quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Vejo o BBB. Sou Idiota?

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Big-brother terminou, e confesso que fiquei fascinada por ele. Isto faz de mim uma idiota?

Não. Confesso que, se você me perguntasse isso há alguns anos, eu ficaria reticente na resposta. Mas, com o passar do tempo, e mesmo sem assistir ao programa, só ouvindo o que os pacientes dizem dele, fui entendendo que há dois fatores que fazem do BBB um marco histórico na TV brasileira: o primeiro é que é um programa altamente passional apropriado pela audiência. Não há registro anterior de tal fato. As telenovelas tiveram o seu tempo em que as pessoas as comentavam dizendo que “estavam passando pelo quarto da empregada e viram que…” Esta época passou, e as novelas se tornaram um marco de reflexão sobre os costumes para a maior parte do povo brasileiro. E a audiência quase que se apropriou delas, induzindo seus caminhos através de pesquisas de opinião. Diria que o BBB está naqueles tempos, evoluindo para o atual. A diferença é que o público do BBB premia ou pune semanalmente o comportamento de seus “atores”. A audiência é o patrão! Eles são os verdadeiros Grandes Irmãos.

O segundo fator é o Pedro Bial. Nem sei dizer se ele é o segundo. Ao longo de 8 anos ele vem se tornando cada vez mais espontâneo, compassivo, respeitoso, brincalhão, didático, usando uma bagagem de conhecimento, uma inteligência e uma capacidade de adaptação de linguagem espantosa, na mais delicada forma de expressão televisiva: a TV ao vivo! Definitivamente, você não é idiota.

Consulta: PROF. SOBREIRA ESCREVE-ME

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Recebi uma carta adorável do Prof. Sobreira. É um professor aposentado das ciências humanas, que, apesar de sempre ter acreditado que não existe natureza humana, que nos formamos a partir da cultura que nos cerca, admira e lê meus textos. Que falam sempre o contrário do que ele pensa: que somos formados meio-a-meio, genética e cultura; que os mamíferos não são tão diferentes de nós; que temos instintos que nascem conosco; que a formatação de nossos cérebros como masculinos ou femininos vem com a hereditariedade; que a homossexualidade se apresenta desde o nascimento, enfim, que assim como Edgar Morin (“O paradigma perdido: a natureza humana”, 1973), estou convencido de que não somos uma criação em separado, mas parte integrante dos seres do planeta. Ele quer que eu explique melhor meus pensamentos.

Pois. Quando quis ser psicanalista, vindo da medicina clínica, adentrei alguma coisa que se parecia uma religião: instituições bem reputadas de ensino com dogmas inquestionáveis e sacerdotes (os analistas didatas) guardiões dessas verdades imutáveis. Como era médico, cientista acostumado a questionar “verdades”, fiz o que Freud fez: tornei-me independente, um pensador despudorado. Por isto me tornei permeável a disciplinas externas, como a psicologia cognitiva, a neurociência e ao neodarwinismo, minha maior paixão depois da lógica. As humanas, no Brasil, vêm sendo contaminadas há décadas pelos filósofos franceses, relativistas e culturalistas. Eles têm aversão às ciências exatas, a conceitos claros, à neurociência, ao evolucionismo. Tenho uma sugestão: leia “Tabula rasa”, de Steven Pinker, que, como eu, adora a razão, a clareza e a argumentação transparente.

Consulta: O Que é o Choro?

 (publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Choro muito, a toda hora, não sei o que está acontecendo comigo. Afinal, o que é o choro?

O choro tem, basicamente, duas origens: a pena de si mesmo e a impotência diante de situações. Os americanos odeiam a pena de si mesmo, mas ela é necessária para o equilíbrio mental. Não estou falando daquelas pessoas que se vitimizam em busca de alguma vantagem ou de manipular seus próximos. Isto é doença difícil de tratar, mesmo porque a pessoa não está interessada em perder esse instrumento de chantagem, e, sem conflito interno não há tratamento possível.

As situações de choro por pena de si mesmo ocorrem quando você vê um filme em que a gentileza e generosidade de espírito são  finalmente reconhecidas enquanto as suas ainda não foram; quando seus filhos se formam e/ou casam, e você percebe o quanto investiu neles até aquele momento, e que sua missão trabalhosa está parcialmente cumprida; quando você ouve o hino nacional e pensa em multidões (nas quais você se inclui) que expressam um orgulho sofrido de tantas lutas infrutíferas; quando alguém te percebe e reconhece, e você pensa no tempo longo em que isto não aconteceu.

O choro da impotência começa quando a gente nasce, e qualquer incômodo só assim pode ser traduzido. À medida que crescemos, ganhamos capacidades verbais que substituem o choro. Quando minha filha acordou de noite e gritou “Quero minha peta!”, não precisou chorar. Mas o que fazer quando se perde um ente querido? Quando somos injustiçados no emprego ou na família, ou por um amigo, sem que achemos saída para isto? Chorar.

No seu caso, penso que você está deprimida, quando a impotência e a pena de si mesmo se unem para um chorar mais constante. Procure ajuda.

Consulta: Colega que Gosta de Humilhar

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Tenho um colega de trabalho que é constantemente sarcástico e irônico, que tenta afirmar sua superioridade nos colocando para baixo. O que faz uma pessoa ser assim? Como lidar?

