quinta-feira, 24 de junho de 2021

O CONCEITO DE TRAUMA EM PSICANÁLISE - O AMIGO PERGUNTA

 



“O que é trauma, em psicanálise? É algum acontecimento horrível?”

Francisco Daudt: Chama-se de trauma a experiência vivida que abala o equilíbrio psíquico e que aciona os mecanismos de defesa contra a angústia, produzindo um rearranjo mental que contém sintomas de doença.

Todo mundo pensa logo num acontecimento, uma cena presenciada, um abuso sofrido na infância. Mas… não é necessariamente assim.

Apesar de haver a neurose pós-traumática, como as neuroses de guerra que vêm depois de o soldado ver o amigo a seu lado morrer com a cabeça despedaçada, por exemplo, a maior parte dos traumas que vivemos acontecem por uma prática esquisita, um clima ruim, um ambiente ameaçador estabelecidos por extenso tempo em casa, ao longo de nosso crescimento.

Um menino de dez anos foi um dos namoradinhos do Michael Jackson, por um período. O pai descobriu e acionou o cantor em milhões de dólares, expondo o filho no processo. Três anos depois, o menino disse-se magoado porque o cantor nunca mais o procurou. Onde estaria o trauma?

A primeira tendência é apontar o abuso sexual que o menino sofreu, mas…

Do ponto de vista do menino, aquela foi a maior experiência de sua vida: paixão, prazer, glamour, encantamento. (Em um documentário recente, vários ex-namoradinhos do cantor repetiram a mesma história: eles viveram um tremendo caso de amor. O que foi ruim foi o que veio depois da separação.)

Ainda de seu ponto de vista, o mundo caiu por causa da reação do pai, da exposição na mídia, do clima que se instalou em casa, do drama da divisão íntima entre gostar de suas lembranças e a obrigação de ter horror a elas. Drama que se arrastou por anos.

Onde estaria o trauma? Muito mais no drama que fizeram do caso do que no caso em si.

Disclaimer: Será que tenho de lembrar que “isso não é endosso da pedofilia, e sim o uso de uma situação extrema, condenável (com justa razão) pelo senso comum, para caricaturar de maneira clara o conceito de trauma”? Será?







DESEJO: PERFIS - O AMIGO PERGUNTA

 


Rodrigo Souza: “Por que um cara como eu, de 25 anos, passa a ter desejo por homens mais velhos?”

Francisco Daudt: A psicanálise investiga como é o desejo da pessoa, e quais são os problemas que interferem nesse desejo. Em princípio, não há problemas no seu desejo, isso é só o perfil dele. E a minha resposta pode não te atender, dada a singularidade que os desejos têm.

Mas, de fato, andei vendo desejos semelhantes no consultório, e achei alguns pontos em comum neles: a busca de figura paternal, que contém acolhimento, colo, reconhecimento amoroso, força e grandeza, porto seguro, proteção; mais a vontade de ser dominado/possuído por um poder gentil, de se entregar a alguém que tome conta, de esquecer das ameaças do mundo em seus braços, pois se está “em boas mãos”.

Além disso, costuma haver um desejo de corrigir a própria história. Muitos gays passaram pela experiência de dois tempos em relação ao próprio pai: um tempo amoroso, em que o pai as acolhia e acarinhava; seguido de um tempo de rejeição, quando o pai foi percebendo a orientação homoerótica do filho.

Disso resulta que o objeto de desejo, para muitos gays, seja um homem hétero, mais velho ou não. A parte triste é que, em vez de ser corrigida, aquela história de proximidade seguida de rejeição muitas vezes se repete, no drama da paixão.

Isso sim, é um assunto para se tratar na psicanálise.




domingo, 13 de junho de 2021

FREUD E O ALTRUÍSMO RECÍPROCO

 


“A virtude precisa ser recompensada ainda nesta Terra, ou a ética pregará em vão”. (Freud, em “O mal-estar na civilização”; “Das unbehagen in der kultur”).

Essa frase de Freud é a minha predileta. Ela contém o reconhecimento do senso de justiça com que nascemos: se eu faço por alguém, esperarei retorno em alguma medida. 

O amor incondicional é uma ilusão (ainda que, com os filhos, nos aproximemos dele). Até São Francisco de Assis, o mais altruísta dos santos, diz em sua oração que “é dando que se recebe; é perdoando que se é perdoado”.

Com as pessoas queridas, a linha de crédito é elástica, mas existe…








PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA E AS MULHERES

 


Freud se perguntou: “Afinal, o que querem as mulheres?”

