quarta-feira, 28 de abril de 2021

O DECLÍNIO DA NEUROSE

 


As neuroses estão sumindo, enquanto os vícios (comportamentais e de substâncias) estão em alta. Isso é fenômeno mundial, sociológico, um retrato do espírito do tempo.

Por quê? Porque a repressão saiu de moda. A repressão (ou recalque; em alemão,  verdrängung = desalojamento), o motor da neurose, é um mecanismo de defesa contra a angústia que precisa de pressão moral vinda do Superego... e as pressões morais estão em baixa. Pudor, vergonha na cara, sentimento de culpa, constrangimento, recato parecem-se, cada vez mais, coisas do século passado.

Para haver neurose, é preciso que a pessoa tenha horror a pelo menos um de dois grupos de “maus sentimentos” seus: raiva e desejo sexual. Melhor dizendo, é preciso que sua raiva e/ou seu desejo sexual sejam vistos por ela como “maus sentimentos”.

Como resultado, a pessoa nem percebe que teve esses “maus sentimentos”, pois no lugar deles aparece uma coisa esquisita: o sintoma neurótico. 

Tome-se a histeria como exemplo: a mulher do século XIX sentia tesão por alguém; mesmo antes de perceber esse “horror” em si, ela desmaiava. O desmaio aparecia substituindo o tesão, uma coisa bem esquisita.

A última pessoa que me apareceu no consultório com sintoma histérico foi um homem, faz uns trinta anos, e o desejo reprimido era homossexual. Ainda podia ser um horror ter desejo homoerótico, veja só...

E o que veio no lugar da repressão? No “liberou geral” contemporâneo, o sexo transgressor substituiu a histeria. O desejo continua problemático, mas como vício, não mais como neurose.

O mesmo se passou com a raiva e os frutos de sua repressão (a neurose obsessiva e as fobias). Não que elas tenham desaparecido, mas cada vez mais cedem lugar ao vício sadomasoquista e o de domínio/submissão, o maltrato nas relações, o deslocamento do alvo do ódio para as tretas e para as “tribos inimigas”, para o patrulhamento politicamente correto, para os cancelamentos e linchamentos morais (temo que sejam sinônimos).

P.S. Tenho a impressão de que esta minha tese é original. Nunca vi publicação ou ouvi falar dela antes. Se alguém souber de algo diferente, por favor me avise.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD



sábado, 24 de abril de 2021

OBSESSIVOS “DA LATA”

 


Você abre uma lata de massa de tomate em vinte segundos e a borda fica lisinha.

Mas se vir alguém tentando abrir a lata com facão de cozinha e soquete de carne... entra em agonia, não se segura e diz: “Me dá essa lata aqui”.

O obsessivo é aquele que fazia o trabalho de grupo sozinho (e não reclamava), ele acerta quadros na parede (e se esforça para não fazer isso na casa dos outros), nunca deve nada a ninguém, faz e entrega bem, aperta a pasta de dentes pelo fim e passa o cabo da escova nela, quando está acabando, cola o resto de sabonete no novo e sabe bem onde estão seus documentos.

A obsessividade é uma benção, quando nos pertence; nenhum obsessivo gostaria de ter nascido diferente.

O problema é quando ela manda na gente. Esta é a diferença entre caráter e doença, hoje chamada de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo).




 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD



segunda-feira, 19 de abril de 2021

ADORO ETIMOLOGIA


Implicar: do latim IMPLICARE, “dobrar junto, entrelaçar, unir”, de IN, “em”, mais PLICARE, “dobrar”.

“Ter consciência implica - (“SE DESDOBRA EM”, “se une a”) - uma certa tristeza”. 

É por isso que “implicar em” é redundante: o “em” já está incluído no pacote.

Dele derivam implícito e implicante, bem como explícito, este com o uso do prefixo EX-, “fora”.

P.S. Bem lembrada nos comentários, “implicância” é também uma forma de se estar unido a (algo, alguém): Implicância é sinônimo de: pinima, birra, cisma, implicação. A Zoraya Therezinha Silva se lembrou da “branda implicância”, uma mensagem disfarçada em que a pessoa diz “eu te amo, eu gosto de você”, mas pelo seu avesso. Pela implicância modulada pelo humor.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




 

UM IMPACIENTE CHAMADO BRASIL

 



O “Valor Econômico” me pede uma entrevista. O tema: “E se o Brasil fosse seu paciente?”

Apesar de eu só ter pacientes que procuram tratamento por se verem com problemas (eu não atendo pessoas em que só os outros veem problemas; respondo sempre, “agora que me conhece, quando você achar que precisa de ajuda, sabe o caminho”); apesar – por essa mesma razão – de saber do tamanho da minha impotência para ajudar, desejo sim olhar o Brasil e pensar em seu sofrimento, que é o meu também.

Tristeza, depressão e vício, os males do Brasil são. A tristeza vem de um tipo difícil de luto: o de gente viva. Como aquele grande amor que nos largou, vivemos entre a saudade e a esperança. A esperança, nesses casos, é uma coisa esquisita: às vezes ela é a última que morre; outras vezes, a primeira que mata.

Ariano Suassuna disse que não era um otimista, pois o otimista é um tolo; nem um pessimista, pois o pessimista é um chato; queria ser um realista esperançoso.

Tá difícil, Ariano, tá difícil. Olhamos o Brasil e dizemos, “o que será que eu vi nessa pessoa?” Outra hora, “ah, não, vai melhorar...” É assim que a esperança tem nos alentado e maltratado.

A depressão, como todas, é resultado da angústia prolongada. Nossa angústia vem do medo da sifudência e da raiva impotente, não carece de explicação. Seus sintomas são apatia, desalento e irritabilidade, esta última sendo o sintoma menos reconhecido da depressão. Há pessoas muito ativas que passam a vida puxando briga com pipoqueiro, e não se reconhecem depressivas.

Então vem o vício. Assim como depressivos usam álcool como remédio, muito antes de procurar ajuda, os vícios distraem e aliviam momentaneamente, fazem esquecer das dores e mágoas, mesmo que cobrem alto preço mais adiante. Infelizmente, quem está sofrendo não pensa em mais adiante: a farpa exige alívio já, a dor empurra para o imediatismo.

O vício que assola o Brasil é o tribalismo fodão/merda. A política do “nós contra eles”, que vem sendo cultivada há anos, ganhou o impulso das mídias sociais para se tornar guerra viciosa: a dopamina (neurotransmissor do prazer) que inunda o cérebro a cada vez que xingo, humilho, rotulo o outro de merda, se torna nossa dependência, nossa razão de viver.

A micro-vitória da minha tribo, conseguida às custas da derrota da tribo oposta – e isso é um fenômeno mundial, não é exclusivo nosso – faz com que percamos as referências de uma identidade nacional e nos afunda na lama da doença cada vez mais, aumentando a tristeza, a desesperança e a depressão... que nos impulsionarão para mais vício.

Ou seja, é um círculo vicioso...

“Mas, e a cura, doutor?” Como em qualquer doença, a prioridade é a parte mais grave e mais danosa. No caso do Brasil, o vício. A primeira coisa, os AA já recomendam há tempos, é reconhecer-se doente.

É este o propósito da minha mais que modesta – porém esperançosa – contribuição aqui.




 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD



A FILOSOFIA COMO CONSOLO

 



Diferentemente de necrotério (lugar dos mortos, em sua origem grega), cemitério é o lugar para dormir. O de nome mais bonito que conheço é o Cemitério da Consolação: lugar para dormir, lugar de consolo. Reúne duas necessidades básicas do ser humano neste vale de lágrimas: descansar e consolar-se.

As religiões são um produto natural deste anseio da espécie: elas nos consolam negando a morte (veja que no cemitério se dorme, não se está morto) e nos dando amparo do transcendente forte, um ser maior que nos protege.