Seu colega sofre de uma doença sado-masoquista a que dei o nome, em um de meus livros (“O aprendiz do desejo”; 7letras), da síndrome fodão-merda (uma tradução livre do inglês “winner-loser”). Infelizmente, é uma doença muito comum que vem da insegurança pessoal. Seu portador tem medo de ser descoberto como inferior (um merda), e faz de tudo para aparentar-se como superior (um fodão), rebaixando os outros. É uma forma de vício, difícil de tratar. A competitividade a agrava e  espalha, tanto que o mercado financeiro é, provavelmente, seu maior incentivador. Mas o marido humilhado em um trabalho mais modesto, e que, chegando em casa, maltrata a mulher e os filhos, pondo-os para baixo, sofre da mesma doença. Uma de minhas clientes (que sofria do mesmo mal) aprendeu a se defender dela entendendo que quando a fodonice estava em alta em alguém, ela se tornava compassiva, entendendo que a insegurança do alguém também estava em alta (ou, em suas palavras, “o ‘merdéu’ está comendo solto nela, coitada). Isso a deixava imune. A assistente social de uma empresa em que eu trabalhava lidou com um funcionário do tipo dizendo-lhe: “Por que você está sendo sarcástico comigo? Eu nunca te tratei assim!” Foi uma revelação encantadora para mim, pois nunca havia imaginado uma forma gentil de não entrar no jogo.

Consulta: Doença Grave Na Família

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Minha mulher está com uma doença grave de prognóstico complicado. Gostaria de estar otimista. Mas não consigo. Como não transmitir aos meus filhos pequenos ( de 6 a 9 anos) a minha angustia?

Não há jeito. Eles saberão. As crianças têm antenas parabólicas a qualquer coisa que se refira a seus interesses, de separações a morte dos pais. É um pouco parecido com o dilema “devo contar ou não que ela tem câncer?” Não adianta. Todos os pacientes de câncer sabem que estão para morrer. A ordem foi: “Não falem nada”. Mas a pessoa começa a receber parentes que não via há anos, com faces compungidas e mensagens encorajadoras. É o suficiente. Atitudes falam mais alto que palavras. A questão é se eles querem ou não falar do assunto. E é de seu direito escolher. Se eles preferem a negação, bem, é uma vontade a ser respeitada. Meu tio, a dias de morrer de câncer do fígado, me perguntou: “Eu vou escapar desta?” Entendendo que ele preferia a negação, respondi-lhe: “Claro que sim”. Outro paciente, do tempo que eu só era médico, que também havia decidido pela negação, na véspera de sua morte me perguntou: “Então, minha moléstia era câncer?” E lhe disse: “Era sim, mas por dois anos você viveu plenamente, desfrutou da companhia da família”. E ele me respondeu: “Muito obrigado”.

Explique a seus filhos que mamãe está doente, e que precisa de carinho. Não lhes diga que ela vai morrer, pois que a morte é um momento, e não deve roubar da vida mais que isto: um momento.

Consulta: Masturbação Infantil

 



(Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Minha filha de 9 anos está querendo ficar vendo tv “montada” em almofadas e cavalgando. Parece se sentir muito bem. Já é sexo/masturbação? Puberdade? Como devo proceder? Explicar do que se trata?”

Ela está se masturbando. É uma menina que nasceu com um grau de erotização alto. Isto é uma das variações da genética. A genética é uma loteria que produzirá 50% daquilo que nos tornaremos. Sua filha nem tem um grau de erotização muito alto, há crianças que se masturbam desde os dois anos. Pense que chupar o dedo é uma forma de masturbação, em que a zona erógena é a boca. Não tem nada a ver com a puberdade, quando os hormônios sexuais inundam o adolescente, mudando o seu corpo e estimulando seus prazeres genitais. Muitas crianças têm prazeres genitais de forma precoce. Não há nada de grave nisso, é como ela tivesse nascido com olhos azuis. O problema pode ser o choque cultural. Como não é dos nossos costumes que uma criança se masturbe em público, ela deve ser ensinada de que a masturbação é algo tão privado quanto ir ao banheiro, que não é nada de errado, que é bom, mas que deve se adaptar aos bons modos. Através disso ela verá que a sexualidade é de seu direito, e não caminhará pela prática transgressora, o nosso caminho mais comum, que costuma dar em gravidezes indesejadas e em doenças venéreas.

Consulta: Perda do Pai

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Meu pai morreu anteontem, aos 102 anos. Ele teve uma vida gloriosa, de integridade e valores. Mas não sinto dor, só encantamento com a forma com que ele viveu e morreu. Não será alguma forma de repressão?

Não acredito. O luto é sempre singular, de acordo com as circunstâncias. Lembro uma cena do filme “Forrest Gump”, quando sua mãe, com câncer, chama-o à casa. Ele aparece, apavorado. Ela o consola: “Eu estou morrendo, Forrest. Não há do que ter medo, faz parte da vida”. Pelo que você conta, a tranquilidade com que seu pai fez face à morte foi o fator generoso (semelhante ao da mãe de Forrest) que fez de sua perda uma coisa compreensível e suave. Freud dizia que o luto saudável tem quatro etapas: o reconhecimento da morte; o sentimento de vazio (alguém em quem depositamos um capital afetivo desapareceu); um possível inconformismo, e finalmente a herança. Esta é a parte mais bonita: é quando as memórias, os valores, a beleza do que experimentamos com a pessoa querida voltam para se sobrepujar aos sentimentos de perda, e para se incorporar ao nosso patrimônio afetivo, fazendo de nós pessoas melhores e mais capazes de reinvestir no mundo, com uma nova riqueza de espírito. É provável que a avançada idade de seu pai tenha contribuído para que a passagem das partes amargas do luto tenha sido mais rápida, assim como seu gradual alheamento de três semanas, e você já esteja na última etapa: o gozo da herança afetiva.