(Publicado em 01 de fevereiro de 2012)
Morreu minha vizinha, uma senhora delicada com quem não tinha maiores intimidades, mas por quem tinha muita admiração. Fiquei tocado de uma maneira que não esperava, chorei, como não chorei por minha mãe. Que coisa é essa?
Para te dizer a verdade, não sei. Mas um psicanalista trabalha com símiles, experiências próprias que podem parecer com a de seus clientes. Pois aí vai a morte de D. Cordélia, minha vizinha, por quem sentia algo como você descreve. Escrevi na circular da vila onde moro:
“Pequeno e doce passarinho, que, quase cega, não nos percebia até um metro de distância, quando então se abria em um sorriso acolhedor, reconhecendo, não só a nós, mas que pessoas éramos. Eu lembrava do Chico Buarque em sua música: “Os poetas, como os cegos, sabem ver na escuridão”. Ela era esposa de um dos maiores lingüistas do nosso idioma, mas tinha brilho próprio. Modesta, sua inteligência era arguta. Suas maneiras gentis, suas observações extraordinárias pela sutileza, pontuavam o discurso do erudito marido com uma sensatez admirável. Era uma sombra, mas para quem lhe prestasse a atenção, era uma luz doce e radiante. Um ícone de delicadeza, uma daquelas pessoas que só chamam a atenção dos que estão desejosos da beleza que possa existir nos corações humanos. Espero que D. Cordélia seja parecida com sua vizinha, pois ela nos acrescentou o espírito.
Material publicado na Folha de São Paulo.