quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Masturbação é Traição?




 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Descobri que meu marido se masturba. Estamos casados há 26 anos e nossas relações sexuais são raras. Ele me trai com suas fantasias e estou muito decepcionada, para não dizer pior, com ele. Eu estou sempre aqui. Por que ele não procura uma mulher real como eu, e tem que pensar em vagabundas? Devo pedir divórcio?

Norma

Não, Norma, não! É hora de alguém te contar os fatos da vida. Seu marido criou seus filhos com você, tem sido companheiro, amigo, FIEL a você (depois eu explico), provedor e carinhoso, como você me explicou na versão mais longa de sua carta. O que acontece é que ele é um homem, diferente e, por vezes, até antagonista de uma mulher na guerra dos sexos. A vida sexual dos homens é, principalmente, a masturbação. É a saída que eles encontraram para a monogamia. A seleção natural construiu o homem para ter harém, como continua acontecendo no Oriente médio. Ismael, o sanguinário, Imperador do Marrocos, teve 1400 filhos com o seu. Se fosse uma mulher, teria no máximo 68 (de uma soviética do século XIX, especialista em trigêmios). Mas ele era riquíssimo. A monogamia é uma imposição política em prol da atenuação da inveja dos ricos, que os homens absorvem com relutância biológica. A masturbação, além de expulsar espermatozóides inférteis, é o mais digno pilar da monogamia, é o que mantém seu marido próximo sem amargor. Deixe-o ter devaneios próprios. Você também não os tem?

Consulta: Normalidade

 Tenho um ótimo relacionamento com meu namorado, inclusive sexual. Há pouco tempo ele me contou ter fantasias com travestis.

Pior, já concretizou, saindo com um deles e ter feito sexo oral. Ao mesmo tempo, jura não sentir atração por homens. Isso é normal? O que significa?

Tati

Normalidade? É sempre complexa para nós, já que nosso cérebro é o que existe de mais complexo no planeta. Seu namorado tem, como diz um cliente, uma “conta secreta na Suíça”. Quer dizer que parte de seu capital erótico está ligado ao desejo homo. Quando o valor dessa conta passa dos 50%, a pessoa se sente tentada a “sair do armário”, a se “assumir” como principalmente homossexual, a conta deixa de ser secreta e é investida no país. Mas, e se ele tem 20%? Por que razão haveria de se rotular? Por que haveria de renunciar a ter mulher e filhos se este é seu maior interesse? A maior parte dos homens nesta situação opta por manter a conta secreta, reprimida, escondida até de si mesmo. Quanto menor a conta (abaixo dos 50%), maior a facilidade de mantê-la secreta, e menores os danos colaterais (como sair por aí perseguindo homossexuais, numa negação de seu capital homo). São raros os que resolvem usar a conta, mais raro ainda quem decida partilhar o segredo com a pessoa que amam. É preciso ser muito “macho”, é preciso que a conta seja baixa. Ele deseja não ter segredos com você, e ser aceito tal como é. Seus olhos se atraem pelo corpo das mulheres (sinal de que a conta é baixa). Ele arranjou uma solução de meio termo: uma mulher que o atrai, mas que tem pênis. Você não tirou “la mala suerte”, ao contrário.

Consulta: Aborto

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Sobre o aborto, o que o Sr. tem a dizer?

Aristides Freire

Prezado Aristides,

Admirei muito a coragem do Ministro Temporão de pôr o tema em debate. Ele rompe com a hipocrisia nacional que só fala dele nos cochichos de família. A família pobre com perdas aos milhares de suas filhas entregues às mãos de curiosas. A família de classe média para cima contando com os recursos das clínicas que não ousam dizer seu nome. O economista Steven Levitt, em seu livro “Freakonomics”, constata que foi 20 anos depois da legalização do aborto nos EUA que a criminalidade começou a despencar “inexplicavelmente”. O que levou-o a pensar: qual é o futuro de uma criança indesejada, ignorada, maltratada, abusada, rejeitada? Qual o tamanho da revolta que ela contém? Qual o apelo que a marginalidade tem sobre ela? Que perspectivas de vida ela vê? Juntou 2 + 2 e deu 4. Penso que o drama das mulheres é enorme, e me seduz a idéia de que um futuro e possível plebiscito sobre o assunto deveria se restringir ao voto delas, coisa que não acontecerá, por certo. Por séculos a Igreja foi a fonte de poder sobre os Estados (seus tiranos eram endossados pelo poder de Deus). Isto acabou com a revolução francesa, que separou Igreja e Estado, em 1789. Não somos mais obrigados a ser religiosos desde então. Existem Estados religiosos ainda, como os muçulmanos, mas o Ocidente logrou esta conquista. Minha melhor esperança é de que os métodos anticoncepcionais atinjam toda a população por iniciativa do governo, pois qualquer aborto é pesado para qualquer mulher.

Consulta: Bullying

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu filho é um menino sensível e estudioso, de 10 anos, e vem sendo maltratado na escola por um colega da mesma idade, mas muito mais forte que ele, que costuma importunar os colegas da mesma maneira. Ele sofre muito e não sei o que dizer a ele.

Amanda

Prezada Amanda,

Minha filha estava no pré-escolar quando eu fui a uma reunião de pais. A diretora nos disse que não toleraria violência na escola, que iria reprimi-la com mão de ferro. Pedi a palavra e disse que a escola brincava de um modelo de sociedade democrática, para preparar seus alunos para a vida adulta. Que havia nela um executivo (a direção); um parlamento (representantes de turma), mas que não havia treinamento para um judiciário. Onde estavam os tribunais? Por que as desavenças não eram trazidas a um foro apropriado que discutisse acusação e defesa, por que os alunos não podiam advogar, onde estava o júri, a sentença e a punição? Ela achou a idéia muito interessante, mas nada mudou. Por causa dessa falha das escolas, aconselho meus filhos a meterem porrada se forem importunados por valentões (em inglês, bullies). É provável que apanhem um pouco antes de a turma do “deixa disso” entrar. Mas nunca mais serão importunados. Como eu gostaria que suas queixas fossem levadas a um tribunal apropriado, e que a porrada não fosse necessária. Como eu gostaria que esta carta estivesse sido lida por uma diretora de escola que implementasse o judiciário.

Consulta: Coito Anal

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu marido prefere o coito anal ao normal. O problema é que eu também tomei gosto. Eu me masturbo enquanto ele me penetra, e é um orgasmo que nunca experimentei antes. Ele faz de um jeito que não dói. Mas tenho dúvidas se isso é uma coisa normal.

Isolina

Prezada Isolina,

Qualquer parte do corpo humano pode ser uma zona erógena (capaz de produzir prazer), com a possível exceção dos cotovelos. Mas algumas são privilegiadas, como os genitais, os interiores das coxas, os mamilos, os lábios e línguas, as orelhas, a periferia anal e a parte interna dilatada do esfíncter anal. O problema desta área é a maneira de tratá-la. A região não tem lubrificação natural, e sem ela o atrito é doloroso. Se o seu marido aprendeu a regra do 1-2-3, com abundante lubrificação (primeiro a dilatação com um dedo, depois dois e por fim três), de fato, você não terá dor alguma, só prazer. A sensação de entrega, para quem gosta, é inigualável, e será fonte de prazer para vocês dois. A lubrificação deve ser feita com o KY gel, e o coito deve ser feito com camisinha, pois é a área de maior risco de contaminação pelo HIV. Mas sua suspeita de que seu marido tenha um fetiche homossexual não procede inteiramente. Há muitos homens que desejam esta particular entrega de suas mulheres, e há muitas mulheres, como você, que adoram lhes proporcionar isto. Desfrutem sem problemas.

Consulta: Preferência Por Filhos

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Desde criança quase sempre meus pais brigavam por minha causa. Minha mãe sempre me defendia e meu pai sempre me condenava na maioria das vezes por motivos banais. Hoje aos 24 anos não existem brigas, mas eu e meu pai mal conversamos. Amo ele mesmo assim, mas não sei se ele gosta de mim ou apenas tolera minha presença. Por que ele me trata assim e é tão diferente da minha mãe?

Eduardo

Acho que Renato Russo comenta em uma música que pais também foram crianças e tiveram pais, que também os tiveram, e assim por diante. A mãe natureza não está nem um pouco interessada em nossa felicidade, só quer que a gente se reproduza. Não pede atestado de competência, nem para pais, nem para mães. Um provérbio americano diz que são “dez segundos de prazer e trinta anos de preocupações”. Mas também podem ser trinta anos de descaso, de mal-tratos, de indiferença. O fato é que há pessoas vocacionadas para o bem cuidar de filhos e outras que não estão nem aí. Nem me parece muito o caso de seu pai. Deduzo que ele participou de sua criação, pelo menos sendo provedor, ou, como o condenava, tendo alguma intenção educacional (ou mesmo sendo uma peste, ou para implicar com sua mãe, quem pode saber?). Acaba sendo uma forma de educar. Pelo reverso. Exemplo: “Nunca na minha vida vou tratar minha mulher e filhos assim”. Não é uma forma de educação? De resto, quando a gente cresce, o que conta é a afinidade. Deixamos de ser filhos, e, se há afinidades, passamos a amigos. Ou não.

25.04.07

Consulta: Síndrome do Confinamento

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Minha mulher sofreu um acidente de lambreta na Itália, e teve que ficar imobilizada em um hospital. Tivemos que ficar lá por dez dias e ela nem podia ir ao banheiro. Cuidei dela com todo o carinho, mas no 5º dia ela teve um surto psicótico paranóico, achando que todos queriam matá-la, culpando-me a mim por sua situação. Nunca senti pavor maior na vida. O médico disse que ela estava sofrendo da “síndrome do confinamento”. O que é isso, afinal? Ela vai ficar boa?

Carlos

A síndrome do confinamento existe de fato. Ela é mais comum em CTIs e Unidades Coronarianas, que são lugares aterrorizantes. Mas foi vista em rede nacional de TV quando o “Ban-Ban” do BBB1 entrou em crise porque desmantelaram sua boneca Maria Eugênia, uma referência inventada por ele. A escola de tortura do Panamá usou esta técnica de tirar as referências dos prisioneiros de modo a enlouquecê-los e fazer com que eles confessassem. Algumas pessoas são mais vulneráveis que outras. Quem tem depressão é vítima fácil. A tendência é que, na volta ao Brasil, e com a presença de pessoas conhecidas ela volte ao normal. Mas convença-a, com o tempo, de procurar terapia, pois o trauma é grande. É também um mecanismo de defesa. Como foi ela que insistiu em andar de lambreta e trazia o filho na garupa, a idéia de que poderia ter matado o filho foi desestruturante. Ela precisava pôr a culpa em alguém. Este alguém foi você. Assim com é fácil amar o próximo, também é mais fácil odiar o próximo.