E quem, como eu, não tem religião? Como faz para se consolar do desamparo e da solidão a que estamos condenados? Já estava no caminho de encontrar algo útil, não um transcendente forte acima de mim para me subjugar e a quem servir, ou para a ele me agarrar com unhas e dentes, mas de uma referência-ferramenta para enfrentar a pedreira existencial, quando esbarrei com Boécio e o consolo da filosofia.

Ele foi um romano do século 6º, preso injustamente e sentenciado à morte, que escreveu na prisão esse belo livro ("De Consolatione Philosophie") em que registra sua conversa com as musas da filosofia, buscando com elas entender o sentido de sua prisão e de sua condenação à morte. É uma linda metáfora para a própria vida, se lembrarmos daquela sua definição: a vida é uma doença sexualmente transmissível, com 100% de fatalidade.

Pois venho conversando com elas, as filosofias, e o que tenho ouvido delas me é de grande consolo. Primeiro foi a escola grega dos estoicos. Êta gente mal compreendida. No senso comum, são pessoas "que sofrem em silêncio". Não! Um estoico é alguém que simplesmente aceita a realidade que não pode ser mudada. Você nunca verá um estoico se queixar da chuva. E, se ele tiver perdido uma perna, fará tanto sentido se queixar de que tem uma só perna quanto faria para mim me queixar porque tenho duas: minha realidade é ter duas, a dele é ter uma. Mas um estoico não é cego às possibilidades de mudar a realidade incômoda: se ele souber de uma boa prótese no mercado, irá atrás dela.

Depois foram os céticos. Esses buscadores do conhecimento ("episteme") reconhecem que sua procura não tem fim, já que não chegam a nenhuma certeza absoluta, e sim a verdades funcionais. Não é aquela coisa pós-moderna de "toda verdade é relativa". Não. Existem verdades que fazem um avião voar, e fora delas existem desculpas. Na base aérea Edwards da Califórnia há uma placa que lembra: "Desculpas não voam".

Dentro da escola dos céticos, amo os agnósticos: são os que se declaram incapazes de conhecer um determinado assunto. Não confundir com os ateus ("sem deus"), pois estes têm certeza absoluta da inexistência de Deus, enquanto eu tenho problemas com certezas absolutas...

Basicamente, eu, agnóstico, digo: se não consigo o conhecimento disso, isso não me servirá como referência de vida. Quanto a isso, Deus e a física quântica se equivalem: não consigo o conhecimento deles; não me servirão como referência de vida.

Preciso de referências. Minha bronca com o pós-modernismo é tê-las detonado. Ouvi de uma cliente uma pergunta cômica: "Ué, o pós-modernismo já não saiu de moda?"

Vai ser pós-moderna assim...



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD



BRINCANDO DE PSICANÁLISE - O AMIGO PERGUNTA

 



“Como funciona a associação livre de ideias?”

Francisco Daudt: De uns tempos para cá, digo de vez em quando aos clientes, “Agora vamos brincar de psicanálise”. É o meu convite para que façam associação livre de ideias.

Ela é o truque inventado por Freud para substituir a hipnose. Você já deve ter ouvido falar das pranchas de Rorschach, umas manchas de tinta sem sentido prévio em que as pessoas veem aquilo que lhes aparece na cabeça.

Pois a associação livre é muito parecido. Freud dizia aos clientes: “Me conte o que aparece em sua mente, como se você estivesse olhando pela janela de um trem. Apenas diga, sem censura, o que for surgindo. Seja passivo espectador, não critique nem explique, apenas descreva”.

Claro, como ninguém mais anda de trem, eu uso uma tela de TV no lugar da janela. A dinâmica da coisa é tal que os relatos falam muito da pessoa e daquilo que ela nem imaginava que se passava em sua cabeça.

É uma linguagem a ser aprendida. Ninguém fala sem censura; vivemos medindo nossas palavras – sim, é verdade que alguns não medem – e descartando o que nos parece perigoso ou irrelevante. É preciso muita confiança em quem nos ouve para que nos aventuremos a tentar essa ousadia. Atenção, futuro psicanalista: cabe a você despertar tal confiança.

