“O que é trauma, em psicanálise? É algum acontecimento horrível?”
Francisco Daudt: Chama-se de trauma a experiência vivida que abala o equilíbrio psíquico e que aciona os mecanismos de defesa contra a angústia, produzindo um rearranjo mental que contém sintomas de doença.
Todo mundo pensa logo num acontecimento, uma cena presenciada, um abuso sofrido na infância. Mas… não é necessariamente assim.
Apesar de haver a neurose pós-traumática, como as neuroses de guerra que vêm depois de o soldado ver o amigo a seu lado morrer com a cabeça despedaçada, por exemplo, a maior parte dos traumas que vivemos acontecem por uma prática esquisita, um clima ruim, um ambiente ameaçador estabelecidos por extenso tempo em casa, ao longo de nosso crescimento.
Um menino de dez anos foi um dos namoradinhos do Michael Jackson, por um período. O pai descobriu e acionou o cantor em milhões de dólares, expondo o filho no processo. Três anos depois, o menino disse-se magoado porque o cantor nunca mais o procurou. Onde estaria o trauma?
A primeira tendência é apontar o abuso sexual que o menino sofreu, mas…
Do ponto de vista do menino, aquela foi a maior experiência de sua vida: paixão, prazer, glamour, encantamento. (Em um documentário recente, vários ex-namoradinhos do cantor repetiram a mesma história: eles viveram um tremendo caso de amor. O que foi ruim foi o que veio depois da separação.)
Ainda de seu ponto de vista, o mundo caiu por causa da reação do pai, da exposição na mídia, do clima que se instalou em casa, do drama da divisão íntima entre gostar de suas lembranças e a obrigação de ter horror a elas. Drama que se arrastou por anos.
Onde estaria o trauma? Muito mais no drama que fizeram do caso do que no caso em si.
Disclaimer: Será que tenho de lembrar que “isso não é endosso da pedofilia, e sim o uso de uma situação extrema, condenável (com justa razão) pelo senso comum, para caricaturar de maneira clara o conceito de trauma”? Será?