domingo, 13 de junho de 2021

ERRO E CULPA: O PONTO DE VISTA FUNCIONAL

 



Na ciência, o erro faz parte do jogo. As hipóteses podem estar erradas; os processos podem conter erro. No primeiro caso, elas serão descartadas. No segundo, eles serão corrigidos.

Na psique, o erro corre sério risco: causar culpa. O sentimento de culpa pode ser a danação do erro, por excesso ou por falta: ou o erro é varrido para debaixo do tapete, pois sua admissão seria devastadora; ou o erro se torna drama, é um horror, e põe tudo a perder, pois se joga o bebê fora junto com a água do banho. Nada se corrige e nada se aproveita.

É preciso, pois, valorizar a utilidade do erro (como na ciência)... separando-o do sentimento de culpa.

Ou seja, não é “ah, desculpa, tá?” É, sim, "foi erro meu, e vou consertar”.




 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




VERGONHA GAY / ORGULHO GAY (Da opressão à serenidade: um difícil caminho)

 



É tudo uma questão de justiça. Ou de como se chega a ela a partir da injustiça. A opressão contém injustiça, por definição: um desequilíbrio da balança de poderes da justiça.

Somos programados para reagir à injustiça: ela nos gera raiva. Se um filho vê seu irmão receber atenções desequilibradas, ele sente uma forma de raiva: o ciúme. Assim é nossa reação em todas as situações em que nos sentimos injustiçados: ficamos com raiva.

Se não houver raiva, indignação, não reagiremos, não haverá busca de justiça. Pode-se dizer então que a raiva é mãe da justiça.

A questão seguinte será como a justiça é feita. O irmão ciumento pode dar com um pau na cabeça do queridinho. O motorista que levou uma fechada pode perseguir o infrator para se vingar. Sim: a vingança é a mais primitiva forma de justiça. Daí os justiceiros, os linchamentos, os cancelamentos etc.

A vingança é reativa, e a reatividade é o movimento mental mais rápido, simplório e comum da humanidade.

Necessário à sobrevivência, sob pressão todos reagimos, não refletimos. Não há tempo nem calma para a reflexão.

Se a reação contempla a simples sobrevivência, a reflexão contempla a complexidade da vivência. Mas ela precisa de paz e de tempo. Não foi à toa que seu primeiro marco histórico só se deu há 2.400 anos: a Grécia clássica.

De volta à justiça, ao longo da história inúmeros movimentos contra a opressão foram necessariamente violentos, reativos, revolucionários e exagerados ao oposto, num primeiro momento.

O mesmo se deu/dá em relação à homossexualidade. Tomemos um indivíduo gay, como exemplo: com a percepção de que é diferente da maioria, e com características que o senso comum rotula como “erradas”, ele passou grande parte de sua vida ocultando sua condição; envergonhado dela. Ele vive uma guerra surda, uma opressão injusta, e reage do jeito que pode, se escondendo.

Quando as condições mudam, ele sai do armário e passa, reativamente, ao extremo oposto: da vergonha ao orgulho gay. Desfilará sua condição como um estandarte, pois continua em guerra, em busca de justiça para si e seus pares, agora na fase da vingança.

Como fruto dessa reação vingativa contra os opressores, muitos oprimidos conseguiram um tempo de paz, um lugar ao sol, uma jurisprudência para seu direito de ser quem é, agora com serenidade e possibilidade de reflexão.

Mas... “si vis pacem, para bellum” (“se queres a paz, prepara a guerra”), diziam os romanos. Ou, como eu dizia a meus filhos, “quando Freud não explica, Lampião entra em ação”.

Sem esquecer que nosso desejo é a serenidade, a paz e a reflexão racional, os maiores potenciais de uma espécie que se pretende Sapiens...



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD








quarta-feira, 26 de maio de 2021

Calos - A NATUREZA FALA

 


Os calos são um bom exemplo de conversa entre natureza e cultura. Nosso DNA instalou no corpo um programa para engrossar a pele como resposta ao atrito repetido. Assim se formam os calos. 
Sabendo disso, quem não gosta de ter calos nos pés (natureza) escolhe sapatos mais confortáveis (cultura).

(Do livro de David Buss, “Evolutionary Psychology - the new science of the mind”).



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




“GASLIGHTING”

 



O termo “gaslighting” (“manipulação psicológica”) vem sendo usado quando alguém sofre um processo de desnorteamento/enlouquecimento proposital promovido por outros, necessariamente pessoas próximas.

Ele saiu do título de um filme (“Gaslight” / “À meia-luz”, George Cukor, 1944) em que a heroína sofre uma manipulação psicológica feita pelo marido para que ela deixe de acreditar em suas percepções e comece a achar que enlouqueceu.

Infelizmente, existe na vida real. Acompanhei um caso em que minha cliente ouvia de sua família insinuações, comunicações cifradas, alusões, indiretas, sarcasmos, falas a terceiros na sua frente que pareciam se referir a ela. Quando tentava esclarecer as coisas, era ridicularizada, “é tudo da sua cabeça, ninguém estava falando de você”, “não se pode brincar mais com você?”, “tá maluca?”, “que paranoia” etc.

