segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O AMIGO PERGUNTA - FUNÇÃO DE PAI E FUNÇÃO DE MÃE

 




“Você escreveu, em seu livro ‘A Criação Original – a teoria da mente segundo Freud’ que nós dependemos de uma ‘função de mãe’ e de uma ‘função de pai’ para crescer bem. O que são essas funções? O que o psicanalista tem a ver com elas?”

Francisco Daudt: A função de mãe é a continuação do que o ventre provê para a criança: calor, nutrição, proteção. São suas necessidades. A função de pai “faz o parto”, traz continuamente a criança para o mundo externo, ao atender suas capacidades.

Função de mãe: atendimento das necessidades. Função de pai: atendimento das capacidades.

Há vários “partos” na vida, que dependem do desenvolvimento e do reconhecimento das capacidades da criança. Por exemplo, o desmame, quando os dentinhos começam a nascer; verbalização, quando o choro vai sendo substituído pela voz; caminhar, quando o colo é substituído pela capacidade articulada de se mover. Por aí trabalha a função de pai, atendendo e reconhecendo as capacidades crescentes da criança.

Agora, atenção: esses nomes são simbólicos: qualquer um que cuide da criança, seja pai, mãe, babá, avó, professora, parentes, pode exercer ambas as funções.

Aliás, deve, e em conversa permanente entre as duas funções. Imagine o aprender a nadar: antigamente, a criança era jogada no lago, e que se virasse. Era um terror. A função de pai foi exercida sem considerar as necessidades de proteção e segurança da criança. Sem considerar a função de mãe.

Por contraste: “Ah, não, meu filho não vai na piscina nunca! É muito perigoso!” É outro terror. A função de mãe foi exercida sem considerar as capacidades de ir para o mundo que a criança tem. Sem considerar a função de pai.

Se a coisa for bem feita, as funções de pai e de mãe vão sendo gradualmente assumidas pela própria criança: ela se protege, se nutre e se aquece; ela se capacita. Os adultos são cada vez menos necessários. Os pais vão deixando de ter papel vital, e podem ir se tornando um luxo amoroso na vida dos filhos.

E o psicanalista? Defendo que ele desempenhe os mesmos papéis de cuidados e capacitações, corrigindo as insuficiências da criação de seu paciente.

Exemplo: como exigir de um depressivo a capacidade de reflexão histórica? Sua inteligência está prejudicada pela doença. O primeiro papel será de acolhimento e “operação de tirar farpa” (antidepressivos, resolução das aflições externas imediatas etc). Isso é função de mãe.

Melhorada a situação, farpas removidas, vamos às capacitações: o uso da inteligência recuperada para a análise dos problemas históricos.

É isso: um psicanalista tem que ser pai e mãe.

sábado, 2 de janeiro de 2021

OS 7 PECADOS CAPITAIS E A PSICANÁLISE - 3º PECADO: LUXÚRIA






“Derivado do latim ‘luxus’, é: viço nas plantas (vegetação luxuriante); incontinência animal; libertinagem; lascívia.” (Antônio Geraldo da Cunha).

Sinônimos: indecência; lubricidade; cupidez; depravação; descaramento; despudor; desvergonha; concupiscência.
É evidente que ela está ligada ao nosso desejo sexual. Mas de uma forma particular: a do excesso, da desmesura, daquilo que os gregos chamavam de “hübris”, o lado “over” da natureza humana. Não à toa, ela vem de “luxo”, que é ostentação também.

É o momento de “estar possuído” por um transe animalesco que é mais forte que a pessoa; é o momento da compulsão. “A cabeça de baixo assume o controle”, “não sei o que deu em mim”, “eu não vi mais nada”, “foi aquela loucura”, e tantas outras expressões correlacionadas.

“Trouxe camisinha?”, “tá tomando pílula?”, “Ah, dane-se, agora é tarde...”

A mãe natureza (o DNA) agradece a contribuição reprodutiva da luxúria, a hora em que o Sapiens deixa de lado a sua (suposta) sabedoria e retorna ao bicho solto que nunca deixou de ser. É o “tesão de bode”.

Novamente, é necessário estabelecer as fronteiras entre o desfrute das alegrias da luxúria (uso); e os vícios que ela pode gerar (abuso). O vício, por definição, não é algo do seu uso, e sim algo que te usa, te aprisiona.

