“Como se aprende a conhecer o próprio desejo?”
Francisco Daudt: Começando pela definição de desejo, em psicanálise: ele vai além daquela coisa de grávida de comer doce de leite com pimenta. O desejo é o jeito singular de como a vida moldou nosso impulso animal de buscar prazer.
O que você está lendo aqui, portanto, é uma expressão do meu desejo: eu tenho prazer na escrita e tenho prazer de imaginar a apreciação do leitor.
E o Michelângelo? Conta-se que perguntaram a ele como havia conseguido esculpir o Davi. “Bem, eu vi o cubo de mármore, sabia que o Davi estava dentro, e fui tirando as sobras”, foi sua resposta.
De fato, para aprender sobre o próprio desejo, é muito mais fácil eliminar o que não é do que saber direto o que é.“Que faculdade eu vou escolher? Matemática? Nem pensar, eu me interesso mais por humanas”, e assim por diante.
Foi como eu me tornei psicanalista. E como sei que isso se encaixa no meu desejo? É simples: porque tenho prazer na profissão.
Há perguntas-chave nesse processo: “Eu quero? Ou eu tenho quê...?” O treino na autoconsulta servirá como bússola.
Mas, e aquele cliente que disse ser a vingança o que o motivava na vida? A vingança era o desejo dele?
Não. A vingança era a doença do desejo dele. Ele era prisioneiro de uma busca compulsiva (quer dizer “mais forte do que ele”) pela vingança. O desejo legítimo não aprisiona, a doença e o vício sim.
Mas a vingança era, ainda que vício, um distante representante de seu desejo. Como a vingança é uma forma primitiva de justiça, ele tinha, de fato, desejo legítimo de justiça.
Quando entendemos a injustiça original que o aprisionava, aquela lasca de pedra foi jogada fora.
Não era o Davi.