexivo.



BISSEXUALIDADE - O AMIGO PERGUNTA

 


“Os bissexuais existem mesmo, ou são gays disfarçados?”

Francisco Daudt: Existem sim, mas não em orientações de mesma intensidade. O famoso Relatório Kinsey sobre sexualidade (EUA, 1948) descrevia o espectro de orientações sexuais de zero (hétero total) a seis (homo total), em que o tipo 3 seria o bissexual em partes iguais.

Acontece que Kinsey era um taxonomista obsessivo, e nunca iria se pautar por critérios subjetivos tais como desejo. Seu questionário perguntava: “já teve orgasmo com homem? Com mulher? Com que frequência”. Ora, quem respondeu que a frequência homem/mulher era idêntica foi registrado como tipo 3, o suposto bissexual perfeito.

O que se vê em consultório, o reino da pesquisa subjetiva, é que a pessoa nasce “falando uma língua”, e pode ou não, ao longo da vida, aprender uma “segunda língua”. Ora, um brasileiro que aprendeu inglês não deixa de ser brasileiro por isso.

Da mesma forma, haverá o nascido hétero que aprende a “falar homo”, e vice-versa. Sendo que o vice-versa é muito mais comum, já que as pressões sociais são todas para a pessoa aprender a “linguagem hétero”.

No entanto, mesmo na atividade eventual ou rara, um gay pode ter grande prazer em relações hétero, e vice-versa, o que jamais implicará uma “conversão”.

Como então se avalia a “língua nativa” de alguém? No caso dos homens, é fácil, basta que ele responda a pergunta: “para onde vão seus olhos?” Como o tesão masculino é principalmente visual, os olhos serão atraídos com mais frequência pela sua orientação principal.

A relevância da questão inicial é que, até recentemente (isso tem mudado, com a liberação dos costumes), o sintoma de dúvida obsessiva mais comum entre os homens era: “será que, no fundo, eu não sou gay?” Isso acontece porque os obsessivos são, digamos assim, obcecados com pureza: se em algum momento eles deram uma conferida no pau dos outros, “ah, então… aí tem coisa!”

De volta ao Kinsey, e referendado pelo consultório, o que acontece é que a possibilidade de desejo homoerótico num hétero de nascença é mais frequente do que se pensa, daí a homofobia ser tão comum: o medo de dentro se projeta para fora, sob a forma de ódio. Os héteros absolutos não são homofóbicos, a coisa não é nem um assunto, eles não estão nem aí…




CIÊNCIAS EXATAS: HERANÇA ISLÂMICA?

 



Venho escutando esse papo de que devemos aos árabes a matemática, a astronomia e todas as ciências exatas, inclusive os algarismos que usamos se chamam "arábicos", e aposentaram os romanos por sua praticidade. Mas sempre desconfiei da história dele. Consultei meu pesquisador favorito, o advogado brasileiro Hamilton de Freitas, que mora no Porto, Portugal. Abaixo, o resultado de sua pesquisa:

"É besteirol. Os gregos e os hindus fizeram todo o trabalho. Os árabes, na expansão pós-Maomé, em meio aos saques, massacres e catequeses pela espada, pegaram obras, compilaram, traduziram para o árabe. A maioria dos intelectuais que fez esse tipo de descoberta e difusão foi perseguida. Nem os algarismos eles inventaram. Foram os hindus. Os algarismos que HOJE todo o mundo usa (MENOS OS ÁRABES) foi criado por um italiano: o Fibonacci..."



domingo, 4 de julho de 2021

TRANSGRESSÃO E MUDANÇA DE COSTUMES - O AMIGO PERGUNTA

 


TRANSGRESSÃO E MUDANÇA DE COSTUMES
De Adrilles Jorge: “Como distinguir  na “ perversão “ um avanço ou um problema pra civilização ? A civilização nasce da renúncia em alguma medida do desejo , certo ? Como um psicanalista diz a um paciente o que é lícito ou não moralmente dentro da regra social  do seu tempo ? Um pedófilo pode argumentar que tirar a camisa na praia já foi um atentado ao pudor como fazer sexo com criança . Um psicanalista deve se abster de juízos morais sempre ?”

Francisco Daudt: Vamos lá, que a pergunta é complexa. Primeiramente, um reparo: a perversão é uma doença estabelecida, com compulsão, repetição, aluguél mental etc. 