Por contraste, a virtude é uma construção da pessoa, que a exercerá como fruto de sua vontade; o vício é uma desconstrução da pessoa, algo que dela se apossa, e que se exercerá sobre ela a despeito de sua vontade. Você é sujeito da virtude; e é objeto do vício.

Em resumo: a virtude é uma construção da pessoa; o vício é uma desconstrução da pessoa.

Já que a reprodução (em nosso caso, o sexo) é o sentido – biológico – da vida, o principal motivador interno que nos aciona, é preciso entender que ele nos é onipresente: até a sobrevivência serve à reprodução. “Ah, mas tem muita gente que não quer ter filho...” Irrelevante. Nós não estamos “programados para ter filhos”, e sim para ter prazer, uma coisa acaba levando à outra, mesmo que a tecnologia sugira que o prazer, no futuro, será principalmente masturbatório.

Então, é necessário ter carinho e respeito com o que nos causa prazer. Já existe culpa demais associada ao prazer, ao longo de milênios de cultura: “Tudo que é bom, ou engorda, ou é pecado” é a síntese de nossa má consciência ligada ao prazer.

A conversa é, pois, entre dirigir e ser dirigido; o Eu como sujeito (Ego) x Algo em mim me comandando (Id). Todos os exemplos de vício, que serão abaixo mencionados, têm essa complexidade e essa conversa:

Paixão. Do latim “passio”, permite apenas uma tradução: sofrimento. Ela pode/costuma ser um “estado alterado da mente”, pode ser sublime e pode ser origem do crime passional, do stalker, do domínio/submissão, do sadomasoquismo.

Drogas. Falando em estados alterados da mente, a luxúria se serve das drogas, as drogas se servem da luxúria. Lembrando: o álcool continua sendo a mais comum/danosa delas, quando transformado em vício/doença.

Fetichismo/sadomasoquismo/domínio-submissão. São meios de lidar com a luxúria sem ter que lidar com a outra pessoa. O outro não existe, é apenas um fantoche a serviço da desmesura do nosso desejo.

Enfim, se há um território em que o desejo conflita com o Superego, odeia o Superego, ao Superego se submete, ou dele se vinga, ou a ele se aprisiona, esse é o território da luxúria.

(Ilustração: Pieter Bruegel, séc. XVI).
 

OS SETE PECADOS CAPITAIS E A PSICANÁLISE - AVAREZA

 




Sinônimos: pão-durismo, apego, avidez, mesquinhez, sordidez, sovinice, tacanhez, usura.

Controle, é do que se trata.

Freud usou as fases do desenvolvimento do bebê descritas por Karl Abraham, e retratou a fase anal como a primeira grande queda de braço entre um pequeno ser, que já consegue controlar seus esfíncteres, e as exigências impostas pela sociedade: é preciso usar adequadamente o banheiro.

Isso poderia ser o aprendizado de um conforto (reconheça-se, ir ao banheiro, em vez de se sujar todo, é um conforto). Mas não, se os pais o exigem do jeito deles, na hora deles, na quantidade que eles querem...

A rebeldia da criança pode ter uma fase transgressora em que ela prende no vaso e solta na sala (já é uma afirmação de “Eu controlo, e controlo errado, tá bom?”). Digamos que seria uma reação hippie da criança, contracultural.

No outro extremo está a reação hipercultural: “Eu controlo tão bem, mas tão perfeitamente, que ninguém nunca mais precisará mandar em mim, nem sequer me corrigir. Eu sou perfeito! Eu me antecipo!” Estão lançadas as sementes do caráter obsessivo.

O equivalente menos concreto a esse “soltar a merda” seria o “mandar à merda”: o gerenciamento civilizado da raiva.

A raiva é essencial para corrigir as injustiças que sofremos. Mas se a criança aprende, nesta nova queda de braço com a cultura, que raiva é feio, e que ela não deve soltá-la nunca, novamente ela pode ter duas reações extremas: a briguenta contracultural; o bonzinho obediente hipercultural. O primeiro espalha merda (metafórica) por onde passa; o segundo sofre de prisão de ventre (também metafórica, torna-se retentivo).

Poderia parecer que a avareza seria exclusividade do retentivo, mas ela é risco dos dois extremos: eles são prisioneiros da necessidade de controle (o segundo controla onde se descontrolar).

Mais uma vez: nada contra a obsessividade, ela é ótima... quando nos é um instrumento. O problema é quando ela passa a mandar em nós.

Os vícios comportamentais derivados da avareza são todos de excesso de controle. O de domínio/submissão: tanto o tirano que não divide poder com ninguém, que impera sobre seus súditos com mão de ferro, seja em casa, no trabalho ou na política; quanto o dominado, que diante dele rasteja: ambos aprisionados ao mesmo ventre.

Sim, você entendeu bem, domínio/submissão é quase igual a sadomasoquismo, só que diferente.

Mas uma história de consultório une os dois: “Quando eu pagava as putas, mesmo sendo aquela miséria, as desgraçadas estavam me fazendo sangrar, tirando o meu dinheiro! Ah, elas iam me pagar de volta! Por isso, o meu sexo era o mais violento possível, elas choravam de dor, eu as xingava de vagabunda, de ladra. Eu as esculachava... e elas adoravam!”

Repararam a dor da avareza? Ele “sangrava” o dinheiro...

Outro vício derivado da avareza é a acumulação. Nada pode se perder; há uma dor, um sangramento em se jogar fora ou dar alguma coisa. A racionalização é de que “isso pode ter alguma utilidade, mais tarde; nunca se sabe...”

Uma acumulação curiosa é a que une retenção à “bondade”: os acumuladores de cães e gatos. Eles não perdem nenhum, e ao mesmo tempo exercem sua hiperbondade: sentem pena dos bichinhos desvalidos.

Está tudo sob controle. É tudo sobre controle.

(Na foto, Ebenezer Scrooge, “Christmas Carol”, Charles Dickens)


terça-feira, 22 de dezembro de 2020

OS SETE PECADOS CAPITAIS E A PSICANÁLISE



Apesar de serem assim chamados, os pecados capitais não são pecados em si, são tendências viciosas que se tornam “cabeças” (capitis, em latim) de atos pecaminosos, dão origem a eles. 

São eles: soberba; avareza; luxúria; ira; gula; inveja; preguiça. Comecemos pela...

SOBERBA:  imodéstia, afetação, arrogância, atrevimento, convencimento, desdém, egoísmo, empáfia e presunção são alguns de seus sinônimos.

A atitude de alguém que “se acha”, ou pior, que “se tem certeza”, pode ser episódica, ocasional, relativa a um assunto. Será lamentável, mas até aí não houve nem pecado nem vício. Quando não é doença, psicanálise não tratará dela.

Mas quando ela toma conta da pessoa, aí sim, temos um vício, uma doença. Por definição, um vício é um acontecimento mental (com ou sem ato externo) compulsivo (“mais forte do que eu”), repetitivo, alugador da mente, monotemático, que causa satisfação imediata, e dano a si e/ou aos outros em médio/longo prazo.

O principal vício derivado da soberba é o sadomasoquismo, em vários graus de sutileza. Nele, há um que humilha e fere, e outro que é ferido e humilhado. 

Isso vai desde a caricatura sexual de botas, chicotes, algemas etc., até a crítica ferina, demolidora, sarcástica, irônica, que passa o rodo, que achincalha, esculacha, dói, machuca e... humilha.

O sadomasoquismo sutil do fodão-merda (winner-loser) é o vício comportamental mais disseminado em todo o mundo: o daquele compensa a própria insegurança, sua baixa autoestima, através de humilhar os outros. Basta olhar as tretas de internet para vê-lo em ação. Há até presidentes em grandes países que são caricaturas do fodão-merda, em constante necessidade de afirmação de seu poder.

Você dirá que entende isso da parte do sádico, mas... e a do masoquista? É que não há só sádicos ou só masoquistas; uma pessoa é escancaradamente sádica e sutilmente masoquista. E vice-versa. O “masoquista” se envolve no jogo com a secreta nobreza do martírio. Ele, que apanha, é grande, superior; o outro, que bate, é inferior, um merda. Mas jamais ouvirá isso do mártir...

Yuval Harari, em seu “Sapiens”, aventa a hipótese curiosa de que a soberba seja parte da natureza humana: nós somos o único animal que tem consciência de sua fragilidade, e efemeridade; o único sabedor de que a morte o espera. 

Isso nos compele a passar a vida afirmando nossa força e negando nossa morte através de uma grandeza inventada: é a soberba


O DECLÍNIO DA NEUROSE E A ASCENSÃO DO VÍCIO

 



Um dos culpados disso é o próprio Freud.

Mas, vamos por partes. Quando Freud inventou a psicanálise, os costumes eram tais que faziam da neurose a principal doença psíquica. Seus sintomas esquisitos deram a pista de que havia forças se movendo nos infernos da mente. Sua investigação levou à descoberta do inconsciente reprimido, de um Superego, dos desejos proibidos, do conflito interno entre os dois, que resultava na neurose.

A neurose histérica, o exemplo típico: na época, o desejo sexual da mulher era visto como coisa reprovável, impensável mesmo. Os princípios morais que o reprimiam estavam lá, o Superego vigiava... mas não eliminava o desejo. Quando ele aparecia, o horror interno, a culpa, a perturbação e a angústia causados levavam a um mecanismo de defesa automático e involuntário: a repressão (também chamada de recalque; em alemão, “verdrängung”, “desalojamento”).

Anna O. viu o pênis do pai pelo pijama entreaberto; o desejo de tocá-lo se despertou; a mão avançou em sua direção, o conflito desejo/Superego se deu, e... a repressão entrou em cena: a mão travou, o desejo sumiu da consciência, e em seu lugar surgiu o sintoma histérico: aquela mão estendida e paralisada.

Como diz o termo em alemão, houve um desalojamento: o desejo saiu de cena, e em seu lugar entrou o sintoma. Sim, aquela mão paralítica estendida contava um drama, deixava pistas, era a solução de compromisso entre o desejo e a proibição... 

Mas essa é outra história. Nossa questão aqui é sobre como a neurose foi sumindo (já não se veem sintomas histéricos) e foi dando lugar aos vícios.

Os vícios são resultado de outro mecanismo de defesa contra a crítica do Superego. Enquanto na repressão o Superego torna o desejo impensável, nos vícios eles são pensados, reconhecidos como errados, mas a pessoa se afirma rebelde ao Superego e diz “Foda-se, vou fazer!”

Parece melhor que a repressão, mas... não é. Porque mantém o Superego alimentado, desta vez pela rebeldia, mantém a pessoa prisioneira dele, só que pela vingança. Afora o fato de que os vícios, bem, eles não fodem o Superego, quem se fode é a pessoa.

Freud foi um dos culpados, pois ajudou a que se confundisse repressão com opressão; autoritarismo com autoridade. Os analisados não queriam a mesma culpa que eles atribuíram aos pais deles, e passaram a mimar os filhos. Quando os filhos mimados cresceram, entraram em choque com a dura realidade da vida e disseram, “Foda-se, quero o mimo!”, agora via maconha e congêneres.

Além dos vícios de substâncias, vícios comportamentais prosperaram, todos eles vingativos contra o Superego: o fodão-merda (derivado do “winner/loser” americano); o vitimismo (quando a vítima almeja tornar-se tirano, como indenização pelo que sofreu); o bosta n’água parasita (o mimo como direito adquirido) etc.

Os outros fatores do declínio das neuroses, só por registro pois o assunto é longo, são sociológicos, que repudiaram qualquer autoridade (vistas como autoritarismo), as utopias dizendo que “é proibido proibir” etc.

A neurose que ainda resiste é a obsessiva. Mesmo assim, em suas manifestações menos “neuróticas”, como na síndrome do pânico, no terror dos palcos e de performances, e nas depressões.


O AMIGO PERGUNTA - “Qual a diferença entre ansiedade e angústia?”

 


O AMIGO PERGUNTA

“Qual a diferença entre ansiedade e angústia?”

Francisco Daudt: Angústia é medo, sentimento de ameaça; ansiedade é querer que tudo aconteça logo, fazer tudo logo, pra acabar logo, pra ver se deu certo logo. Elas são aparentadas, porém diferentes.

Angústia, na origem, significa aperto, estreiteza. Os médicos chamam de “angina” (angor pectoris) a dor com aperto no peito causada pela insuficiência de oxigenação do miocárdio (conhecida como “ameaça de infarto”). “Angst” é medo, simplesmente medo, em alemão.

De forma que podemos traduzir angústia por medo, é o jeito mais simples. O medo causa um aperto, mais na boca do estômago, e em outras partes anatômicas (daí o “quem tem cu, tem medo”).

Mas, se a casa começa a pegar fogo, sentimos um medo inequívoco que nos faz fugir.

O medo/angústia é mais sutil, ele acontece a partir do que diz nosso Superego: “Vai tudo dar errado, a sifudência te aguarda, ninguém mais vai gostar de você!” Ele pode ser causado por raiva complicada, p.ex.: você está irritado com uma pessoa amada; não é nada simples mandá-la às favas, você não sabe como resolver essa raiva, a ameaça de desamparo aparece... e com ela, a angústia.

