domingo, 9 de maio de 2021

“MÃE É MÃE”

 


“MÃE É MÃE”

Consulta: Obrigação de Gostar dos Pais
(Publicado em 01 de fevereiro de 2012)

PERGUNTA: “Vou lhe dizer uma coisa que tenho medo de dizer até para mim mesma: descobri que não gosto de minha mãe. Eu sou uma pessoa horrível?”

“Você é! Afinal, mãe é mãe, a pessoa que te presenteou com a vida e é merecedora de eterna devoção, não há nada de mais sagrado!”

Esqueça tudo o que escrevi até agora, pois foi apenas uma caricatura da mais poderosa religião que existe: o senso comum. Essa religião não tem nada escrito, como a bíblia, mas tem tudo aludido de forma sutil. E, por ser sutil, não tem como ser contra-argumentado.

Experimente dizer por aí que você não gosta da sua mãe e as pessoas não dirão nada. Apenas fecharão a cara, suspirarão, revirarão os olhos e… pronto: tudo está dito, e da pior maneira.

O que está dito é que você é horrível, que sua mãe é perfeita, que você está contrariando as leis de deus e da natureza ao mesmo tempo, e que você merece o fogo do inferno.

Mas, vamos pensar com racionalidade. A mãe natureza não está nem um pouco interessada em nossa felicidade, apenas em que procriemos. Por causa disso, pessoas, sem a menor vocação para pais, procriam à vontade.

Levitt, em seu “Freakonomics”, demonstrou que filhos indesejados se destinam à marginalidade, sejam dos pobres ou dos ricos, e que o direito de aborto desses filhos foi fundamental para a redução da criminalidade nos EUA.

Ou seja, você pode ter constatado a incompetência de sua mãe para a função de mãe, e não deve ter a menor culpa por isto.

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FRANCISCO DAUDT

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 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD





“Como a psicanálise vê a paixão?” - O AMIGO PERGUNTA

 


PAIXÃO

“Como a psicanálise vê a paixão?”

Francisco Daudt: Como um estado alterado da mente em que a pessoa pensa que está se relacionando com outra, mas – apesar de a outra realmente existir – a relação se dá com um ser ideal imaginado, com uma idealização do outro, uma espécie de “outro enfeitado” por todas as maravilhas que moram no nosso Superego.

Lembrando: Freud chamou o Superego de “O que está acima de mim” (“das Überich”). Esse software se construiu sobre uma base dos nossos programas inatos de sobrevivência: lá moram os nossos medos e tudo que nos ameaça; desde o escuro e as cobras até o abandono e o desamparo.

Mas também mora o “Ser ideal perfeito” que, desde esse pedestal, nos cobra permanentemente a estar à altura dele. O truque é: “seja perfeito e você estará imune às ameaças”, ou “as ameaças só existem porque você não é perfeito”.

Por isso é tão fácil para a humanidade imaginar um ser perfeito, todo-poderoso, onisciente, onipresente, completamente bom e justo, que até a morte vence. É o Superego externo, presente em todas as culturas: os deuses.

Esses deuses são o Salvador, o Redentor, aqueles que corrigirão todas as nossas misérias, nos protegerão de todos os nossos males. Basta... adorá-los em troca.

O que nos remete à paixão. Gosto muito de caricaturas, elas nos ajudam a entender coisas difíceis. Pois pego agora a paixão adolescente como caricatura de todas as paixões. Quando ela acontece, a pessoa é presa da agonia e do êxtase. Parece que todos os seus problemas acabaram, que você “chegou lá!” Não à toa, as musas dessa paixão são chamadas de “minha deusa”. “Ela é tudo para mim; eu serei tudo para ela”.

Essa é a parte do êxtase. A agonia começa com o significado original de paixão: sofrimento! O latim “passio” só permite essa tradução. Eis porque se diz “a paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”. É isso: aquela paixão dele não tinha nada a ver com Maria Madalena...

Você imagina o tamanho da ameaça que é imaginar perder o objeto de sua paixão? Por isso o assunto dos adolescentes apaixonados é um só: ciúme/posse. Ciúmes sexuais e ciúmes de prestígio. Entendeu agora o “crime passional”?

A ironia final: o latim “passio” equivale ao grego “patos”, portanto “patologia” pode ser traduzido como “o estudo das paixões/sofrimentos”...

O próximo capítulo, portanto, contemplará os vários níveis da paixão: do normal ao doentio, ao patológico.

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FRANCISCO DAUDT

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 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD





terça-feira, 4 de maio de 2021

O FIM DA ANÁLISE - O AMIGO PERGUNTA

 



Clô Franklin: “Quando é que a análise termina? Como saber essa hora?”