A psicologia evolucionista se aventura a responder, refraseando a pergunta e falando da influência animal que existe em nós: “O que proporcionaria mais chances de sobrevivência e de sucesso reprodutivo às crias de uma mulher, e a ela mesma? O que quer sua genética? Casamento, garantias e prestígio, por parte do homem escolhido.”

Mas, e aí temos uma armadilha da natureza, o homem que lhes oferecer tudo isso sem restrições tenderá a ser menosprezado, a não ser sexualmente desejável. Pode até ser mantido como marido, mas os genes da mulher a farão ambicionar sexualmente o cafajeste pegador, pois eles terão mais chances de se disseminar. 

Portanto, a mulher mais feliz e realizada – do ponto de vista evolucionista – será Dona Flor, com seus dois maridos: Teodoro Madureira, o sólido provedor/mantenedor; e Vadinho, o cafajeste pegador.

Essa é a influência da genética em nossas vidas: ela não nos determina completamente, mas precisamos levá-la em conta, ter consciência dela.




O APARELHO “HUMILDIFICADOR”

 


É um eletrodoméstico muito útil (de minha modesta lavra) para as relações humanas em geral, e para os psicanalistas em particular.

Serve como um espelho onde contemplamos nossas limitações, aceitamos nossas ignorâncias, e abordamos o mundo/o outro com mais curiosidades do que certezas.

Equivale ao “Curriculum Mortis”, nome proposto por Konder para o avesso da moeda do “Curriculum Vitæ”.

De Leandro Konder:
“Evidentemente, trata-se de uma imagem que não corresponde à realidade. Em sua imensa maioria os seres humanos não são campeões invictos, não são heróis ou semideuses. Se nos examinarmos com suficiente rigor e bastante franqueza, não poderemos deixar de constatar que somos todos marcados por graves derrotas e amargas frustrações. Vivemos uma vida precária e finita, nossas forças são limitadas, o medo e a insegurança nos frequentam; e nada disso aparece no ‘curriculum vitae’ de cada um de nós.”



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD





DETERMINAÇÕES DO DESEJO

 



“O homem pode fazer o que quiser, mas não pode escolher o que vai querer”.
Schopenhauer (1788 – 1860).

“Humm, acho que hoje eu vou me apaixonar por um rinoceronte…”

Sinto muito, mas não rola. O desejo não se submete ao politicamente correto.

Não é só no nosso tesão que não mandamos, é também no nosso conceito de beleza. Ele está todo atrelado a outro desejo sinistro: o de eugenia.

Eugenia tem a má fama do nazismo, da busca pela “raça pura”, e outras coisas politicamente incorretas de dar calafrios.

Mas ela significa simplesmente “boa origem”, aquilo que queremos para nossos filhos: saúde e força, inteligência e garra, destreza e habilidade.

Por isso, somos levados a ver beleza em quem tem saúde, fertilidade, força, inteligência, garra, habilidade, poder, segurança, autoestima etc.

Essa gente nos atrai. Não sabemos, mas é a mãe natureza nos empurrando para uma procriação mais bem sucedida em termos de… mais procriação.

Dois exemplos:
1. Mucosas coradas e os batons. De vez em quando, tentam emplacar batons “modernos” em tons de verde ou de branco. Nunca colam. Os que permanecem são os da gama do vermelho (“não sou anêmica, viu?”).

2. Simetria facial. Não tem jeito, os assimétricos nos repugnarão sempre…



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




DESEJO: GENÉRICO OU/E ESPECÍFICO


“Ah, o meu desejo está voltado para a pessoa, não para aparência.”

“Qualquer pessoa? Um idoso com Alzheimer?”

“Aí também não, meu negócio é mulher…”

“Bem, agora que você deixou 50% da população mundial de fora, vamos à próxima: menina de onze anos com obesidade mórbida?”

Depois de muita pergunta, fomos chegando mais próximo ao objeto “genérico” de seu desejo:

Mulher. Entre 18 e 50 (mas seria melhor entre 20 e 35). Gostosa (“meu negócio é cara, peito e bunda”). Capaz de conversar (“se for reflexiva e bem informada, melhor”). Classe média (“nem menininha do Country, nem riponga, nem caixeirinha da Sloper”). “Não pode fazer joguinhos, gosto de papo reto”…

A lista era longa, mas… “quem não tiver pecados que atire a primeira pedra”.

Assim é o desejo: ele sempre tem um perfil definido, pode perguntar para si mesmo, começando pela clássica “para onde vão seus olhos?”. Dá a impressão de que somos um monte ambulante de preconceitos e discriminações.

Bem, no tocante ao desejo, a impressão é correta: somos.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD