quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Busca da Felicidade

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Sempre me interessei pela busca da felicidade, mas encontro tantas dificuldades no caminho… O que se pode fazer?

Chico Anysio contava uma anedota em que um time de futebol de várzea sempre ia para a partida de caminhão. Invariavelmente o caminhão enguiçava e eles tinham que empurrá-lo na ida e na volta. Até que um jogador perguntou: “Mas, afinal, por que trazemos o caminhão?”

Empurramos variados caminhões pela vida afora que nos alugam o tempo, roubando nossa busca pela felicidade. Uns são inevitáveis, como a burocracia, as doenças, físicas ou/e mentais, a sobrevivência, os filhos (que podem ser uma alegria, mas não deixam de ser caminhõezinhos) e os impostos. Não podemos suprimi-los, mas lutar para que se transformem de um Scania-Vabis de 18 rodas numa pick-up leve é o bom combate, tomando providências. Algumas políticas (burocracia; governo; impostos), algumas pessoais (criando bem os filhos; educando-se; cuidando-se melhor).

Outros são inventados por nós mesmos. “Arranjar sarnas para se coçar” é um ditado que mostra essa tendência. Obrigações sociais, familiares e religiosas exageradas são um bom exemplo. Por que você tem que sustentar seu cunhado parasita, afinal? Por que você tem que arrastar seu marido àquele batizado no subúrbio? Por que você tem que mimar seus filhos? E por que limpar os rejuntes com cotonetes?

Examine seus caminhões e talvez você possa ir trocando-os por viaturas mais leves, abrindo espaço para a busca da felicidade.

Consulta: O Que Significa Eu Te Amo?

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Minha mulher me vive dizendo “eu te amo, mas ela me trata de maneira horrível. Afinal, o que significa esse “eu te amo”?

É preciso entendê-lo por partes. Quem é “eu”? Será que sua mulher fala a partir do programa “ego”, um sofisticado programa no cérebro que é capaz de produzir frases como “eu quero entender o meu marido e ser companheira dele”. Um programa que não funciona pelo automático, mas pela auto-consulta. Que é capaz de se olhar, refletir-se, considerar o outro sem tirá-lo por si, como alguém diferente. Se ela estiver tomada pela maior religião que existe, o SENSO COMUM, dificilmente ela terá o programa “eu” funcionando. Ela só vai estar repetindo o que o senso comum acha certo, o “que todo mundo diz que é certo”.

Se ela não sabe o que é “eu”, dificilmente saberá o que é “te”. Quem é “te”? É você. O teu “eu”, a pessoa em que você se traduz. Alguém apaixonado não lida com ninguém diferente de seu ideal, ou seja, só está olhando para dentro, para suas expectativas de maravilha, nunca para você.

O que é “amo”? Será uma excitação romântica? Será uma paixão? Será um batimento acelerado do coração? Será um tesão? Será, como uma empregada minha dizia, “falta de carência”? Nada disso é você. Nada disso é o teu “eu”, a tua pessoa. Amar é olhar o outro. É acolhe-lo com suas diferenças. É apreciá-las. É achá-las complementares ao seu desejo. Se não for assim, “eu te amo” não quer dizer nada.

Consulta: Funcionamento do Cérebro Gay

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Saiu uma pesquisa sobre atividade cerebral de homossexuais, mostrando que seus cérebros funcionam como os das mulheres. O que o Sr. achou?

Fraca. Tudo o que a pesquisa fez foi mostrar que o cérebro pode ser masculino ou feminino, independentemente de a pessoa ser homem ou mulher, coisa de que já estamos cansados de saber. Receio que os tais homossexuais escolhidos sejam gays efeminados ou lésbicas masculinizadas. Não revela nada sobre orientação sexual.

Já atendi no consultório inúmeras mulheres héteros com cabeça de homem, e uma quantidade menor de homens héteros com cabeça de mulher. E gays com cabeça de homem, tanto quanto lésbicas com cabeça de mulher. Para quem não sabe o que é isso, a seleção natural foi desenhando estes perfis: homens silenciosos, objetivos e cúmplices na caça, bem orientados na volta à tribo, capazes de ficar horas quietos, olhando para a fogueira (televisão atual); mulheres comunicativas, bem falantes, tecendo uma rede de alianças sociais que as mostrasse onde ficava o melhor lugar de catar e colher, e que partilhasse com elas o cuidado com as crianças, capazes de fazer varias coisas ao mesmo tempo. Não é fácil transpor para os dias atuais?

A pesquisa diz que pretende se repetir em bebês, e acompanhar o desenvolvimento deles. Isto é interessante, mas também não diz nada sobre preferência sexual. Todas as pesquisas indicam que ela nasce com a criança. Genética? Congênita? Ainda não sabemos. Mas que o papel da educação é mínimo, sim, é o que tudo indica.

Consulta: Medo da Velhice e da Morte

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Acabei de fazer 60 anos e a velhice e a morte começam a me assombrar. O que fazer?

É coincidência, mas minha carteira de identidade me diz que também completei 60 anos recentemente. É sempre um marco. Quando eu tinha uns 20 anos, considerava que uma pessoa de 60 era um ancião quase morto. Alguém disse que “a vida é uma doença sexualmente transmissível com 100% de fatalidade”. Mas, como a lepra, é de deterioração lenta, o que nos faz ir nos acostumando com seu avanço. Ou mesmo desfrutando da nossa única idade: estamos vivos. Reparei que minha idade varia, ignorando o que diz o RG. A maior parte do tempo tenho 25. É muito confortável. Em outras horas (ou dias) tenho 17, o que é uma delícia, pois ter 17 aos 60 é ser um adolescente com sustento próprio, sabedoria de vida, sem precisar obedecer ou prestar contas a ninguém. É mais raro, mas às vezes tenho 10. Aí é uma festa de curiosidades, invenções e brincadeiras. Tudo isso com um programa “gente grande” dentro da minha cabeça, que existe exclusivamente para proteger a criança e o adolescente, e deixá-los brincar à vontade.