Se o psicanalista a despertou, o cliente falará coisas indizíveis em qualquer outro lugar do mundo. Ele sabe que aquilo não será usado contra ele nos tribunais do Superego, não suscitará juízos de valor, reprimendas, puxões de orelha, não será motivo de sua vergonha ou culpa, já que ele está falando com seu advogado de defesa.

Sim, o psicanalista estará ali para olhar as razões de seu sintoma, para entender como a história do cliente o levou àquele ponto, àquela situação. Ele sabe que o bom psicanalista não é um juiz, é um CSI, um investigador que monta puzzle: a livre associação de ideias é um esplêndido fornecedor de pecinhas.

Aliás, eu adoro a metáfora do quebra-cabeças: as pecinhas não parecem ter nada a ver umas com as outras, mas... algumas são de bordas (quem monta puzzle sabe que as bordas são preciosas; elas equivalem ao diagnóstico em psicanálise). Outras têm cores parecidas, e devem ficar em montinhos separados. Há que se ter paciência, porque não há a tampa do brinquedo para nos guiar, mas as figuras vão aos poucos sendo montadas.

É a hora em que, montado um pedaço do puzzle, o psicanalista pergunta ao cliente: “Isso faz sentido?” Se não fizer, desfazem-se as peças e se começa outra vez: o cliente não sabe, mas ele é o único que tem a tampa!

Já se vê que a tal associação não é tão livre quanto parece: ela segue uma tampa inconsciente do brinquedo, chamada “desejo”



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




domingo, 11 de abril de 2021

PSICANÁLISE: A INFORMÁTICA COMO METÁFORA - O AMIGO PERGUNTA

 



“Que semelhanças tem um computador com nossa mente? E que diferenças?”

Francisco Daudt: Ah, você não sabe que beleza é a ajuda da informática na explicação de como a mente funciona! Quem viu o filme “Divertida Mente”, da Disney (2015) faz ideia do que estou falando.

Começando pela diferença entre hardware e software: cérebro, neurônios, neuroquímica de um lado; e do outro, programas de comportamento com os quais nascemos (os softwares que vêm com a máquina, ou “firmwares”), programação externa que a cultura e a criação dos filhos opera em cima deles. 

Isso, para começar. Depois vêm as sobrecargas, quando o processador fica lento; os bugs/vírus que invadem os sistemas (e o consequente trabalho de “debugging”, feito pela psicanálise); a necessidade de ressetar a máquina (o sono e os sonhos); as correções de hardware eletroquímico (quando há depressão, sem os remédios é quase impossível mexer no software); as correções de software, quando eles estão aprisionados a uma trilha viciosa – e este é o principal trabalho da psicanálise.

Esse último se aproveita da “inteligência artificial” da máquina, sua capacidade de aprender: uma vez detectado o desvio de função, a desfuncionalidade, ela tende sozinha à reprogramação, usando um de seus softwares inatos.

E aqui entram as diferenças: a nossa máquina vem com dois poderosos programas que coordenam ativamente todos os outros: sobrevivência (evitar desprazer) e busca de prazer (desejo). Ambos são “truques” da mãe natureza, moldados pela evolução, para que o DNA possa se replicar: não se iluda, ela manda em nós!

Isso nos torna diferentes de qualquer máquina já construída (e nem vejo que tal coisa venha a ser inventada, pois os custos seriam imensos e a falta de interesse em se criar um Frankenstein ajudaria a não se investir nisso).

A psicanálise conta com a evitação de desprazer (os clientes nos procuram porque sofrem) e a busca do prazer (eles querem se sentir bem e querem achar meios de satisfazer seus desejos) para encontrar a cura, para o processo de tirar os bugs do sistema.

Em particular, ela conta com o senso de justiça (um dos desdobramentos poderosos de evitação de desprazer, pois a injustiça nos causa raiva) como principal motivação do cliente: o psicanalista se associará a ele para corrigir a injustiça histórica que o aprisiona às doenças psíquicas.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD