domingo, 28 de fevereiro de 2021

domingo, 14 de fevereiro de 2021

NÃO EXISTE CULTURA INÚTIL

 


“A baleia orca é, na verdade, um golfinho gigante. O prezado ouvinte... sabia?”

As pérolas da Radio-Relógio Federal deslumbravam o ouvinte curioso. E havia o arremate filosófico: “O minuto é um milagre que não se repete”, plim!

É claro que Urbano, o aposentado, atormenta os outros com seu Homem-Almanaque, e tiozões assemelhados fizeram assim a má fama desse tipo de saber, chamando-o de “cultura inútil”.

No entanto, cada novo aprendizado que surge do nosso INTERESSE e de nossa CURIOSIDADE tem o valor inestimável de mexer com nossos neurônios e fazer com que vejamos uma coisa banal por um ângulo surpreendente.

Ora, interesse e curiosidade são expressões do nosso desejo, e não existe utilidade maior na vida do que a descoberta do que o atende. 

TODA a psicanálise está voltada para isso: conhecer o próprio desejo e implementar meios de satisfazê-lo.

 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD


INVEJA, UMA INJUSTIÇA INJUSTA

 


“Que ódio, ele é mais inteligente do que eu, ele me humilha com sua inteligência, isso não é justo! Tomara que ele morra!”

De fato, a mãe natureza não é justa em sua distribuição lotérica de qualidades. Nos valores que fazem diferença para o mercado sexual, ela é generosa com uns, mesquinha com outros. Ela é como uma mãe que tem preferidos, e isso costuma despertar ciúmes nos filhos enjeitados. 

O ciúme é a primeira inveja, frequentemente a primeira injustiça, que causa a primeira raiva.

Eu tinha três anos quando a empregada me anunciou, rindo: “Aí, hein, vai deixar de ser o reizinho da casa, vai ganhar irmãozinho...” Sim, minha mãe estava grávida; sim, eu era o caçula; sim, fiquei muito puto. Foi meu primeiro ciúme, minha primeira raiva, minha primeira percepção de injustiça frente à qual eu era impotente.

Só que aquele ciúme, aquela raiva não era sem fundamento: eu estava mesmo sendo roubado de algo que julgava meu. A atenção que recebia, a partir dali, estava fadada a me ser subtraída e dada a alguém mais. A situação continha sim uma injustiça, a raiva era justa. 

A raiva é fruto do sentimento de injustiça; é ela que move a busca de reparação. A raiva é, pois, mãe da justiça.

Mas a correção daquela injustiça só pôde ser feita 42 anos mais tarde, quando estávamos esperando nosso segundo filho: resolvi que minha primogênita não haveria de sofrer aquele golpe que sofri. Ao longo da gravidez, diluí e terceirizei os cuidados e atenções que ela recebia, de modo a que ela não sentisse tanto a retirada dos nossos cuidados, quando o bebezinho nascesse. E funcionou.

Voltando à inveja: assim como na família nuclear temos uma premissa de que deveria haver igualdade na distribuição de afetos, no caso da inveja, parte-se da mesma premissa, a justiça pela igualdade.

A partir dessa crença íntima do direito à igualdade, podemos nos comparar, dizer que o outro “recebeu” mais que nós, que estamos sendo roubados por ele, e isso nos deixar irados, furiosos de... inveja.

Como no ciúme dos filhos, essa inveja foi motor de justiça em alguns casos históricos: a ala esquerda do parlamento da revolução francesa lutava por igualdade, enquanto a ala direita defendia a liberdade (deixemos a “fraternité” de lado, pois que eles mesmos  sabiam que ela era um tanto utópica).

Foi assim que surgiu o conceito de igualdade democrática, que almeja a igualdade de OPORTUNIDADES E DIREITOS. É uma batalha incessante, mas é dos momentos mais lindos da história da humanidade, quando se pôde usar a fração justa da inveja para a busca de correção de uma injustiça arcaica. Foi pensando nesse momento que me inspirei para buscar a justiça entre os filhos.

As outras desigualdades da vida, porém, continuarão existindo... e continuarão a gerar inveja. Inveja causada por uma injustiça... injusta.


 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD


A PSICANÁLISE E AS CIRCUNSTÂNCIAS

 



“Eu sou eu e a minha circunstância, e se não salvo a ela, não salvo a mim”.
(Ortega y Gasset, 1883-1955, Espanha)

A psicanálise investiga o Eu, o Superego e o desejo inconsciente, sim. Mas ninguém fala das circunstâncias, e elas fazem toda a diferença. Para o Eu, para o Superego e para o desejo inconsciente.

Ortega y Gasset tem toda a razão: é preciso salvar a circunstância para salvar o paciente.

A circunstância é o que o cerca, é onde ele está imerso. A circunstância é a pandemia, mas é também a sogra, a dívida, o emprego/desemprego, a dor lombar, os amigos, o próximo, o distante, o senso comum, o estresse, o vício, a treta, a oportunidade, os meios e a motivação.

A circunstância pode ser imutável, e essa o estoicismo, mesmo que não dê conta dela, ajuda a suportar.
Mas pode ser mutável para melhor: essa sim, é assunto da psicanálise.

Quando o diagnóstico da doença é feito, com ele vem a consciência dos gatilhos que a despertam, dos traumas que a causaram, das trilhas que a ela levam, das frustrações que a mantêm.

Todos esses podem ser circunstâncias mutáveis, à espera da intervenção possível... e desejável.
Intervenções que salvam o Eu.


 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD


A ARMADILHA DO PRAZER

“A galinha é a máquina inventada pelo ovo para fazer um outro ovo”.O prazer é o truque inventado pelo DNA para que façamos outro DNA. A busca do prazer - e a evitação do desprazer - pautam nossa vida desde o berço. São eles que nos manterão vivos e que acabarão por nos dar filhos, queiramos ou não (é tão mais fácil esquecer a camisinha ou a pílula...).Nós não somos programados para a paternidade/maternidade, somos sim programados para buscar prazer: a obesidade mórbida e o sexo virtual nos espreitam...
 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD


“O que dizer sobre o instinto materno e o relógio biológico?” - O AMIGO PERGUNTA

 


O AMIGO PERGUNTA 
Zoraya Therezinha Silva: “O que dizer sobre o instinto materno e o relógio biológico?”

Francisco Daudt: Há uma preciosa observação recente sobre essa conversa entre natureza e cultura (nature/nurture): a influência do feminismo nas decisões sobre maternidade. 

Com o número crescente de mulheres que mandam na própria vida, cresceu também o número daquelas que decidiram não ter filhos, ou deixar isso para o mais tarde possível.

Acompanhei algumas, no consultório; outras, nas relações pessoais e pela mídia, pois é assunto que me desperta a curiosidade. Elas relatam ter sofrido muita pressão de amigas e parentes para que engravidassem, para abandonar uma decisão que incomodava as outras. Umas poucas – muito poucas – congelaram óvulos, para o caso de mudarem de ideia. 

De modo que minha impressão geral é de que, quando a ideia de realização pessoal de uma mulher é formar família (ou quando isso é o senso comum de seu meio), o tal “instinto materno” impera e o relógio biológico causa grande ansiedade.

Mas se a mulher muda de cabeça (e, por consequência, de meio), esse “instinto” passa para um segundo ou terceiro plano.


 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD


domingo, 7 de fevereiro de 2021

AGRAVANTES E ATENUANTES DA IMBECILIDADE





“Minha questão aqui é que a ninguém a imbecilidade é alheia, não há quem esteja imune a ela”.

"Os imbecis perderam a modéstia"; "Os idiotas vão dominar o mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos."

As famosas frases de Nelson Rodrigues constatam uma triste realidade da espécie. Não à toa o primeiro-ministro britânico Winston Churchill disse que a democracia era o pior dos regimes (com exceção de todos os outros).

Queixar-se da imbecilidade humana, porém, é como queixar-se da chuva: é um dado da natureza e não há nada a fazer, exceto proteger-se dela.

Minha questão aqui é que a ninguém a imbecilidade é alheia, não há quem esteja imune a ela; todo Einstein tem seu momento de Eremildo, o personagem idiota do Elio Gaspari. O que quero comentar são os fatores que agravam a imbecilidade, e os que a atenuam, para que todos nós possamos lidar melhor com ela.

Você pensará que lidar melhor com ela visa apenas atenuá-la, mas não; eu acredito que há muita gente mal-intencionada querendo aumentá-la. Se não, como explicar o descalabro da educação pública?

Afinal, a educação é o pilar da busca da igualdade de oportunidades; é o que transformou a Coreia do Sul em potência econômica em poucas décadas. Em nossa terra, todavia, é entregue às baratas.

Deve haver muito político temendo um povo esclarecido, preferindo pobres mendigando por uma bolsa-esmola a troco de votos.

A chave psicológica do aumento/diminuição da imbecilidade está na capacidade humana de reflexão/reação. Se somos induzidos à reatividade, nossa burrice aumenta. Se temos espaço para a reflexão, cresce nossa inteligência.

É verdade que nossa espécie não teve muito estímulo para a reflexão em suas origens: imagine um ancestral nosso na savana africana vendo um bando de amigos em correria. Se ele parasse para refletir sobre o pânico público, provavelmente teria sido devorado por um predador, não deixando descendentes.

A reatividade de sair correndo junto aos amigos salvou sua vida. A filosofia teve mais chance de existir quando o grego clássico pôde tranquilamente conversar e refletir com seus pares na Ágora.

Eis que nesse cenário acima está o que determina a reatividade e o que possibilita a reflexão: sentir-se ou não ameaçado; precisar ou não se defender. De fato, todos os mecanismos de defesa psíquicos são emburrecedores.

Tomemos apenas a negação como exemplo: todos nós estamos fadados a morrer. A morte e os impostos são as duas únicas certezas da vida. Agora considere a quantidade de energia que a humanidade investe na negação da morte.

Considere o aluguel mental que isso traz, todas as derivações dessa negação (Galileu e a rejeição ao heliocentrismo, por exemplo), e você terá uma pálida ideia da influência emburrecedora dos mecanismos de defesa.

Para um exemplo mais recente, considere os nossos debates políticos. Há espaço para reflexão neles? Todos se ocupam de atacar o oponente por meio dos piores adjetivos, pois sabemos que a melhor defesa é o ataque. Claro, todos estão sob a ameaça dos rótulos horríveis que cada parte lhes lança. Assim, só fazem reagir. É a imbecilidade desfilando em toda sua glória.

Algo em âmbito mais próximo? Pense nas DRs (discussões de relação). A ameaça de rompimento, de desamparo, de perda de amor está tão presente que a reatividade defensiva impera, é por isso que não se vai muito longe nelas Se elas começassem com uma declaração apaziguadora (eu te amo e quero me entender bem com você), as chances de reflexão seriam maiores.

Todas as doenças psíquicas neuroses, psicoses, perversões, depressão, psicopatia derivam de estarmos aprisionados a mecanismos de defesa contra as ameaças do mundo (i.e., do superego), e sabemos como elas nos reduzem a capacidade de raciocinar.

Eis porque adoro a conversa calma e amigável; o ambiente que acolhe e não acusa; a amizade que não pressupõe malícia da outra parte; a autoridade do saber, e não a de mando; a democracia parlamentar, e não a tirania.