O que você comeu ontem no jantar? Lembrou-se? Até eu perguntar, o registro dessa memória estava no seu pré-consciente. Agora, com sua atenção chamada, ela se tornou consciente, como é consciente o fato de você estar lendo este texto.
A consciência depende da nossa atenção. De início, antes de falar do Ego, Id e Superego, Freud descreveu o aparelho psíquico dividindo-o em Consciente, Pré-consciente e Inconsciente.
No Inconsciente ficam os arquivos de memória inalcançáveis: os que servem de “fundações” do prédio mental a ser construído (como por exemplo, o nosso aprendizado do português) e aqueles reprimidos pelo horror de vê-los. São esses últimos o objeto da pesquisa psicanalítica.
Mas eu sou encantado pelo pré-consciente. Ao ponto de considerar a nostalgia meu esporte favorito. O prazer que me dá tirar da prateleira arquivos antigos, intocados há décadas, como anúncios de TV dos anos 60 (“Quem bate? É o frio! Não adianta bater...”) e mostrá-los para “companheiros de carteira de identidade”... É uma delícia. Quanto mais antigos e surpreendentes, melhor.
Outro exercício fascinante é tornar consciente o número de informações que nos traz uma simples olhadela em alguém desconhecido. Experimente: veja a pessoa na rua por cinco segundos e depois fale sobre ela. Você vai ficar pasmo de ver quanta percepção pré-consciente recolheu: escolaridade, classe social, orientação sexual, sinais hostis ou amistosos, tipo de tribo etc.
Você já se imaginou como sendo um computador cujo HD comporta infinitos gigabytes de memória? Eles são registros do que captamos por todos os sentidos, de modo que, remontados num sonho, constroem verdadeiras superproduções cinematográficas. Cenários, pessoas, tramas, cidades, ambientes, sons, tudo tirado dos nossos arquivos e roteirizado por nossos desejos.
O psicanalista lida com esses arquivos. Não é que você vá recuperar arquivos inconscientes, mas a memória pré-consciente vai ser vista por ângulos novos:
“Édipo, você se lembra da sua mãe, antes de se casar com ela? Claro que não! Você foi criado pelos reis de Corinto, nunca conheceu a rainha de Tebas. Ela só te gerou, sua mãe foi a outra. Afinal, você se sente culpado de quê?”
Nunca me conformei de o Édipo não ter tido um bom psicanalista para ajudá-lo a reler seus arquivos de memórias...
A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD
Disponível em: https://7letras.com.br/livro/a-criacao-original/