Francisco Daudt: Ih, esse assunto já foi fonte de muita encrenca. Uma cliente me contou que, nos anos 70, teve que assinar um termo de responsabilidade para poder largar sua análise, pois o analista disse que ela corria risco de suicídio, se saísse.

Essa era uma arapuca perversa da psicanálise daquela época: não era incomum que as pessoas fizessem cinco sessões semanais. Ora, se ela largasse, o analista perderia uma fração substancial de seus proventos, donde – mesmo sem má intenção – ele poderia se seduzir com a ideia de que as análises deveriam ser intermináveis.

Sou favorável a que o analista desarme para si possíveis seduções de desonestidade/abuso de poder. Se ele tem muitos clientes de uma sessão por semana, por exemplo, não fará drama se o cliente quiser sair. O mesmo se aplica ao tempo de sessão: uma duração contratada de tantos minutos removerá a tentação de despachar logo o cliente.

Se o psicanalista tem claro para si que ele é um prestador de serviços, se ele faz diagnóstico e busca a cura, não ficará seduzido pela ideia da psicanálise como coisa monumental, que visa rever toda a vida do paciente, e levar anos com isso. Poderá aceitar que também há objetivos terapêuticos mais limitados (como o tão atual tratamento do luto, causado pela Covid).

De qualquer modo, tomei como política nunca, NUNCA objetar à vontade do cliente de interromper a análise. Entender, sim; objetar, não. Mesmo porque, cabe ao cliente dizer quando está satisfeito. Eu nunca “dou alta”, porque não dou “atestados de cura”, nem me concebo com esse poder.

Agora, entender sim, porque às vezes a vontade de interromper é uma expressão de que algum mal-estar com a análise se despertou no cliente, e ele não achou outra maneira de expressá-lo.

Mas eu quero que a saída do cliente seja simples, descomplicada. É claro que aquele exemplo lá no início tem uma função de antimodelo, de tanto horror a atitude do analista me despertou.

Mas não é só isso. É que eu não quero que a psicanálise seja algo de monumental. A monumentalidade pertence ao reino do Superego, daquilo que está “Acima de mim”, e o Superego faz parte do problema, não da solução. Portanto, um cliente que interrompe hoje, pode bem querer voltar amanhã, ele precisa saber que as portas estarão sempre abertas.

Além disso, é parte do meu trabalho a “transferência de tecnologia”, de modo que um cliente possa cumprir as duas etapas do tratamento inventado por Freud: a análise terminável (a de consultório), e aquela que ele será capaz de fazer sozinho, com sua introspecção.

Essa sim, interminável.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




F.O.M.O. E INSÔNIA

 



Gostei de terem inventado o conceito de F.O.M.O. (“Fear of missing out”), o medo de estar perdendo alguma coisa melhor, a compulsão de se divertir, de ter permanente excitação, uma praga contemporânea da geração mimada com vício de companhia e das mídias sociais.

Por que praga? Pelo cultivo do imediatismo como valor indiscutível, o prazer incessante como direito adquirido e inalienável.

“Abaixo o natal com data marcada; natal pode ser a qualquer hora! Nós queremos Monareta AGORA!”, assim cantava uma propaganda dos anos 80, anunciando a chegada dos “entitled” (“aqueles que têm direito”, um aperfeiçoamento dos “spoiled”, estragados”, mimados, em inglês).

Mas, qual é o problema de se querer prazer? Nenhum, em princípio. O problema está no tipo de prazer: há o prazer de alívio e o prazer de realização. O de alívio mais caricatural e extremado é heroína na veia. Dizem que não existe prazer maior e mais imediato. É pena que não se repita, pois depois do vício instalado (bastam duas doses, é como crack), a nova injeção só serve para tirar a síndrome de abstinência.

O prazer de realização requer investimento: conhecimento do próprio desejo, capacidade de reflexão e construção. Isto serve para uma relação amorosa, para encontrar uma profissão que dê sustento e seja bonita de fazer, tanto quanto para o prazer que tenho ao escrever este texto, já que ele é fruto de tudo o que enumerei antes.

O cultivo do imediatismo que leva ao F.O.M.O. emburrece, pois incapacita para a reflexão, já que ele é fruto de pura reação. Depois do pequeno barato que vem de se checar pela enésima vez as últimas postagens das mídias, vem a fissura de fazer mais uma, ver mais outra, numa aceleração que leva à... insônia.

O dormir requer ritual de desacelaração. Você já deve ter visto aquelas crianças hiperativas que não dormem, e sim desmaiam de exaustão. Pois o F.O.M.O. funciona igual. O dia não termina, pois “eu ainda posso ver mais uma coisa, fazer mais outra”.

Dificilmente alguém estará imune ao F.O.M.O., pois ele já se instalou no espírito do tempo atual. Minha intenção aqui é, como faz a psicanálise, tornar consciente as armadilhas que nos aprisionam, buscar liberdade, independência e autonomia.

E depois, dormir o sono dos justos...



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




OS LIMITES DO “PODE”



Um bom corrimão de escada é uma tentação permanente para uma criança. Temos essa “questão” aqui em casa. Podíamos dizer aos nossos filhos: “Não, vocês não podem escorregar nele. É perigoso!”. E eles iam escorregar escondido.

Preferimos ensinar a escorregar com segurança. Primeiro, depois da curva de 180º, que é o ponto crítico. Depois, já bem treinadas, desde lá de cima.

Foi assim que o corrimão entrou no crescente rol dos direitos delas: os limites do “pode”.

Poxa, nós crescemos ouvindo que criança precisa de limites, e a lista enorme do que não podíamos e de nossos deveres. Ninguém nos informava sobre nossos direitos, a gente ia se virando por transgressões...

A psicanálise visa nos apossarmos do direito ao nosso desejo.

(Do meu livro “O Aprendiz do Desejo - a adolescência pela vida afora”, Editora 7Letras - Disponível em: https://7letras.com.br/livro/o-aprendiz-do-desejo/).



 
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AUDÁCIA E ZELO



“Vai lá, otário, chega nela!”

“Ah, mas... e se ela me der um passa fora?”

Em toda ação humana, audácia e zelo conversam, mesmo sem que percebamos. Igualmente ignorado é o fato de que eles respondem pelos nossos dois instintos animais básicos: sexual (reprodução) e sobrevivência.

Freud os chamou de “Princípio do Prazer” e “Princípio da Realidade”: “Sim, eu quero comer muito pão com manteiga!”; “Ai, meu Deus, isso vai me custar um baita aumento de peso...” 

O princípio do prazer termina em exclamação! O da realidade, em reticências...




 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD






 

A PSICANÁLISE E O PRÉ-CONSCIENTE

 



O que você comeu ontem no jantar? Lembrou-se? Até eu perguntar, o registro dessa memória estava no seu pré-consciente. Agora, com sua atenção chamada, ela se tornou consciente, como é consciente o fato de você estar lendo este texto.

A consciência depende da nossa atenção. De início, antes de falar do Ego, Id e Superego, Freud descreveu o aparelho psíquico dividindo-o em Consciente, Pré-consciente e Inconsciente. 

No Inconsciente ficam os arquivos de memória inalcançáveis: os que servem de “fundações” do prédio mental a ser construído (como por exemplo, o nosso aprendizado do português) e aqueles reprimidos pelo horror de vê-los. São esses últimos o objeto da pesquisa psicanalítica.

Mas eu sou encantado pelo pré-consciente. Ao ponto de considerar a nostalgia meu esporte favorito. O prazer que me dá tirar da prateleira arquivos antigos, intocados há décadas, como anúncios de TV dos anos 60 (“Quem bate? É o frio! Não adianta bater...”) e mostrá-los para “companheiros de carteira de identidade”... É uma delícia. Quanto mais antigos e surpreendentes, melhor.

Outro exercício fascinante é tornar consciente o número de informações que nos traz uma simples olhadela em alguém desconhecido. Experimente: veja a pessoa na rua por cinco segundos e depois fale sobre ela. Você vai ficar pasmo de ver quanta percepção pré-consciente recolheu: escolaridade, classe social, orientação sexual, sinais hostis ou amistosos, tipo de tribo etc.

Você já se imaginou como sendo um computador cujo HD comporta infinitos gigabytes de memória? Eles são registros do que captamos por todos os sentidos, de modo que, remontados num sonho, constroem verdadeiras superproduções cinematográficas. Cenários, pessoas, tramas, cidades, ambientes, sons, tudo tirado dos nossos arquivos e roteirizado por nossos desejos.

O psicanalista lida com esses arquivos. Não é que você vá recuperar arquivos inconscientes, mas a memória pré-consciente vai ser vista por ângulos novos:

“Édipo, você se lembra da sua mãe, antes de se casar com ela? Claro que não! Você foi criado pelos reis de Corinto, nunca conheceu a rainha de Tebas. Ela só te gerou, sua mãe foi a outra. Afinal, você se sente culpado de quê?”

Nunca me conformei de o Édipo não ter tido um bom psicanalista para ajudá-lo a reler seus arquivos de memórias...



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD