De Maria Scalise: "O que é perversão? Quais os sintomas?"
Francisco Daudt: Perversão é a transgressão sistematizada. É quando aquele “foda-se, vou fazer!” se torna uma compulsão, algo mais forte que você, que agora é prisioneiro dela, pois virou um vício.
É um nome que já me deu muito trabalho, de tão feio que é. No senso comum, o perverso é aquele sádico cruel, de modo que nunca o uso, em clínica. Não vou dizer a nenhum cliente que “ele tem uma perversão”. No lugar disso, digo que “ele é prisioneiro de um vício”.
O mecanismo de defesa da perversão é a renegação. A coisa se dá assim: a pessoa sente despertar-se nela um desejo proibido, ou malvisto pelo seu Superego. A crítica do Superego a ameaça. Existe um silencioso embate entre o desejo e a crítica/condenação: “isso é errado”, “mas eu quero!”, “olhe as consequências do seu ato”, “ahhh, dane-se! Vou fazer, assim mesmo!”.
Sim, mas foi desse jeito que conquistamos vários direitos antes proibidos. Quase que se poderia dizer que, sem a renegação não haveria vida sexual, já que ela começa na infância como uma coisa “feia e proibida”. O bisavô de meus filhos foi preso por ter ido à praia sem camisa… em 1928. Se não houvesse esse tipo de transgressão, estaríamos na mesma até hoje.
Isso sem mencionar os direitos das mulheres, e como eles avançaram graças a transgressão. As leis não mudam por uma conversa racional tranquila, mas por força das mudanças transgressoras dos costumes.
Outra coisa é a perversão/vício: você não usa mais a transgressão; é usado por ela. Você não é mais dono; é escravo…