É preciso, pois, distinguir uma angústia produtiva de uma inútil. A primeira, como no incêndio, nos leva a tomar providências de correção da causa. A segunda pode ser resultado de um aparelho leitor distorcido: um Superego cruel, uma depressão.

Mas pode ser resultado de uma condição diante da qual estejamos impotentes, pelo menos temporariamente, como a pandemia, enquanto a vacina não vem.

Cabe ao psicanalista fazer a distinção, entender o processo que causa angústia, para torná-la cada vez mais sinal de que providências precisam ser tomadas. Tornar o cliente mais e mais dono de sua vida e de seus processos. Aumentar sua capacidade de resolver seus problemas.

A ansiedade é uma coisa curiosa: pode ser “do bem” (“estou ansioso pelas minhas férias”; “o melhor da festa é esperar por ela”); mas pode ser “do mal”, consequência de um caráter obsessivo perfeccionista que passou de giro e começou a mandar na nossa vida, um querer controlar tudo, resolver tudo com antecipação de anos... Essazinha aí precisa ser tratada.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O AMIGO PERGUNTA - Como a psicanálise trata dos sonhos?

 



O AMIGO PERGUNTA

Como a psicanálise trata dos sonhos?

Francisco Daudt - Sonhos: uma esquisitice que intriga a humanidade desde sempre. Inúmeras tentativas foram feitas para entendê-los, com mais e menos racionalidade; um campo em que o pensamento mágico sempre imperou.

Freud os abordou com espírito científico: observou os mais típicos e os mais rudimentares, os sonhos infantis, alguns sonhos eróticos e os que davam um jeito de nos manter dormindo. 

1. Os infantis realizavam desejos frustrados, como ter ido para cama sem poder comer o doce da sobremesa (castigo da mãe) e se regalar com eles durante o sonho.

2. Alguns sonhos eróticos se parecem infantis: muito tesão na pessoa inalcançável/proibida, sonho erótico com ela, com direito a orgasmo. 

3. Sonhos de comodidade: a bexiga me pressiona para acordar, eu sonho que estou indo ao banheiro, procuro o banheiro, faço um pouco de xixi... e continuo dormindo. O meu predileto é o da ronda noturna: o médico de plantão tinha que fazer visita aos leitores da enfermaria no meio da madrugada.Ele sonha que acordou, se vestiu, fez as visitas de maneira minuciosa... e voltou pra cama.

Foi baseado nesses sonhos primitivos que Freud fez sua hipótese: os sonhos lidam com desejos impedidos durante a vigília. Eles “negociam” com os impedimentos (morais, do superego) e disfarçam os desejos mais complicados, como violência raivosa contra entes queridos: a cliente atormentada com o filho pequeno que chorava sem parar (mãe solteira, ainda por cima), sonhou que um ladrão entrou pela janela e matou o filho com uma machadada na cabeça.

Agora, interpretar sonhos não é coisa fácil. O próprio Freud abandonou o “Freud explica” de interpretações automáticas em favor de investigação cuidadosa feita a partir das associações livres do próprio paciente.

Ele concluiu que, se interpretasse o sonho usando seu conteúdo de memória, estaria pondo coisa dele na história do paciente, e isso conduziria ao erro. 

Os mamíferos sonham. Todos eles tem a fase REM do sono (rapid eyes moviments), que corresponde ao tempo em que os olhos acompanham os estímulos visuais do sonho. É possível ver os cachorros muitas vezes se mexendo e chorando durante o sono. O sonho parece ser um reboot mental estabilizador, feito para preservar o sono. Já o sono é o verdadeiro reboot do supercomplexo sistema cerebral, que se sobrecarrega e “fica lento” ao longo do dia. 

A ideia de dormir começa com “desligar o mundo externo”: descanso muscular, escuridão, temperatura confortável, silêncio. Os cinco sentidos não incomodam, o cérebro vai desligando. Todos os bichos procuram tocas e proteção para dormir (humanos inclusive), justamente pelo período de vulnerabilidade. A exceção são os topos das cadeias alimentares, com as baleias, que flutuam na posição vertical ao dormir, é bizarro. 

Na psicologia evolucionista está acontecendo um triste fenômeno, parecido com o que aconteceu com a psicanálise: o “Darwin explica”. As pessoas estão pirando na maionese com explicações ad hoc para tudo... Oh Lord....