Deu um trabalho detetivesco enorme, recolhendo manifestações mais consistentes, evidências esparsas, até que delineássemos o processo sádico de gaslighting que ela sofria.

A segunda parte foi fazer com que ela visse que havia se metido num vício sadomasoquista com eles, e que ela acabava estimulando o bullying na medida em que se encolhia (a lei do bullying é “quem se encolhe apanha mais”).

Quando ela começou a não entrar no jogo, a cuidar mais de sua vida, a síndrome de abstinência atingiu seus familiares (“Como assim? Ela vai deixar de ser a louca da família?”), eles se tornaram mais agressivos e evidentes, fazendo-a ver que não podia confiar mais neles.

Isso lhe deu sentimentos ambivalentes: alívio, pois viu que não estava louca; mas também grande tristeza e um luto pela perda do investimento afetivo que tinha neles.

Por mais duro que seja, é melhor ver o câncer, ou ele não será tratado.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD



REPRESENTAÇÃO PSÍQUICA: A LUA, E COMO A VEMOS


A princesinha queria a lua de presente. O rei seu pai nunca lhe havia negado nada, mas dessa vez... Chamou os sábios da corte. “Impossível”, disseram-lhe eles, “ela é enorme e distante”.

Mas o bobo da corte foi perguntar à princesa: “Como é a lua?”
“Ai, bobo, como você é bobo! Todo mundo sabe que a lua é uma medalha de ouro colada no céu! É só ir lá e pegar!”

O rei ficou feliz, e numa noite sem lua a princesinha ganhou seu presente, a lua de ouro presa a uma correntinha.

Mas no dia seguinte a pergunta apareceu: e quando a lua ressurgir no céu? Convocados, os sábios deram sugestões inviáveis: “uma cortina de veludo negro cercando o palácio!” “Fogos de artifício todas as noites, daqui por diante!”

Debalde. Na noite seguinte, a lua nova despontava, o rei se atormentava, e o bobo foi perguntar à princesinha: “Mas você está com a lua, como é que ela reaparece no céu?”

“Ai, bobo, como você é bobo! Todo mundo sabe que a lua é como a unha: você corta e ela nasce de novo. Não está vendo a unhinha já crescendo?”

Esse bobo da corte é o meu psicanalista favorito: ele não tira onda de sabichão, ele não interpreta; quer saber o que o cliente vê, quer se pôr na pele dele para entender seu ponto de vista, sua representação psíquica das coisas.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD



 

O DESEJO E O MÉTODO MICHELÂNGELO DE ESCULPIR - O AMIGO PERGUNTA

 


“Como se aprende a conhecer o próprio desejo?”

Francisco Daudt: Começando pela definição de desejo, em psicanálise: ele vai além daquela coisa de grávida de comer doce de leite com pimenta. O desejo é o jeito singular de como a vida moldou nosso impulso animal de buscar prazer.

O que você está lendo aqui, portanto, é uma expressão do meu desejo: eu tenho prazer na escrita e tenho prazer de imaginar a apreciação do leitor.

E o Michelângelo? Conta-se que perguntaram a ele como havia conseguido esculpir o Davi. “Bem, eu vi o cubo de mármore, sabia que o Davi estava dentro, e fui tirando as sobras”, foi sua resposta.

De fato, para aprender sobre o próprio desejo, é muito mais fácil eliminar o que não é do que saber direto o que é.“Que faculdade eu vou escolher? Matemática? Nem pensar, eu me interesso mais por humanas”, e assim por diante.

Foi como eu me tornei psicanalista. E como sei que isso se encaixa no meu desejo? É simples: porque tenho prazer na profissão.

Há perguntas-chave nesse processo: “Eu quero? Ou eu tenho quê...?” O treino na autoconsulta servirá como bússola.

Mas, e aquele cliente que disse ser a vingança o que o motivava na vida? A vingança era o desejo dele?

Não. A vingança era a doença do desejo dele. Ele era prisioneiro de uma busca compulsiva (quer dizer “mais forte do que ele”) pela vingança. O desejo legítimo não aprisiona, a doença e o vício sim.

Mas a vingança era, ainda que vício, um distante representante de seu desejo. Como a vingança é uma forma primitiva de justiça, ele tinha, de fato, desejo legítimo de justiça.

Quando entendemos a injustiça original que o aprisionava, aquela lasca de pedra foi jogada fora.

Não era o Davi.




 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD


FREUD ENCONTRA DARWIN (subtítulo do meu livro “Natureza Humana 2”)



Freud baseou sua teoria dos impulsos na de Darwin: o que nos guia é sobrevivência e sexo; busca de prazer e evitação de desprazer.

O Eros de Freud é uma síntese do desejo sexual com o zelo de sobrevivência. A história do Impulso de Morte é mais complicada (e tardia, na obra freudiana, muito influenciada pela 1ª Grande Guerra).




 
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