Minha mãe está com 95 e diz que “a velhice é aquela coisa” (que ela não fala palavrão). Tem suas razões, pois a despeito de uma cabeça ótima, mal vê, mal fala, mal ouve, mal anda. É capaz que a vontade de viver lhe suma, como sumiu de meu pai aos 102. Ele então se retirou para dentro de si e morreu em dois meses. De qualquer maneira, alguém mais disse: “A morte é um momento, e não há de me roubar da vida mais do que isso: seu momento”.

Consulta: Desejo de Vingança

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Meu marido me largou há três anos, mas ainda quero vingança. Isto é normal?

Não sei dizer, mas é triste. Porque o desejo de vingança pode ser uma prisão cruel. Você pode estar impedida de investir em novo relacionamento, ou com uma parte grande de seu capital afetivo e intelectual alugada por uma idéia obsessiva, o que é uma doença, ou usando seus filhos como artilharia contra ele, o que é pior. Ou querendo justiça por canais incompetentes, o que seria mais compreensível, ainda que ineficazes.

O desejo de vingança, como a raiva e a indignação, representam a origem, na natureza humana crua, da vontade civilizada de justiça. Tanto que sua primeira legislação conhecida era o “olho por olho; dente por dente”, hoje considerada pelos juristas como um tanto brutal. Tiradentes teve sua descendência condenada ao desterro por cinco gerações, mais branda que a condenação que Javé fez a Adão e Eva (expulsão do Paraíso por TODAS as gerações seguintes).

Mas no caso dos casais, tenho visto que as relações sadomasoquistas são mais duradouras que os casamentos. E não pense que o sadomasoquismo é aquele negócio de tachas e chicotes. Ele pode ser mais sutil. Um sádico explicito pode ser um masoquista enrustido, e vice-versa. “Oferecer a outra face” é um bom exemplo. Ninguém ficou sabendo o que gerou o primeiro tapa, mas, oferecida a outra face, um fica na posição de vítima (masoquista explícito), e o outro na de canalha (vítima do sádico sutil).

Consulta: Suicídio de Jovem

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Meu colega de colégio, 21 anos, se matou. Meu Deus, por que as pessoas se matam?

Meu Deus mesmo. Toda a minha compaixão pelo que você está passando. Você está lendo algo raro na imprensa: um artigo sobre suicídio. Por mais estranho que pareça, suicídios correm o risco de virar moda, eis porque a mídia é cautelosa sobre o assunto. Quando Rodolfo Valentino morreu, houve uma onda de “viúvas” que se mataram nos Estados Unidos, umas imitando as outras. Nelson Rodrigues nos conta que a década de 20 teve um surto de pactos suicidas entre jovens namorados rejeitados por suas famílias. O ser humano é o único animal que pensa no futuro e sabe que vai morrer, e, portanto, que tem esta decisão em suas mãos. A idéia de se matar, é curioso, mas produz alívio: “Pelo menos eu tenho uma saída”. Ela tem vários graus: “Gostaria que Deus me levasse” é o mais leve. O planejamento detalhado é o mais grave. Na verdade, ninguém quer morrer. É uma decisão feita sob coação: se a dor passasse, a pessoa quereria continuar vivendo. Nossa questão é: como fazer passar a dor? Seu amigo certamente viu-se sem saída. Muito freqüentemente somos impotentes, e nos sentimos, sem razão, culpados. Afora o suicídio por vingança, o que deseja que alguém se sinta muito culpado – e costuma ser ineficiente, por isto me desperta especial piedade – os outros traduzem um momento de desesperança impenetrável. Chore por seu amigo, e lembre que ele afinal descansou.

Consulta: Adoção de Filhos

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Sou mãe de dois filhos adotivos, e me irrito quando me dizem que eles não são meus filhos “verdadeiros”. O que o Sr. tem a dizer?

Você tem toda a razão de se irritar. Um doador de esperma, por acaso, é um pai “verdadeiro”, ou é um simples masturbador de material genético? É claro que você vê orgulho nos pais biológicos que também desempenharam a paternidade. Seus filhos têm seus traços, seus trejeitos, suas heranças biológicas. Eles são pequenas miniaturas deles. A mãe natureza quer esse vínculo, para benefício das crias. A tolerância de pais biológicos para um “sangue ruim” que a loteria genética lhes produza será maior do que a de pais adotivos.

Mas, afinal, o que é um pai ou mãe “verdadeiro”? É aquele que produziu as condições para que a criança se torne uma pessoa, um indivíduo. São aqueles que desempenharam funções de pai e de mãe (continuação do ventre = nutrição; calor e proteção, função de mãe; apresentação suave para viver no mundo, função de pai. Que podem ser desempenhadas por quem quer que esteja interessada na criança: mãe, pai, babás, avós, curadores de orfanatos etc.)

Quando um embrião se torna um ser humano (desenvolve um sistema nervoso que o permita sentir alguma coisa), vai precisar dessas funções para se tornar uma pessoa. É um trabalho danado, um investimento amoroso enorme. A “verdade” está com quem toma este empreendimento.