O que eu afirmei ser transformador dos costumes é a transgressão não compulsiva, que se rebela contra regras e costumes que parecem injustos.

Civilização vem de “civis”, aquele que vive na cidade, o cidadão. A cidade surgiu com a agropecuária, há dez mil anos. Com ela, veio uma novidade para a espécie: a convivência com estranhos. Até então, o caçador-coletor vivia em tribos onde todos se conheciam… e todos se vigiavam, para restringir a predação e estimular a cooperação. 

Conviver com estranhos requereu leis, e um governo com monopólio da violência para impô-las. Essas leis derivavam do ethos (a ética, o não causar danos) e do morus (a moral, que contempla os costumes não danosos), e deveriam fazer o que a vigilância da tribo fazia outrora: restringir a predação. Só. Infelizmente, o estímulo à cooperação ficou como a nossa maior perda, na transição.

Esta perda da cooperação estimulada é a principal causa do “mal-estar na civilização”, pois que a vigilância para contenção dos predadores sempre existiu. A dupla anterior era “coibição do vício com estímulo à virtude”; passou apenas a coibição do vício.

Para agravar a coisa, a forma de governo mais “natural” é a tirania: dê muito poder a alguém, e haverá abuso, opressão. Como resultado, o mal-estar era maior, pois as proibições eram tirânicas e atendiam principalmente ao… tirano.

Há 2.400 anos, surgiu uma esquisitice: a democracia. Ela pretendia que as leis surgissem da conversa e do convencimento (parlar, parlamento), e não da simples vontade do governante. Isso gerou leis mutáveis e mais respeitosas com as pessoas. Houve significativa diminuição do mal-estar.

A psicanálise, se quiser ser curativa das doenças e das perversões, não tem saída senão ser engajada na ideologia democrática. Ela própria é uma terapia da palavra, do parlar, do parlamento, do convencimento… e não da tirania.

Ela precisa defender a democracia interna da mente: não haverá tirania; nem do Id, nem do Superego. Eles precisam se conhecer e conversar entre si, para que o Ego exista, e não fique massacrado entre as duas potestades.

Todas, e eu repito, TODAS as doenças vêm da tirania mental, uma instância em guerra de poder sobre as outras, e o Ego (eu, você) no meio, sofrido (nas neuroses) ou abduzido (nas perversões).

Quem aparece no consultório é o Ego sofrido. Ninguém vai se tratar sem conflito íntimo. A pessoa pode até ter perversões, mas não está confortável com elas. Portanto, o psicanalista não precisará ser juiz, nem censor, nem acusador, nem repressor. 

Ele pode exercer bem seu papel de advogado de defesa de seus clientes, para entender seu sofrimento, sua prisão, sua opressão.


“Por que o alcoolismo é considerado doença?” - O AMIGO PERGUNTA

 


De Marta Krieger: “Por que o alcoolismo é considerado doença?”

Francisco Daudt: Vamos lá. O alcoolismo preenche as características que definem uma doença psíquica, a saber: 

compulsão (é mais forte que a pessoa), 
repetição (ocorre todos os dias),
grande aluguel mental (a pessoa só pensa “naquilo”)
redução da capacidade, da liberdade (a pessoa se torna prisioneira),
deterioração/decadência psíquica (e física), 
satisfação imediatista, mas com dano de médio/longo prazo 
(no caso do alcoolismo, além de perda de emprego, acidentes de carro, abusos domésticos, leva a outras doenças e a eventual morte).




VÍCIO OU DOENÇA? - O AMIGO PERGUNTA


VÍCIO OU DOENÇA?
“Você fica falando em vício, mas o alcoolismo não é vício, é doença, certo?”

Francisco Daudt: Os dois, doença e vício. É verdade que, como o vício tem má fama, há quem se ofenda com o termo. Cabe esclarecimento, pois.

O vício é um tipo de doença muito particular. Não se pode fazer nada diante da Covid (exceto a prevenção) ou da apendicite: delas seremos sempre passivos. 

Já com o vício, não: ele contém uma fração de arbítrio, de escolha nossa, ainda que pequena, sobretudo depois de instalado. Ele é uma doença que relutamos em reconhecer como nossa (é muito mais fácil vê-la nos outros).

Tanto que, para combatê-la, é necessário admitir-se portador, é indispensável tomar para si o gerenciamento de sua cura, é mandatório deliberar a cada dia se vamos investir nela ou dela nos afastar.
Essa é a diferença.